A cidade do interior, a ponte e o suicídio. Um início com vídeos aleatórios, de certa forma estranhos, de um casal bonito que filmam um ao outro, como se quisessem capturar emoções de momentos. Logo depois aparece um menino, com ar frustrado e melancólico, e o dedo nervoso que acende-apaga constantemente uma lanterna. É assim, dessa forma nada convencional, que começa o filme brasileiro, baseado em um livro de mesmo nome, Os famosos e os duendes da morte (2009).
Passado em uma cidadezinha do interior do Rio Grande do Sul – claramente percebido nos primeiros minutos pelo forte sotaque das personagens –, a trama retrata o cotidiano dos seus moradores, com enfoque em um adolescente sem nome, mas com uma fanática adoração por Bob Dylan.
O ar bucólico da narrativa está presente durante a maior parte do longa, e o clima bastante pesado também. Durante os 101 minutos, o diretor Esmir Filho busca traduzir a vida tediosa de um jovem que vê como fuga da realidade os falecidos MSN, Fotolog e por fim, o seu blog, chamado Mr. Tambourine Man – alusão à famosa música de seu cantor preferido. Como um bom garoto conturbado, ele escreve principalmente sobre uma paixão secreta e a sua desilusão com a vida.
O amor que nutre pela bela garota de olhos azuis, a qual é irmã de seu melhor amigo e só aparece em vídeos ao lado do namorado; a morte de seu pai; os suicídios que ocorrem na cidade; e a dúvida de ir ou não ao show do ídolo. Motivos pelos quais o adolescente vive sob dilemas psicológicos. Ao longo dos acontecimentos, um trabalho de Sherlock Holmes é proposto ao público, em que os indícios de cada cena são indispensáveis para desvendar os mistérios e os porquês. Nem todas as causas dos problemas das personagens são esclarecidas, mas essa não é uma proposta central do filme – já que não é um suspense, muito menos uma aventura. Drama que é drama não é “bife cortadinho”, mas sim um belo cubo mágico para brincar.
Para alguns, os fatos em doses homeopáticas, a pouca ação e falta da linearidade da história é angustiante. E, pode deixar aquele princípio de tédio surgir. No entanto, em Os famosos e os duendes da morte, a proposta trazida pelo diretor é de uma prova sinestésica, levando quem assiste a uma psicodelia através de cores e planos de filmagem diferentes. A valorização dos sons da natureza e do dia a dia, desde o canto de pássaros até o bater de copos e talheres em uma refeição, humanizam e inserem verossimilhança à ficção. Além disso, outra peculiaridade que ajuda a adicionar o tom dramático é a grande quantidade de cenas nas quais as personagens não dialogam. Esse silêncio, contudo, não deixa um buraco na narrativa, muito pelo contrário. As emoções das personagens se tornam mais intensas pelas trocas de olhares que demoram, às vezes, 2 ou 3 minutos – o que é um tempo bem extenso para o mundo cinematográfico.
Essa estética incomum nas produções brasileiras é interessante pelo ponto de vista de redirecionamento do olhar do público. O choque de estranhamento entre os blockbusters nacionais, como Tropa de Elite e De Pernas Pro Ar, com esse cinema mais experimental chega a causar incômodo às pessoas acostumadas a narrações tradicionais.
Os famosos, precisamente Bob Dylan; e os duendes da morte, a ânsia niilista da cidadezinha que não vê uma saída da vida além do suicídio pela ponte; é bom para os que não cultivam preconceitos com propostas diferentes de cinema. Apesar de ser um pouco confuso, e de vez em quando dar aquela vontade de sacudir as personagens, a trama consegue ser bastante cativante. Não chega a ser triste, mas é inegável uma ponta de nostalgia e frustração. É como o próprio menino sem nome diz: “naquela cidade cada um sonhava em segredo”.
Por Júlia Pellizon Mazucco
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