Por: Aline Fiori (alinefiori05@usp.br)
As produções cinematográficas podem ser apenas uma fonte de entretenimento. Porém, além de proporcionar lazer, as mensagens e significados que elas carregam criam os mais diferentes sentidos sobre a realidade exposta. Não é diferente com o próprio Brasil, que tem suas características criadas e reproduzidas nas telinhas estrangeiras.
A construção histórica do que é ser brasileiro no exterior
Desde a chegada dos portugueses, orientados pelo eurocentrismo, o povo que se descobria brasileiro já tinha seus rótulos sendo impostos. As primeiras construções da imagem externa sobre o Brasil, surgiu na carta de Caminha, que documenta a primeira impressão dos europeus do ambiente brasileiro, foi se criando o imaginário de um paraíso de clima quente e, muitas vezes, um povo preguiçoso, erotizado e sem cultura.
Depois da Primeira Guerra Mundial, os Estados Unidos emergem como potência mundial, filtrando um novo olhar para o Brasil diante de seu campo de influência internacional. A política da Boa Vizinhança, imposta pelo presidente Franklin Roosevelt em 1930, prevê uma estratégia de aproximação dos EUA com os países da América Latina em diversos âmbitos, como a cultural. O presidente Roosevelt em Itamaraty, no Rio de Janeiro, no ano de 1936, discursou que “O lema da paz é: ‘Que os fortes ajudem os fracos a sobreviverem’”.
Os latino-americanos passaram a ser cada vez mais representados na produção cinematográfica de Hollywood. São produzidas imagens e personagens que vão ajudar a construir o estereótipo de o que é “ser brasileiro e latino americano” no olhar dos americanos
O Zé Carioca de Walt Disney
O nascimento de Zé Carioca foi uma resposta à uma crise econômica que estava sendo vivida por Walt Disney. Pós guerra, com os holofotes e o cinema desviados da Europa em greve das produções, o apoio financeiro surge com a ideia de um filme que juntasse os latino-americanos e os norte-americanos à partir dos ideais da política da Boa Vizinhança no filme Alô, amigos! de 1942, que estrela Zé Carioca e Pato Donald.
Nesse filme, fica marcada a cena na qual Zé Carioca apresenta a cachaça ao Pato Donald. A construção do personagem reafirma os estereótipos do brasileiro que dança, é festeiro e malandro.
Ditadura de Vargas
Apesar dos esforços do governo Vargas para vender um Brasil mestiço e moderno, as próprias produções artísticas dos países que o governo brasileiro tentava impressionar mostravam um país com desigualdade, pobre e racista. A passagem do cineasta norte-americano Orson Welles pelo Brasil, é um exemplo disso. Sua vinda foi fruto da política da Boa Vizinhança que lhe rendeu um bom orçamento e um filme encomendado sobre o carnaval do Rio de Janeiro com o objetivo de ampliar o turismo.
Welles, ao conhecer o país, viu que não era aquilo que deveria retratar e se encantou na história de quatro jangadeiros que navegaram até o Rio para pedir ao governo Vargas a inserção de sua área trabalhista na constituição que seria contada no longa 4 homens e uma jangada em 1942. Porém, o filme não agradou as instituições governamentais e nunca foi concluído. Já no filme sobre o carnaval, o cineasta contratou cariocas negras, pardas e afro-brasileiras, mas a DIP (Departamento de Imprensa e Publicidade) não aprovou a imagem que retratava favelas e pobreza.
Futebol e Bossa Nova
Nos anos 50 e 60, com a vitória da Copa do Mundo de 1958 e o sucesso da Bossa Nova, a imagem que o mundo tem do Brasil começa a incluir outros elementos como o futebol e a música. A Bossa Nova também se encaixava nos interesses da diplomacia brasileira e foi com sua ajuda que foi apresentada ao mundo afora em 1962.
Mesmo que a repercussão global desses aspectos da cultura brasileira tenha sido planejada para aumentar a popularidade do país e melhorar sua imagem, a reprodução disso nas produções estrangeiras, como o cinema, fizeram com que a diversidade cultural do Brasil fosse reduzida e estereotipada. O que resultou muitas vezes em uma reverberação que não condiz com a realidade do país como, além das já desenvolvidas, a representação que é dada para a Amazônia em muitos filmes com animais que não são nativos, localização geográfica incorreta e a linguagem de personagem nativos do Brasil em alguns longas serem em espanhol.
“O cinema e sua produção linguística e de significados não são apenas reprodutores de culturas e ideologias fixas e homogêneas, mas é produtor de múltiplos discursos, que comentam, afirmam e contestam lutas socio-ideológicas”
Ana López, pesquisadora de estudos culturais e de filmes latinos na Universidade de Tulane
Neste contexto histórico, confira abaixo filmes de diferentes países que foram marcantes em sua construção sobre o que é ser brasileiro sob um olhar estereotipado:
1. Aconteceu em Havana (EUA)
Na ditadura de Getúlio Vargas, contemplado o turismo, multiplicaram cassinos e, com eles, a indústria de entretenimento ganhou fôlego. Uma artista em particular marcou o período: Carmen Miranda.
A cantora foi levada para Hollywood, depois de ser vista por um produtor cantando no Cassino da Urca. Carmen cantava e usava o seu clássico traje de baiana com frutas na cabeça. Esse foi o começo de sua carreira norte-americana, ancorada por Vargas, que abraçou a ideia de apresentar aos americanos uma mulher branca como representante da cultura brasileira. (para conquistar espaço na indústria americana)
Courtney Campbell, professora de história da Universidade de Birmingham, em entrevista para a BBC Brasil, afirma que “(Carmen) cabia dentro do paradigma que o governo Getúlio Vargas imaginava que representava progresso e modernidade no mundo exterior, especialmente nos Estados Unidos.” […] o governo sabia que tinha que enviar uma pessoa que cabia dentro do modelo branco do país.”. A historiadora especialista em história latino americana, também comenta que a atriz somente afirmava aos EUA o que eles já pensavam sobre o Brasil: uma ideia de brasileira que quer festa, dançar, que se veste de modo que mostre mais o corpo.
2. Orfeu Negro (França/Itália)
O filme franco-italiano Orfeu do Carnaval (Orphée Noir, 1959), dirigido por Marcel Camus, é baseado na peça Orfeu da Conceição, de Vinícius de Moraes, e apresenta a favela para o mundo pela primeira vez. A narrativa mistura uma realidade periférica exótica e romantizada com o carnaval do Rio de Janeiro. Destes, nenhum outro filme estrangeiro reforçou tanto a imagem clichê do Brasil exótico quanto o de Camus.
3. Romance no Rio (EUA)
O longa estadunidense de 1984 dirigido por Stanley Donen conta a história de dois amigos que estão passando por momentos difíceis em suas vidas amorosas e viajam para o Rio de Janeiro com suas filhas adolescentes.O roteiro do filme peca em diversos aspectos da representação do Brasil e do Rio de Janeiro.
O nome original Blame it on Rio (ou A culpa é do Rio, em tradução livre) reforça um senso de mau comportamento na cidade, ainda mais quando a narrativa rodeia pedofilia e traz aspectos que compõem um imaginário sobre o Brasil, e o Rio de Janeiro em específico, de libertinagem, expressão sexual em contraste com o mundo da metrópole, um paraíso selvagem, como na cena do filme em que todas as mulheres na praia estão topless.
4. Whisky (Uruguai)
Na produção uruguaia de 2004, Jacobo (Andrés Pazos), recebe a visita de seu irmão, Herman (Jorge Bolani) – ambos possuem fábricas de meias no Brasil – depois de 20 anos sem se ver, nesse acontecimento é acendida uma disputa entre irmãos.
O filme retrata o Brasil na contramão dos estereótipos que são abordados pela maioria dos filmes estadunidenses e europeus. O longa, que é dirigido por Juan Pablo Rebella e Pablo Stoll, traz um horizonte de oportunidades no Brasil, uma terra de abundância, e os brasileiros como trabalhadores e empreendedores.
5. A pele que habito (Espanha)
A pele que habito (La piel que habito, 2011), dirigido por Pedro Almodóvar, aborda o desdobrar da história de Robert Ledgard, um cirurgião plástico moralmente problemático que é espanhol, mas tem um vínculo familiar mal definido com o Brasil.
Mesmo que a conexão brasileira do protagonista não seja clara, o Brasil está representado no filme na caricatura de Zeca, meio-irmão de Ledgard, que é um traficante de drogas criado na pobreza das favelas do Brasil, um ladrão ultraviolento e estuprador sem nenhuma moral aparente, além de tudo, o personagem é introduzido no filme no carnaval. O diretor afirma que não queria que pesasse um ensinamento judaico-cristão em seus personagens, por conta disso, os fez brasileiros. Pedro tem uma paixão pelo Brasil e tenta demonstrá-las em suas homenagens.
Tom Tarlton, aluno intercambista da Inglaterra no curso de Jornalismo da USP, diz ter aprendido mais da vida brasileira após sua chegada, mas que “Existem esses preconceitos como o crime, narcotráfico, futebol, samba”. Tarlton continua: “Acho que todo preconceito tem um pouco de verdade, mas muita gente não sabe que o Brasil tem muito mais a oferecer”. Para ele, um filme que traz esses aspectos é o Tropa de Elite (2007), que reforça todos esses estereótipos para seu público, mesmo sendo uma produção brasileira. O aluno também afirma que “A bondade dos brasileiros não é uma coisa que vende os filmes, mas sim, as coisas perigosas, as drogas, a violência. É mais atrativo para a audiência”.
Todas as construções formadas sobre o Brasil trazem um olhar estereotipado sobre o país. Mesmo que existam panoramas positivos – ainda mais em relação aos vizinhos latinos, a indústria cinematográfica hollywoodiana e produções europeias respaldam preconceitos em torno de uma cultura rica em diversidade e humanidade.