Jason Taverner é cantor e apresenta seu programa de TV toda terça-feira à noite com milhões de espectadores. Para ele, a fama é sinônimo de vida. Ele tem dinheiro, casas espalhadas pelo mundo, uma nave, várias amantes… Taverner também é um Seis — fruto de experimentos secretos de eugenia —, então, ele acredita que é superior aos demais e sempre conseguirá sair de qualquer situação inconveniente.
Até que ele acorda em um hotel decadente, sozinho, em um tipo de ambiente que ele não frequenta desde que se consagrou na carreira. E pior, ao tentar entrar em contato com seus conhecidos, descobre que ninguém o conhece nem há registros sobre o seu nascimento — é como se a vida de Taverner não existisse mais.
Essa é a premissa de Fluam, minhas lágrimas, disse o policial, de Philip K. Dick. Lançado originalmente em 1974, o livro ganha nova edição em 2021 pela Editora Aleph.
A narrativa se passa em 1988, num mundo distópico: com carros voadores, policiais vigiando a todos e campos de trabalho forçado. O autor não se aprofunda muito em como é ou como funciona esse universo, o que deixa o leitor refém de descrições isoladas que ocorrem ao longo do livro. O seu foco é a tentativa de Taverner de compreender a sua própria identidade, voltar a sua vida normal e não ser pego pela polícia devido ao uso de documentos falsos.
Durante essa busca, nos deparamos com personagens secundários muito interessantes, que acrescentam à narrativa questões relacionadas ao psicológico, ao medo, a perdas e drogas. Isso cria um dos pontos altos do livro: os diálogos cheios de reflexões.
“Jason, o sofrimento é a consciência de que você vai ter que ficar sozinho, e não existe nada além disso, porque estar sozinho é o destino máximo e final de toda criatura viva. A morte é isso, a grande solidão.”
Philip K. Dick, Fluam, minhas lágrimas, disse o policial
Os personagens são tão complexos que é difícil compreendê-los, o que deixa o leitor cheio de interrogações durante a leitura. Mas não são só os personagens que nos deixam dúvidas. Quando a história se aproxima do fim, o leitor pode se arriscar a supor o que aconteceu com Taverner, mas as peças não se encaixam. Os devaneios da narrativa — típicos do autor — deixam nossa mente com um turbilhão de hipóteses inconclusivas. Tanto Taverner quanto aqueles que investigam o caso, assim como o leitor, não entendem a situação — e essa incompreensão nos deixa presos à leitura.
Até que nas últimas páginas tudo é explicado. A resolução é boa, mas acontece de forma um pouco acelerada. Há ainda um epílogo que, embora não acrescente nada tão inusitado, é interessante por apresentar o que aconteceu com cada personagem. Isso não resolve as nossas dúvidas quanto a eles, mas nos dá um gostinho a mais daqueles personagens que passaram rapidamente pela trama.
Fluam, minhas lágrimas, disse o policial pode ser uma leitura rápida, mas traz discussões densas, que ultrapassam as 261 páginas da edição e nos deixam presos à história mesmo após seu fim.
*Imagem de capa: Bianca Camatta