Cubo Mágico promove campeonatos e é usado em escolas para desenvolver o raciocínio
Por Ingrid Luisa (ingridluisaas@gmail.com)
Quando Erño Rubik criou o Cubo Mágico, ele não fazia ideia de que estava criando um dos quebra-cabeças mais intrigantes do mundo. O professor do Departamento de Desenho de Interiores da Academia de Artes e Trabalhos Manuais Aplicados de Budapeste só queria explicitar melhor aos seus alunos de arquitetura noções de tridimensionalidade (anos-luz antes do moderníssimo 3D) e construiu um protótipo de madeira, em que pintou um lado de cada cor, embaralhou e demorou impressionantes 31 dias para resolver. O Cubo possui exatamente 43.252.003.274.856.000 de combinações possíveis, por isso montá-lo aleatoriamente é algo muito difícil. Em 1974, ano em que criou sua obra-prima, Rubik não obteve muito êxito nem apoio para difundi-la, mas a compensação veio logo, com o Cubo Mágico virando um dos maiores símbolos dos anos 1980. Quem não lembra da icônica cena em que Will Smith em À Procura da Felicidade consegue impressionar um executivo porque monta o Cubo enquanto os dois dividem um táxi?
Além de símbolo pop (atualmente, a Comic Con Experience surgiu com um logo que remete ao Cubo Mágico), o Cubo de Rubik — nome oficial — fez tanto sucesso que foram desenvolvidos outros modelos de puzzles ao estilo do original, cada vez mais difíceis e mais intrigantes.
Campeonatos
A febre era tão grande que o aparecimento de campeonatos de Cubo Mágico, avaliando quem montava em menos tempo, não demoraram a surgir, e já em 1982 foi realizado o primeiro mundial. Em 1999, foi criada a World Cube Association (WCA), que passou a regulamentar recordes e criar rankings. As competições oficiais possuem cerca de 18 categorias, incluindo desde as mais comuns, como a montagem do cubo 3×3, até umas mais inovadoras, como a resolução com apenas uma mão, com os pés e até com os olhos vendados. Atualmente, o topo do ranking é o americano Lucas Etter, que montou o cubo 3×3 em inacreditáveis 4,9 segundos (sim, o tempo que você demora para espirrar).
Vídeo: o americano Lucas Etter monta o cubo em 4,9 segundos.
Em 2013, houve um grande avanço do esporte no Brasil, com Rafael Cinoto — que já foi recordista de cubo na categoria com os pés — e outros cubistas brasileiros criando a Associação Brasileira de Cubo Mágico (ABCM). “A ABCM foi fundada essencialmente para quem está de fora poder entender que somos organizados e assim possamos ter a credibilidade que merecemos”, disse Cinoto. Outro destaque brasileiro é o segundo lugar do ranking mundial de cubo mágico com os pés, o paulista Pedro Campanha, montando em incríveis 25,15 segundos.
Recentemente, no último 16 de abril, houve um campeonato oficial (no qual os tempos foram para o ranking da WCA) de Cubo Mágico no Brasil, e o Laboratório esteve presente. Foi interessante notar como essa competição tinha muito mais clima de confraternização com outras pessoas com o mesmo interesse pelo cubo do que pela aura de competitividade. “Tem campeonatos que vem gente de vários lugares do Brasil, de várias idades diferentes, gente que só se conhece pela internet e acaba se conhecendo aqui. A comunidade cubo mágico é muito unida”, disse Fábio Seiji, um dos organizadores do evento.
Educação — “O que parece ser um brinquedo torna-se instrumento interventivo”
Por muito tempo se falou sobre a habilidade para montar um cubo mágico. Ainda hoje, mesmo com muitos tutoriais na internet ensinando a resolver e com o cubo bem mais difundido, saber montá-lo impressiona. E foi pensando em todos esses aspectos que alguns professores resolveram implementar o Cubo Mágico como matéria complementar em escolas. E o mais interessante: até mesmo em escolas públicas, lugares onde o ensino pode ser mais precarizado. O professor Caio Ferraro, ao tomar conhecimento de um projeto com o cubo na EMEF Prof.Julio Cesar de Melo e Sousa Malba Tahan, resolveu implementá-lo dentro do projeto Mais Educação da prefeitura, nas EMEFs Morro Grande, Coronel Ary Gomes e Érico Veríssimo, onde leciona. “O cognitivo, o raciocínio lógico, tudo isso ajuda no aprendizado deles, a disciplina para você fazer [o cubo] do começo ao fim auxilia muito no aprendizado geral”, disse o professor.
Caio, que levou seus alunos de cubo para o campeonato na FECAP (Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado), também destaca outro aspecto do ensino: “sobretudo na prefeitura, é legal [ter esse projeto] porque a parte que eu mais gosto de trabalhar com eles é a autoestima. Por exemplo, eles estarem aqui na FECAP hoje, um ambiente que eles não têm acesso, conhecerem um auditório como esse, um estrutura dessa. Os lugares onde eles vão, as pessoas que eles conhecem, os mundos que eles vão conhecendo através do Cubo Mágico, isso para mim é o mais importante”.
Assim como esse projeto vem trazendo oportunidades únicas para esses alunos, ele também vem quebrando paradigmas e garantindo que as pessoas possam fazer muito mais do que imaginam, como prova o caso de Victor, que mesmo sendo deficiente visual, sabe montar o cubo mágico e inclusive participou do campeonato na FECAP.
A história de Victor envolveu uma dedicação geral. Seu professor, Caio, conversou com Rafael Cinoto — que hoje possui um site com tutorias e muitas informações sobre o universo do Cubo Mágico — sobre como adaptar um cubo a um deficiente visual. Cinoto contou que há alguns anos viu um vídeo na internet e ficou fascinado com a ideia de um deficiente visual resolver o cubo. Procurou um ex-aluno seu para ensinar, e o mesmo conseguiu, com a ajuda de adesivos e áudios dos vídeos do Cinoto, montar o cubo em dois dias. Rafael deu dicas a Caio que adaptou um cubo para Victor com texturas diferentes em cada lado. “Tinham algumas texturas que eu colocava, mas para ele [Victor] não fazia sentido, então fui adaptando. Tem uma agora que a gente chama de ‘giz’ que é o resto de uma textura, mas pra ele é super sensível, ele entende. Agora, se eu tentar montar, não consigo”, disse o professor. Enquanto Caio dava esse depoimento, Victor montou o cubo em apenas dois minutos, e fez questão de frisar que “graças ao professor Caio eu estou aqui e consigo montar o cubo”, disse, agradecido. Apesar de ser um projeto incrível, ainda sofre muito pela falta de estrutura, tendo poucos cubos disponíveis para a realização das aulas.
A mais de dois mil quilômetros de distância, em Teresina (PI), boas ideia convergiram. Um projeto parecido com o de Caio também vem mudando a vida de alunos de algumas escolas municipais de lá. Numa parceria de uma empresa privada com a Secretaria Municipal de Educação (SEMEC) da capital, o projeto “Rubik nas escolas”, que tem como lema “Quem consegue montar um cubo mágico, consegue atingir qualquer objetivo na vida”, já apresenta bons resultados e hoje abrange mais de dez escolas da capital.
Marcos Oliveira, idealizador do projeto, explica melhor. “O processo de aprendizagem estava muitas vezes fragilizado e desacreditado pelos professores por não conseguirem desenvolver o que planejavam, pelos pais por não obterem a resposta esperada de seus filhos e pelos alunos por responderem a isso tudo através de práticas indisciplinadas. Usar como instrumento de intervenção o Cubo de Rubik foi a ideia, pois ele é um recurso lúdico e atrativo, que é capaz de aumentar o raciocínio lógico, a capacidade de foco e atenção nas crianças. Além de, é claro, favorecer a socialização e comunicação entre elas, já que no projeto quem está na frente na montagem do cubo tem que auxiliar os colegas que ainda não chegaram no mesmo nível. É todo um processo que eles realizam juntos”, diz.
Marcos ainda ressalta que o cubo nas salas de aula desperta o desejo de descobrir o novo, que o desafio de conseguir resolver algo que antes parecia impossível deixa a criança mais segura de si e recupera o prazer de aprender. Para as crianças desenvolverem e absorverem melhor o conhecimento, ele criou até exercícios para elas.
Em meio a tudo isso, o que mais impressiona é a grande capacidade humana de desenvolver o conhecimento. Vencer barreiras visuais, cognitivas, econômicas, tudo em busca de um conteúdo maior. O que parecia apenas um simples brinquedo é um esporte para uns, uma oportunidade para outros ou mesmo um instrumento de transformação da autoestima. Rubik, ao criar despretensiosamente seu cubo, desenvolveu um instrumento que virou ícone mundial, com uma infinidade de possibilidades. Mas tudo o que o Cubo Mágico se tornou prova que o que realmente não tem limites é a criatividade humana.
Gente, depois de quase 3 anos dessa matéria, que acabei encontrando ao acaso, queria agradecer pelo registro! Na época foi super importante pro Vitor, participar do campeonato e ser entrevistado, algo que ele me confessou depois que nunca imaginou fazer!
Só queria registrar minha alegria por encontrar a notícia!