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Mais de 60% dos lares rurais brasileiros compram com frequência alimentos ultraprocessados, diz estudo

In natura ainda são os mais frequentes e processados ficam em terceiro lugar no campo
Mais de 60% dos lares rurais brasileiros compram com frequência alimentos ultraprocessados, diz estudo
Por Rafael Dourador (rafa.dourador@usp.br)

Em 11 de outubro, a Revista Brasileira de Epidemiologia publicou uma pesquisa feita por cinco pesquisadoras brasileiras sobre a aquisição de alimentos nas áreas urbanas e rurais do país. O grupo analisou mais de 40 mil domicílios e, entre outros resultados, concluiu que 62,3% das residências na área urbana compram alimentos ultraprocessados com frequência.

Thais Meirelles, Kesya Pereira, Jamile Tahim, Ilana Bezerra (Universidade Estadual do Ceará – UECE) e Rosely Sichieri (Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ) foram as responsáveis pelo estudo. O objetivo principal do grupo era descrever os locais de aquisição de alimentos e bebidas com base no nível de processamento dos alimentos e na área de localização dos domicílios.

Para chegar às conclusões, as pesquisadoras utilizaram dados de 49.489 moradias da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) de 2017-2018, que analisa a composição dos orçamentos domésticos e as condições de vida da população brasileira. Para os alimentos, elas adotaram a classificação Nova, que os divide em quatro categorias: in natura, ingredientes culinários, processados e ultraprocessados.

Em entrevista ao Laboratório, Thais Meirelles de Vasconcelos, pós-doutoranda do programa de pós-graduação em Saúde Coletiva da UECE e primeira autora do artigo publicado, explica a ideia inicial do trabalho: “A princípio, nós pensamos esse estudo para compreender as diferenças entre os ambientes alimentares das áreas rurais e urbana. Quando fizemos as análises, decidimos transformar em artigo para publicar na Revista de Epidemiologia”.

Alimentação na área rural

Ainda que a aquisição de ultraprocessados na área rural (62,3%) seja menor do que em áreas urbanas (74,6%), onde o estilo de vida é mais propício para o consumo de alimentos práticos, o dado indica uma convergência de hábitos alimentares dos moradores destas duas regiões. Segundo o grupo, o avanço da globalização, o maior acesso à informação e a industrialização do campo são os principais responsáveis por essa aproximação dos padrões de consumo.

Alimentação saudável
A produção em casa em ambientes rurais é dez vezes mais frequente do que em áreas urbanas [Imagem: Reprodução/Freepik]

Thais explica que os cerca de 6.780 domicílios rurais considerados pelo estudo refletem uma característica de várias regiões do país. “As análises estatísticas levam em consideração o peso e a complexidade da amostra. Então, por mais que tenha um menor número de domicílios da área rural, nós conseguimos trazer essas estimativas a nível nacional”, conclui.

Além disso, os ultraprocessados só ficam atrás dos in natura, isto é, daqueles que chegam às casas com o mínimo de alterações possíveis, como o leite pasteurizado e as frutas. Em seguida, estão os processados (61,3%) e por último os ingredientes (40,4%), que têm maior frequência de aquisição nas áreas rurais do Brasil.

“Esse é o dado que mais chama a atenção, porque, por ser um ambiente rural, não achávamos que o grupo dos ultraprocessados seria o segundo mais frequente.”

Thais Meirelles de Vasconcelos

Outra análise proposta pelas cientistas são os principais locais onde esses alimentos são adquiridos. No caso dos ultraprocessados, a maior parte vem dos supermercados. As padarias são as que vendem processados com mais frequência e os in natura partem da produção caseira. Frutarias, feiras e açougues também têm participação superior a 96% de frequência nesse último.

Alimentação na área urbana

Nas cidades, o cenário muda um pouco. Os alimentos in natura permanecem em primeiro, mas os processados assumem o segundo lugar, com 81,6% de frequência, e os ultraprocessados ficam logo atrás com 74,6%. Em relação ao campo, se percebe uma diminuição da frequência de compra dos in natura e dos ingredientes processados.

A explicação para isso pode estar associada ao estilo de vida dos moradores. “Com a correria do dia a dia, e, mesmo sabendo o que constitui uma alimentação saudável, muitas vezes optamos pela praticidade de comprar alimentos prontos”, comenta Thais.

Assim como na área rural, as padarias são as que vendem com maior frequência os alimentos processados. Os ultraprocessados são mais provenientes dos supermercados. Já os in natura são mais adquiridos em frutarias, feiras livres e açougues, embora a produção em casa também tenha participação.

Corredor de supermercado
Dos 49.489 domicílios avaliados, 82,3% localizavam-se na área urbana do país [Imagem: Reprodução/Freepik]

Por que as pessoas consomem alimentos processados e ultraprocessados?

O estilo de vida é apenas um dos fatores que determinam os padrões de consumo. Outro igualmente importante é a renda familiar. O estudo também verificou que havia uma diferença de 30 pontos percentuais na frequência de compras nos supermercados entre os núcleos de maior e menor nível socioeconômico.

Enquanto aqueles que recebem mais de quatro salários mínimos possuem 69,3% de frequência nesses lugares, os que recebem menos de um salário mínimo não chegam a 40%. Por outro lado, renda maior significa mais consumo, tanto para produtos in natura quanto para os ultraprocessados.

Outro agente é o ambiente alimentar — dividido em quatro grandes dimensões, sendo a dimensão “comunitário” utilizada pelas cientistas. “Ele [ambiente alimentar comunitário] é avaliado pelo número de estabelecimentos que comercializam os alimentos, a localização, os tipos de serviço e a dinâmica de funcionamento”, explica Thais. Como aponta a cientista, é a partir da variedade de opções disponíveis que o consumidor escolhe o que vai adquirir.

Ambientes socioeconomicamente mais desenvolvidos, como grandes centros urbanos, costumam dispor de uma diversidade maior de produtos mais saudáveis enquanto áreas periféricas não desfrutam tanto dessa condição. A partir disso, surgem os chamados “pântanos alimentares”, locais onde há mais estabelecimentos que comercializam itens processados e ultraprocessados do que in natura. “Nós destacamos o resgate das tradicionais feiras livres nos bairros, porque, dependendo da região, esse tipo de comércio não existe mais”, complementa Thais.

Por fim, o preço também interfere. O apelo de promoções dos ultraprocessados aumenta a preferência pelo consumo deles. Embora o estudo não comporte as compras feitas por aplicativos de entrega, as cientistas destacam que esse pode ser mais um “pântano alimentar” no âmbito digital.

As recomendações do Guia Alimentar para a População Brasileira incentivam a aquisição de alimentos em feiras livres e provenientes de produtores locais [Imagem: Ministério Público de Pernambuco/Wikimedia Commons]

O artigo também enfatiza as ações governamentais para superar esses desafios nutricionais e ampliar o acesso da população a alimentos mais saudáveis. Entre os citados, estão a modificação da composição da cesta básica brasileira e a regulamentação do Programa Cozinha Solidária.

Sobre a nova determinação de rotulagem dos produtos, especialmente os ultraprocessados, Thais se mostra otimista. “Eu acredito que teremos uma mudança de comportamento, mas ainda vai demorar um tempo. O esforço deve ser conjunto: governo, indústria de alimentos,  profissionais de saúde e sociedade civil, de uma maneira que a população tenha melhor acesso a alimentos saudáveis e a conhecimento sobre o processamento dos alimentos e seus efeitos na saúde”, comenta.

Imagem de capa: Reprodução/Freepik

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