Por Carolina Fioratti (carolinafioratti@usp.br)

Uma pessoa parada em um ambiente totalmente novo, talvez um restaurante ou um bar. Ela então chama o garçom para realizar um pedido e escuta a frase — “O que vai querer?” — Isso causa uma estranha, e ao mesmo tempo, familiar sensação. Eu já vi isso antes!
Mas como é possível lembrar de algo que nunca ocorreu? A proximidade com a cena não está na típica sentença do rapaz, afinal, é comum ouvi-la em diversos lugares, sem surpresas nesse ponto. A impressão causada, na verdade, é algo muito mais complexo do que se imagina: o déjà vu. Não é um termo novo na sociedade, grande parte da população já passou por ele pelo menos uma vez na vida. Para ser mais exata, entre 60% e 80% das pessoas são capazes de relatar essa experiência. No entanto, relatar é bem diferente de explicar. Viver é diferente de entender. Mas tudo bem! Não precisa se envergonhar por não entender o funcionamento do seu próprio cérebro, muita gente vive pesquisando e ainda assim não chega a uma conclusão.
O primeiro passo é aceitar que o déjà vu é extremamente complexo e, por tal motivo, tem diferentes interpretações para cada área da psicologia. Em psicopatologia, por exemplo, é visto como uma alteração da sensopercepção que se dá pela antecipação da consciência temporal. Traduzindo isso, há uma mudança na forma como os estímulos sensoriais (tato, olfato, visão, audição e paladar) são recebidos devido ao adiantamento do sentimento consciente em relação à passagem do tempo. Apesar da definição se encontrar na área patológica (pesquisas relacionadas a doenças), ele só é considerado um problema de saúde quando acontece frequentemente ou vem em conjunto com outras alterações da consciência, atenção ou memória.
Explorando agora outro ramo da psicologia, a psicanálise, temos o chamado “Retorno do Recalcado”. Ele ocorre quando uma percepção já tida brevemente não é completamente integrada na consciência ou compreendida e, por isso, permanece em estado latente, até que um novo estímulo sensorial faça aquilo retornar como um “ver de novo”. Além disso, o déjà vu demonstra que a temporalidade psíquica não é linear e na maioria das vezes não atende a uma lógica cronológica. Tendo assim a definição de inconsciente por Sigmund Freud, criador da psicanálise, o qual constatou que haveria uma temporalidade e uma lógica próprias. Para exemplificar, considera-se que não é “ou” isso “ou” aquilo, mas “e”.
Na obra “Psicopatologia da vida cotidiana” (1905), Freud exemplifica o déjà vu com a história de uma paciente de 37 anos que quase perdeu seu único irmão por conta de uma doença. Ano depois do caso, essa mulher visitou algumas amigas, as quais também contavam com um irmão doente, e teve a sensação de já ter estado naquela casa antes. Todavia, a paciente não teve a lembrança do próprio irmão e não fez essa associação quando chegou ali. Ela simplesmente teve a impressão de já ter estado no local. A recordação só foi recuperada durante o trabalho analítico. Freud diz que, nesse caso, um fausse reconnaissance (falso reconhecimento) veio no lugar de uma lembrança de algo (material psíquico inconsciente) impedido de se manifestar conscientemente como recordação. Na ocasião da doença do irmão, ela se tornaria filha única. Ela viveu a quase perda fraterna, uma experiência triste que foi pareada com a expectativa de que isso realmente acontecesse (ou seja, ela fantasiou a morte do irmão), por isso essas representações foram recalcadas e retornam em uma cena visual ou experiência de familiaridade, reencontro ou reconhecimento.
Agora que foi possível compreender o que é este fenômeno, é preciso analisar o seu funcionamento. Ainda não há um consenso sobre como ocorre; existem teorias que vão desde ideias paranormais até simples bugs cerebrais. Uma das teorias é a de que ocorre uma disfunção momentânea na comunicação entre os neurônios em alguma região do córtex cerebral, ou ainda um descompasso comunicacional entre os hemisférios cerebrais. Isso se resume em um “erro” na busca pelas memórias.
Como dito antes, o déjà vu só é caracterizado como patologia quando ocorre em grandes frequências. Há pesquisas que mostram que no caso de pessoas saudáveis, a incidência diminui com a idade, e pessoas que cursaram ensino superior relatam ter tido mais experiências. Em casos de repetição, é possível mudar o problema de plano e intervir. Para isso, o indivíduo que se sentir afetado deve procurar um psicoterapeuta ou analista.
Este texto foi escrito com o auxílio dos profissionais Josiane Cristina Bocchi, psicóloga e docente da Universidade Estadual de São Paulo do Campus de Bauru (UNESP-Bauru), a qual contou a história de Sigmund Freud, e também Guilherme Raggi, formado em psicologia pela Universidade de São Paulo (USP).