Este filme faz parte do 8º Festival Varilux de Cinema Francês. Para mais resenhas do festival, clique aqui.
Qual é a importância da família na vida de um indivíduo? De quais maneiras uma família pode ser composta? Como desmantelar a vida de uma criança, consolidada pela tríade família, amigos e país? O Filho Uruguaio (Une Vie Ailleurs, 2017) foi dirigido e escrito pelo francês Olivier Peyon. Composto por um elenco misto entre franceses e hispânico-latinos, o filme promove reflexões éticas em relação a questões que podem parecer fúteis, mas só parecem.
Sylvie (Isabelle Carré), com a ajuda do assistente social Mehdi (Ramzy Bédia), atravessa o Atlântico para chegar ao Uruguai. O objetivo: encontrar seu filho, que fora sequestrado pelo próprio pai há quatro anos. Enquanto Sylvie prepara o plano de fuga do país platino, Mehdi vai à procura direta pela criança. O francês, então, descobre que Felipe (Dylan Cortes) é, aparentemente, feliz com sua vida uruguaia, sendo criado pelas avó Norma (Virginia Méndez) e tia Maria (Maria Dupláa) paternas.
O enredo cria uma dualidade interessante, a qual reforça o caráter reflexivo ético e moralista do longa. Essa é a questão das duas famílias, ou melhor, as duas vidas de Felipe: a francesa e a uruguaia. O choque de interesses opõe Sylvie a Maria e Norma. Disfarçadas de puramente generosas, as afetividades de cada uma das três mulheres por Felipe velam intenções egoístas. Por motivos distintos, Felipe se tornou o cerne da vida delas, principalmente as de Sylvie e Maria. Isso torna o dilema ainda mais complexo. É preciso descobrir o quão justo é tirá-lo de sua vida uruguaia, assim como o quão verdadeira ela é. Além disso, é necessário identificar os limites entre os anseios de Sylvie, Maria e do próprio Felipe. Cabe a Mehdi intermediar esse conflito, visando a evitar um trauma para a criança. Intrigante é como a película torna o relacionamento entre Mehdi e Felipe talvez o mais puro e forte. A química entre os personagens de Ramzy e Dylan é formidável, sendo um dos pontos fortes do filme.
É curioso, e no mínimo ousado, como Peyon optou por escalar um comediante como um dos protagonistas para o drama. Ramzy não possuía experiência em dramas antes de estrelar neste filme. Ele é conhecido pela dupla de humoristas “Eric et Ramzy”, da qual também faz parte Eric Judor. O francês de origem argelina é quem se destaca entre os outros atores. Ramzy é o único com uma atuação acima da média e consistente, independentemente da situação na qual Mehdi se encontrasse. Carré, por outro lado, decepciona um pouco. Ela não consegue extrair comoção ou empatia para sua personagem, a qual já sofre de uma construção de carisma frágil. Ao longo do filme, a atriz francesa consegue se aprimorar e trazer certa simpatia para Sylvie, mas mantém um nível modesto de atuação, pecando ao exagerar nas cenas de drama (o infame overacting). Dupláa atua bem, mas sem surpreender. Ela consegue transmitir ao espectador satisfatoriamente os sentimentos e as reações da tia de Felipe, até mesmo com um simples olhar. Ela sensibiliza o público com seu personagem, um feito não atingido por Carré. Entretanto, assim como a francesa, Dupláa comete alguns overactings.
Por fim, nos aspectos técnicos, dois pontos chamam a atenção negativamente. A trilha sonora, a princípio, é utilizada não só para ditar o ritmo das cenas, como também para ambientar o público no país latino. Isso é feito de uma maneira admirável, embora seja inconsistente. No decorrer da produção, o suporte musical para a ambientação é reduzido até cair em esquecimento. Já a iluminação, em sua maioria natural, é tratada com certo descaso. Isso é perceptível em duas cenas distintas nas quais há um estouro de luz claramente não intencional nos cantos superiores. Em contrapartida, não se pode ignorar os acertos técnicos. Os cortes de câmera promovem transições de cenas fluidas, além de ser bem cadenciado de acordo com cada cena.
Sem ainda ter sido avaliado pelo Rotten Tomatoes (15/06/17) e com rígidos 6,6 no IMDB, O Filho Uruguaio é um filme com uma proposta reflexiva bonita e nobre, a qual poderia ter sido melhor trabalhada, mesmo sendo bem feita. Ao se balancear acertos e erros, a produção francesa atinge um nível tênue acima do mediano. Talvez, merecesse um 7,8 no site de crítica britânico. Decerto, merece seu título em português traduzido literalmente do francês: “Uma Vida em Outro Lugar”.
Confira o trailer, embora não recomende, pois cede muito sobre o enredo:
por Caio Mattos
caiomattcardoso@gmail.com