Por Aline Fiori (alinefiori05@usp.br)
O 9º Festival Piauí de Jornalismo 2025 deu início à sua programação com Selam Gebrekidan, repórter investigativa do The New York Times, nesta manhã de sábado (06/09). Entre seus trabalhos de investigação, foram destacados a miséria no Haiti, a corrupção no partido de Nelson Mandela, a queda mortal de avião da Ethiopian Airlines e o sequestro de migrantes africanas pelo Estado Islâmico. A conversa foi mediada por Guilherme Henrique, editor digital da Revista piauí, e Flavia Marreiro, editora executiva da BBC Brasil.
Recursos e jornalismo andam lado a lado
A Transparência Internacional classifica o Haiti entre as nações mais corruptas do mundo, que colabora para a miséria do país. O subdesenvolvimento nacional, no entanto, é agravado pelo contínuo pagamento de multas à França. Devido à revolução escrava e sua independência, os descendentes dos senhores recebem dinheiro como uma forma de “recompensação” pela insurreição de 1804. A dimensão dessa multa não era bem conhecida até 2022, ano de publicação da investigação sobre o tema pelo The New York Times.
Gebrekidan relata que a pauta surgiu como um projeto narrativo de Catherine Porter, uma de suas colegas de equipe. Porém, durante a pesquisa, a equipe não obteve acesso às informações . Isso fez a proposta se transformar em uma investigação com pesquisas de arquivo e entrevistas. “Quando percebemos que a França, um país obcecado pela história, não aborda esse assunto nas escolas, quando os investidores de crédito afirmam não ter arquivos é a hora do jornal entrar em ação”, diz.
A equipe consultou milhares de documentos, alguns deles nunca antes revisados por historiadores. A pesquisa elucidou que a economia haitiana foi lesada entre 21 e 115 bilhões de dólares. Quantia que poderia ter sido investida no combate à pobreza no país e às suas infraestruturas deficitárias, como: saúde, educação, saneamento e indústria.
O projeto foi criticado por historiadores – críticas válidas, de acordo com a entrevistada – devido ao tema já ter sido explorado na área antes da publicação da matéria. Gebrekidan conta que as críticas foram previstas pelos editores e, por isso, não trataram a reportagem como um furo jornalístico. “Alguém já sabia. Juntamos as partes, fizemos os cálculos, mas não fomos nós que achamos, foi consultado um arquivo já existente”, aponta.

O desenvolvimento da pauta abrangeu também o banco francês Crédit Industriel et Commercial, financiador da construção da Torre Eiffel, que se beneficiou com empréstimos do Haiti e a influência de Wall Street na ocupação dos Estados Unidos no país no início do século XX.
Foram 14 meses de investigações e a jornalista destaca que a apuração cautelosa só foi possível devido aos recursos do The New York Times. Mas, hoje em dia, Gebrekidan opina que não acha que seria possível fazer uma reportagem como a do Haiti: “esses projetos exigem muitos recursos. Os jornais têm que cobrir a guerra na Ucrânia, a guerra em Gaza, que possuem privilégio na alocação de fundos”.
Cutucando o vespeiro
Gebrekidan investigou outros fenômenos e possui um repertório de investigações amplo. A jornalista nascida na Etiópia já voltou ao seu país de origem para apurar um acidente envolvendo a Ethiopian Airlines – companhia aérea prestigiada pela população etíope. A investigação revelou que o piloto não tinha treinamento adequado sobre o uso do novo software do avião e a revelação gerou consequências à jornalista.
“A resposta [à matéria] foi negativa a ponto de eu receber ameaças de pessoas do governo, de civis nas redes sociais que estavam se mobilizando para encontrar meu endereço. Eles vieram atrás da minha família. Eu tive que deixar a Etiópia muito rapidamente no dia em que aquela história foi publicada. E não consegui retornar desde então”, conta Gebrekidan.
Ela também investigou, durante 18 meses, o sequestro de refugiadas africanas pelo Estado Islâmico para se tornarem escravas sexuais. A confiança de suas fontes foi primordial para o desenvolvimento da matéria: “é algo que precisa de muita sensibilidade. Todas dormiam em colchões muito finos em alojamentos temporários e me deixaram entrar, então dormi lá com elas. Eu comia o que elas comiam, a confiança que você constrói nesse processo. É um relacionamento humano”.
Gebrekidan acrescenta que “essas são histórias diretas e, geralmente, muitas pessoas não se envolvem com elas. Como seres humanos, estamos interessados no que outros seres humanos estão fazendo. Estamos interessados no jornalismo em histórias que fazem mais, que fazem bem que são essencialmente sobre outras pessoas”.
[Imagem de capa: Gustavo Santos/Jornalismo Júnior]






