Por Gabriella dos Santos (gabriella.santos12@usp.br)
O Senado Federal aprovou por unanimidade, no início de novembro, o projeto de lei que prevê a isenção do Imposto de Renda (IR) para pessoas com renda mensal de até R$ 5 mil. A medida também prevê a isenção parcial para quem ganha até R$ 7.350 mensais. A proposta agora segue para a aprovação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e, se sancionada até o final do ano, pode entrar em vigor a partir de 2026.
O IR, como o próprio nome diz, é um imposto pago anualmente por todos os brasileiros sobre os seus rendimentos, proporcional ao que ganham. Geralmente, o valor é descontado diretamente na folha de pagamento dos contribuintes todos os meses e compõe as receitas orçamentárias, que são usadas para financiar políticas públicas de educação, saúde, segurança e outros diversos serviços públicos.
De acordo com o Ministério da Fazenda, mais de 26,6 milhões de contribuintes serão beneficiados com a isenção em 2026. A medida afetará cerca de 140 mil pessoas que ganham até 600 mil por mês, o que corresponde a 0,13% dos contribuintes. Atualmente, esse grupo paga em média uma alíquota efetiva de apenas 2,54% de Imposto de Renda.
Em entrevista à J.Press, o economista e advogado tributário Eduardo Fleury explica os detalhes da proposta e analisa seu impacto no bolso das famílias e na economia brasileira.

J.Press – O que é a isenção do Imposto de Renda para pessoas que ganham mensalmente até R$ 5 mil, aprovada recentemente pelo Senado?
Eduardo Fleury – Atualmente, existe uma isenção de até dois salários mínimos. Então quem ganha até R$ 3 mil mensais tem o imposto retido no salário, mas recupera o valor na declaração anual. Na prática, com essa nova medida, os principais beneficiados serão aqueles que ganham entre R$ 3 mil e R$ 5 mil, que deixarão de pagar o imposto nessa faixa.
Para rendas de R$ 5 mil a R$ 7.350, pagarão menos imposto do que atualmente. Essa faixa de renda que será isenta parcialmente se refere a salários ainda baixos, mas considerados próximos aos 10% mais ricos do país devido à baixa renda per capita nacional. Então, a medida representa uma expansão significativa da isenção anterior, focando em aliviar a carga tributária para rendas médias-baixas.
J.Press – Como essa medida pode afetar o trabalhador que recebe, por exemplo, R$ 3 mil por mês?
Eduardo – Os trabalhadores que recebem até R$ 5 mil deixarão de pagar o imposto de renda imediatamente, sem retenção na fonte. A medida entrará em vigor em 2026, se for aprovada pelo Senado até o final de 2025, permitindo o recebimento integral do salário desde o primeiro mês de aplicação. Acredito que as chances da proposta ser rejeitada pelo Senado são muito pequenas, então o projeto parece estar muito bem encaminhado.
Hoje, a retenção do imposto e a restituição no ano seguinte geram atraso no acesso ao dinheiro. Com a nova medida, aumentará o poder de compra imediato para despesas essenciais, como alimentação e moradia, beneficiando diretamente o trabalhador.
J.Press – Quais foram os principais motivos para a aprovação desse projeto?
Eduardo – A aprovação atende a uma promessa de campanha do governo Lula, que previa isentar rendas até R$ 5 mil, compensadas por tributação adicional sobre os mais ricos, desde 2022. Houve uma rejeição inicial devido a aumentos recentes de impostos, mas a medida se mostrou benéfica para a classe média, atendendo a uma agenda de redistribuição de renda.
Eu diria que houve também uma pressão social de maneira indireta. Exemplo disso foi a aprovação da PEC [Proposta de Emenda à Constituição] da Blindagem, que deixou uma imagem negativa para a Câmara e, para se redimir, aprovaram rapidamente um projeto popular, embora ele já estivesse previsto para aprovação. Então, apenas aceleraram o processo.

J.Press – Considerando o atual sistema tributário brasileiro, por que a população mais pobre acaba pagando mais impostos proporcionalmente do que os ricos?
Eduardo – Proporcionalmente à renda, os mais ricos pagam menos que os de baixa renda, porque o sistema tributário é regressivo. Isso significa que os mais pobres são cobrados em coisas do dia a dia, como impostos embutidos no preço da comida ou do ônibus.
Os ricos, entretanto, encontram brechas nesse sistema para pagarem menos impostos. Por exemplo, uma empresa paga 34% de impostos sobre os lucros, o que já cobre parte dos impostos dos donos, mas eles conseguem evitar pagar mais no imposto pessoal. Outro caso é o regime Simples Nacional, que era para ajudar pequenas empresas, mas acabava beneficiando quem já era rico, pois permitia pagar menos impostos mesmo com grande faturamento.
Um exemplo fácil é o de dois profissionais fazendo o mesmo trabalho, como dois advogados. O primeiro é funcionário da empresa e paga até 27,5% de imposto sobre o seu salário, o que significa que boa parte do seu salário é debitada em tributos.
O segundo é dono de um escritório e usa um regime como o Simples Nacional, pagando menos imposto pelo mesmo trabalho. Então, o sistema favorece quem tem uma empresa, deixando os trabalhadores assalariados de baixa renda pagarem mais do que devem. Com a nova reforma, o governo está tentando consertar isso para que todos paguem de forma justa.
J.Press – Para rendas de até R$7.350, qual o efeito dessa reforma no cálculo do Imposto de Renda?
Eduardo Fleury – Com a isenção parcial para rendas de R$ 5 mil a R$ 7.350, o imposto incide sobre o excedente acima de R$ 5.000,01, alterando a base de cálculo para excluir a faixa inicial. Isso vai resultar em maior liberação de renda disponível para os contribuintes nessa faixa. O efeito, portanto, é uma alíquota efetiva menor, incentivando o consumo e alinhando-se à meta de redistribuição sem eliminar completamente a contribuição de rendas intermediárias.

J.Press – A isenção total e parcial do IR pode ajudar a economia do país?
Eduardo – Sim, tanto a isenção total quanto a parcial vão gerar maior poder de compra para as pessoas de renda mais baixa, trazendo benefícios diretos ao permitir que elas recebam o salário integral sem ter o imposto retido na folha de pagamento. Elas vão poder comprar mais, o que estimula a economia, gera empregos adicionais e contribui para o crescimento geral do país.
Economicamente, quando uma isenção é dada para pessoas mais ricas, elas tendem a guardar dinheiro extra, mas, para a população de renda menor, é provável que o valor seja gasto em necessidades imediatas, impulsionando a produção e o emprego. Isso resulta em um efeito positivo na economia, pois o aumento no consumo leva as empresas a produzirem mais e contratarem mais pessoas, fortalecendo a renda e o desenvolvimento nacional.
J.Press – Existem riscos para quando a medida entrar em vigor, como a perda de arrecadação que poderia levar a aumentos em outros tributos?
Eduardo – A perda de arrecadação será compensada por um imposto mínimo de 10% sobre os mais ricos do país, com rendas acima de R$ 50 mil mensais, que vai afetar cerca de 140 mil pessoas no topo da distribuição de renda. Os cálculos do governo indicam que essa tributação adicional vai equilibrar as contas públicas, evitando déficits imediatos e mantendo a neutralidade fiscal da reforma.
O risco só existe se a compensação não for o suficiente, devido a possibilidade de evasões ou subestimação, que poderia pressionar o governo a elevar outros tributos. Entretanto, o governo prioriza arrecadação adicional em vez de cortes de gastos desnecessários, o que pode agravar percepções de ineficiência orçamentária a longo prazo.
J.Press – Para o cidadão comum de baixa renda, o que muda na prática com a reforma?
Eduardo – O cidadão de baixa renda, sem a retenção do IR, pode ganhar de R$ 300 a R$ 400 a mais por mês, dependendo de sua renda. Essa mudança elimina o desconto mensal anterior, que proporciona mais alívio no orçamento familiar.
A declaração anual de imposto de renda vai continuar a mesma e pode ser até mais simples. Não terão novas obrigações, declarações adicionais ou pagamentos extras, simplificando a rotina fiscal para o contribuinte comum e reduzindo a burocracia.
