por Mariana Rudzinski
marianarudzinski71@gmail.com
Um severo juiz do Tribunal Criminal, cujas sentenças nunca são menores de 10 anos, reencontra um antigo amor no júri do processo que está julgando. Esse enredo poderia facilmente ser o de um romance hollywoodiano, em que o protagonista seria interpretado por algum ator como Richard Gere ou George Clooney. Depois do encontro e de longas sequências de embates entre as personagens, ele perceberia que seu comportamento era inadequado e subitamente se tornaria uma pessoa melhor. No entanto, este não é o caso. A Corte (L’Hermine, 2016) não é um filme hollywoodiano e seu enredo, apesar de parecer clichê a primeira vista, é desenvolvido de maneira delicada e bela.
A sequência de abertura do longa nos mostra o juiz Michel Racine, interpretado pelo ator de teatro Fabrice Luchini, preparando-se para deixar o tribunal após um dia de trabalho. O cachecol vermelho da personagem é o ponto que mais chama a atenção na cena, contrastando com as cores neutras do cenário. Pelas interações de Racine com aqueles que o rodeiam, é possível ter um vislumbre de sua vida e personalidade. O juiz é um homem amargo e que não desperta empatia, temido e desprezado por seus colegas de trabalho.
O acontecimento que dá início à ação é a chegada de um novo caso nas mãos do juiz Racine. Um homem é acusado de ter matado sua filha de 7 meses e as evidências indicam que ele é o culpado pelo crime. Os funcionários do tribunal, conhecendo o juiz, já supõem o tamanho da pena que seria decretada. Quando o sorteio que determina quais serão os jurados é feito e Ditte (Sidse Babett Knudsen) é selecionada, percebe-se pela expressão facial de Racine que os dois se conhecem.
Ditte, uma médica anestesista, é o extremo oposto do juiz. Simpática e solícita, a mulher havia tratado de Michel Racine quando ele esteve no hospital após um acidente grave. O protagonista, encantado com os cuidados e atenção da médica, se apaixonou por ela e não a esqueceu, mesmo depois de anos. A retomada da convivência entre eles durante o julgamento desperta em Racine um lado mais brando e compreensivo, que pode ser verificado através da mudança em sua postura ao conduzir os trabalhos do tribunal, uma vez que ele não o faz da maneira intransigente que lhe era costumeira. Essa mudança, contudo, é sutil e ocorre sem grandes revelações para o público.
É nos diálogos entre Dite e Michel que desvendamos a personalidade do juiz, para além de sua persona no tribunal. Ele é, na verdade, um homem inseguro e tímido, que só se apaixonou uma vez e sofreu com a rejeição. Há uma conversa em especial entre as personagens que retrata claramente a insegurança do protagonista e, de certo modo, explica suas ações desagradáveis. Nela, a médica pergunta por que Racine usa o cachecol vermelho o tempo todo e o homem inicialmente responde que o faz para disfarçar que não sabe se vestir, mas depois confessa que o real motivo para a escolha é porque usar a peça e causar incômodo e irritação por causa disso é melhor do que não ser visto.
Ainda que o enredo seja explorado de maneira satisfatória durante o filme, o público talvez possa sentir falta do desenvolvimento das histórias de personagens como a ilustradora do tribunal e o advogado do réu, que, por aparecerem com frequência em cenas-chave, passam a impressão de serem mais importantes para a narrativa do que realmente acabam sendo. Esse detalhe, no entanto, não prejudica a qualidade do filme como um todo.
A atuação brilhante de Fabrice Luchini – que lhe rendeu o prêmio de melhor ator no Festival de Veneza – e a sutileza empregada para mostrar a mudança gradual do comportamento do juiz Racine são o diferencial do filme. É essa sutileza que confere ao longa unicidade e faz com que ele se destaque em meio a um mar de filmes com enredo similar.
A Corte estreia no Brasil dia 11 de junho e será exibido no Festival Varilux de Cinema Francês 2016, que acontecerá entre 8 e 22 de junho, em 50 cidades brasileiras. Confira o trailer: