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‘No Rancho Fundo’: novela das seis cativa o público com sinopse desacreditada antes da estreia

Se antes de ir ao ar a novela causou polêmica pela representação nordestina, agora ela conquista a simpatia do telespectador
Família de Quinoto da novela No Rancho Fundo
Por João Victor Vilasbôas (joaovilasboas.jvvp@usp.br)
(Este texto contém informações sobre o enredo da trama)

No ar há pouco mais de quatro meses na faixa das seis da tarde, a telenovela No Rancho Fundo (2024 -) tem conquistado o público, com audiência crescente. A trama se destaca ao superar a caricatura nordestina que a televisão perpetuou ao longo das décadas, e vai além dos sotaques e costumes estereotipados.

Déjà-vu?

Livremente inspirada na peça A Capital Federal (1859), de Artur Azevedo, No Rancho Fundo é escrita por Mário Teixeira e dirigida por Allan Fiterman. O autor, que escreveu O Cravo e a Rosa (2000 – 2001), com Walcyr Carrasco, e O Tempo Não Para (2018 – 2019), retorna à faixa das seis após o sucesso de Mar do Sertão (2022 – 2023).

Na imagem, Débora Bloch caracterizada como Deodora em No Rancho Fundo
A vilã de Mar do Sertão volta após cumprir pena pela morte do filho e se torna dona do cabaré Voltagem em Lapão da Beirada [Imagem: Divulgação/TV Globo]

O sucesso recente de Mar do Sertão é fundamental para entender essa nova trama: No Rancho Fundo retoma inúmeras personagens da novela anterior do autor, já que ela também se passava na região Nordeste. A vilã Deodora (Débora Bloch), o prefeito Sabá Bodó (Welder Rodrigues) e a primeira-dama Nivalda (Titina Medeiros) são alguns dos tipos que reaparecem. Esse resgate, inclusive, levantou a hipótese da trama ser continuação direta da novela anterior, apesar dela ser, de fato, uma espécie de epílogo.

A coincidência de personagens não é por acaso. Nos últimos anos, com a diminuição dos índices de audiência da televisão como um todo, a presença de outras plataformas de entretenimento para o público e os novos hábitos dos brasileiros, a TV Globo, enfrenta dificuldades em criar tramas de sucesso — de audiência e repercussão.

Isso, somado ao fim do vasto banco de atores fixos e à demissão, morte e aposentadoria de autores consagrados do canal, resultou em uma crise criativa na área de teledramaturgia da emissora. As produções recentes combinam elementos como histórias fracas, atores sem muita experiência em novelas e baixa repercussão, caso da antecessora da atual trama da faixa das seis, o remake Elas Por Elas (2023 – 2024). Depois do êxito de Mar do Sertão, a emissora tentou emular a história pregressa, cancelando uma sinopse de Lícia Manzo, que escreveu o fracasso Um Lugar Ao Sol (2021 – 2022), no horário nobre.

Entre a representatividade e a xenofobia

Com o desafio de elevar a audiência, a novela causou polêmicas um mês antes da exibição do primeiro capítulo. Quando a TV Globo divulgou fotos da família protagonista de No Rancho Fundo, muitas foram as críticas à representação do Nordeste feita há décadas pelas telenovelas brasileiras. Personagens pobres, com roupas simples e maquiagens que se assemelham a sujeira foram alguns dos pontos levantados por internautas que acompanham as redes sociais da emissora.

Porém, a maior das críticas ao material publicitário que apresentava a trama foi o fato de a novela ser ambientada na atualidade, em 2024. Os questionamentos apontavam como a televisão brasileira insiste em representar o Nordeste como um lugar de atrasos, onde vivem apenas pessoas pobres, sujas e sem estudo, como se as obras que retratam o presente se passassem em uma versão caricatural e exagerada de 1900. O humorista e influenciador digital Whindersson Nunes, que é piauiense, endossou as críticas e escreveu em suas redes sociais: “Quero estar vivo quando fizerem novela com nordestinos ricos”.

Diante das polêmicas, a equipe de caracterização dos Estúdios Globo interveio e mudou maquiagens e figurinos. Essa decisão também se refletiu na ambientação, para que o público não percebesse que a trama retrata o presente apenas porque há celulares em cena. Para isso, sequências em que as personagens interagem pelas redes sociais foram acrescentadas ao roteiro.

A força de uma família

A novela conta a história da família Leonel Limoeiro, comandada pela mãe, Zefa (Andréa Beltrão), mulher pobre e com dificuldades. Casada com o ingênuo Seu Tico (Alexandre Nero), Zefa vive com a irmã, Tia Salete (Mariana Lima), o marido e os filhos em um rancho na fictícia Lasca Fogo, no sertão do Cariri, Paraíba. Dentre seus filhos, destaca-se Quinota (Larissa Bocchino), moça simples e romântica que conhece o aproveitador Marcelo (José Loreto), que diz estar apaixonado por ela, embora só queira se divertir.

Após quase se casar obrigada pela mãe, que não queria manchar a honra da filha, Quinota conhece Arthur Ariosto (Túlio Starling), melhor amigo de Marcelo. Os dois se apaixonam e começam um namoro. Porém, quando Zefa, que é mineradora, descobre a presença de valiosas turmalinas-paraíba em suas terras, o amor da filha passa a ter obstáculos. Quintino Ariosto (Eduardo Moscovis), o ambicioso pai adotivo de Arthur, ambiciona a jazida da matriarca dos Leonel. Enquanto isso, Marcelo, junto à golpista Blandina (Luísa Arraes), tenta se aproximar de Quinota, para tirar proveito da família.

Família protagonista de No Rancho Fundo
Após enriquecer, os Leonel vão para o hotel da cidade [Imagem: Reprodução/Instagram/Gshow]

As turmalinas fazem com que os Leonel Limoeiro saiam da situação de pobreza em que vivem e ascendam socialmente. Ricos, eles se mudam para a cidade fictícia de Lapão da Beirada, onde vivem os Ariosto, e se instalam no Grande Hotel São Petesburgo. Lá, a família tem de lidar com as mudanças em sua realidade e as armações daqueles que cobiçam seu dinheiro.

Virada digna de novela?

Após toda a repercussão negativa de No Rancho Fundo antes da estreia, grande foi a expectativa pela opinião pública após o início da exibição. E uma reviravolta digna de novela se viu: já na primeira semana, a novela elevou em cerca de 6% os índices da faixa das 18 horas. Com quatro meses no ar, a média parcial já chega a 19,19 pontos. Acima, portanto, dos 15,4 de Elas Por Elas e próximo aos 19,5 de Amor Perfeito (2023).

 Andréa Beltrão, atriz de No Rancho Fundo, sorri para a foto
Ao dar vida à matriarca Zefa Leonel, Andréa Beltrão reafirma sua versatilidade como uma das maiores atrizes do Brasil [Reprodução/Wikimedia Commons/TV Brasil]

Grande parte desse resultado positivo se deve ao elenco. Andréa Beltrão, Alexandre Nero e Mariana Lima, que estão no núcleo principal, trazem veracidade e despertam a simpatia do telespectador com suas atuações. Zefa, Tico e Salete permitem ao trio interpretar personagens em muito diferentes dos tipos a que se acostumou vê-los fazer — como os homens dúbios que Nero viveu em Império (2014 – 2015) e em novelas seguintes e as mulheres ricas e cheias de dramas existenciais de Andréa e Mariana em Um Lugar Ao Sol. A trama valoriza o trabalho desses grandes atores da televisão nacional.

Outros consagrados na arte de atuar que merecem destaque são Débora Bloch, Eduardo Moscovis e Luísa Arraes, que transitam de maneira natural entre humor e seriedade com seus vilões. Bloch, inclusive, retornou à Deodora da novela anterior com maestria. Desde a primeira cena, em que sofre com saudades do filho que matou por engano no final de Mar do Sertão, ela reapresenta a ardilosa personagem tal qual na trama encerrada em março de 2023.

O autor Mário Teixeira também conquistou acertos em sua nova criação. Se em sua novela anterior foi criticado por acelerar o enredo logo no início, o que fez a trama correr em círculos por meses, ele desenvolve No Rancho Fundo com mais calma. Outro ponto positivo: o núcleo principal é interessante e desperta simpatia do público — algo raro em novelas. Os protagonistas e suas histórias foram bem articulados com os personagens secundários que voltaram de Mar do Sertão ambos constituem um conjunto harmonioso, que funciona na TV e se reflete na audiência.

A protagonista romântica, Larissa Bocchino, estreante, também é elogiosa. Sua Quinota é ingênua sem ser boba e sem ser vítima de quaisquer armações fajutas dos antagonistas. Já as críticas ficam por conta da falta de espaço a alguns atores — como a talentosa Clara Moneke, que diverte com a jovem Caridade mas tem poucas cenas ao longo dos capítulos.

Para uma trama com desafios iniciais de produção, No Rancho Fundo acerta e se destaca ao dar novos contornos à maneira que a televisão tem para representar as minorias sociais, caso das personagens nordestinas. Apesar de ser uma história tida como clichê, tradicional às novelas das seis, é uma boa opção para quem busca um conteúdo leve e bem orquestrado nos finais de tarde. Centésima trama exibida no horário, No Rancho Fundo vai ao ar de segunda a sexta-feira, às 18h20, na TV Globo e também está disponível no Globoplay.

*Imagem de capa: Divulgação/TV Globo

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