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Queridas pelo público: novelas brasileiras no streaming

Produto audiovisual mais consumido no país está migrando para as plataformas digitais
Por Mirela Costa (mirelacosta@usp.br)

Em abril deste ano, o lançamento da segunda fase de Todas as Flores (2023), exclusiva do Globoplay, arrebentou em audiência e mostrou que as novelas não deixaram de ser incorporadas pela crescente digitalização de produtos como filmes e séries. E esse não foi um fenômeno único: as telenovelas brasileiras têm ganhado cada vez mais espaço no streaming.

Não só o sucesso da trama protagonizada por Sophie Charlotte e Letícia Colin, como o de outras produções lançadas nos últimos anos mostram que as estimadas histórias contadas nas telas se adaptam às plataformas e ganham novos modelos de acesso, consumo e reprodução. Há décadas, as novelas incorporam as renovações culturais e tecnológicas do país e não deixaram de aderir à recente transformação do universo audiovisual. 

Das telas para o Brasil 

Pantanal (1990), Laços de Família (2000 – 2001) e Avenida Brasil (2012) são exemplos de produções que tiveram ampla repercussão nacional e estabeleceram laços de identificação com o público. Dramas como o de Nina e Carminha superaram os recordes de audiência da época. O último capítulo de Avenida Brasil atingiu 50,9 pontos de Ibope e o sucesso da trama se estendeu aos campos da cultura e da moda, de modo que as roupas coloridas e os acessórios dourados usados na novela tomassem as vitrines de lojas pelo Brasil.                            

 Avenida Brasil foi uma das novelas que lançaram tendências para o público [Imagem: Reprodução/Instagram/@world.isisvalverde] 

Com as suas origens firmadas nas páginas de folhetins de jornais antigos, as novelas passaram pelo rádio e conquistaram a televisão — e também os espectadores —  na década de 1950. A primeira trama exibida nas telas foi Sua Vida Me Pertence (1951 – 1952), colocada no ar pela extinta TV Tupi

Em Sua Vida Me Pertence, as filmagens eram reproduzidas ao vivo e carregavam forte influência radiofônica [Imagem: Reprodução/Youtube/Baú da TV]

Nos anos seguintes, apesar da concorrência com outras grandes emissoras como a TV Bandeirantes e a TV Manchete, a TV Globo consolidou-se na teledramaturgia. As novelas da época tinham como inspiração predominante os dramalhões latinos, e foi a rede carioca que ganhou destaque ao idealizar um modelo próprio de nacionalização do gênero.

 Desde então, a TV Globo estabeleceu sua posição hegemônica no campo e as telenovelas passaram a fazer parte do cotidiano dos brasileiros. Pensadas para a programação diária da televisão, as tramas propunham uma lógica de consumo segundo a qual os capítulos eram restritos ao horário em que eram transmitidos.

 Júlio Silva, noveleiro de longa data, relata em entrevista à Jornalismo Júnior que, na sua infância, “as novelas eram o único meio de comunicação possível” e eram seu maior divertimento. Mesmo com a flexibilização proporcionada pelo streaming quanto às formas de consumo, Gil Marcel, roteirista, storyteller e criador do podcast Novelesco, conta que acompanhá-las ao vivo é uma experiência única. “É um costume sagrado assistir ao primeiro e ao último capítulo ao vivo na televisão. É uma garantia de estar vendo um produto novo e de estar inserido em um senso de comunidade junto às pessoas que assistem a novela ao mesmo tempo”, aponta Gil.   

E como elas foram parar no streaming? 

Se antes a reexibição das novelas era exclusiva a programações especiais ou aos pequenos trechos disponibilizados na internet, hoje os capítulos são encontrados na íntegra em acervos volumosos nas plataformas. Segundo um estudo publicado pela Revista Latinoamericana de Ciencias de La Comunicación, as obras midiáticas foram intensamente introduzidas no mundo digital a partir da última década — quando os serviços de streaming e o uso de dispositivos móveis se popularizaram no país.

A TV Globo foi pioneira ao elaborar a própria plataforma de streaming, o Globoplay, que foi oficialmente fundado em 2015. Ainda assim, o grupo de comunicação já explorava, há anos, o desejo do público de rever novelas antigas. Larissa Lovisi, fã das tramas e produtora multimídia, ainda acrescenta que, para além do fator de resgate da memória afetiva, as novelas podem ser reassistidas como uma espécie de documento histórico. “Rever as novelas antigas é como revisitar o Brasil em determinadas épocas. É interessante pensar como alguns comportamentos considerados problemáticos hoje eram reproduzidos nas novelas”, declara Larissa.  

O canal por assinatura Viva, pertencente à Globo e criado em 2010, reprisa tramas que já foram à televisão aberta. Além disso, programações como o Vale a Pena Ver de Novo ficaram conhecidas por permitir aos telespectadores a recordação de histórias que os marcaram.  

O Vale a Pena Ver de Novo faz parte da programação das tardes da TV Globo [Imagem: Reprodução/Wikimedia Commons]

As novelas, então, não só aderiram ao universo digital como também passaram a ser produzidas sob o modelo on-demand, no qual os produtos estão disponíveis conforme as necessidades do público. São os usuários que determinam o local, o horário e o meio pelo qual as tramas — sejam as antigas ou as mais recentes — são consumidas. Segundo Júlio, isso garante maior possibilidade de escolha a quem as acompanha. “Não precisa estar assistindo naquele exato momento. Hoje em dia você pode colocar uma novela de qualquer horário para assistir quando você desejar, o que proporciona mais liberdade e fortalecimento para o telespectador”, afirma. 

 A disponibilização do extenso acervo de novelas clássicas e minisséries no Globoplay foi anunciado pela TV Globo em maio de 2020. Desde então, um novo título é liberado a cada duas semanas. Ainda em seu primeiro ano, o projeto da emissora foi um sucesso de audiência: entre janeiro e junho de 2021, o consumo de telenovelas antigas na plataforma cresceu em 90% em relação ao mesmo período de 2020. 

Outros serviços de streaming não ficaram de fora e também lançaram-se à teledramaturgia brasileira. Em 2021, a HBO Max divulgou a produção de sua primeira telenovela exclusiva, Segundas Intenções. No entanto, as produções da trama foram suspensas em julho de 2022 e retomadas em janeiro deste ano, sob o título de Beleza Fatal

O elenco conta com atrizes prestigiadas, como Camila Pitanga e Camila Queiroz. A empresa também contratou grandes nomes da teledramaturgia nacional como Monica Albuquerque, que passou pela TV Globo e atualmente é head de gestão de talentos e desenvolvimento de conteúdo scripted Latam da Warner Bros. Discovery (WBD), empresa que abarca a HBO Max.

Exclusivas do streaming

Como forma de reação à crescente concorrência em um mercado dominado há anos pela gigante carioca, o Globoplay anunciou, em outubro de 2021, o lançamento de Verdades Secretas 2 (2021), oficialmente a primeira telenovela brasileira lançada para uma plataforma de streaming. A trama de Walcyr Carrasco é uma continuação da versão original de Verdades Secretas (2015). A novela tornou-se o título nacional mais visto do Globoplay no período em que foi lançada e foi à programação aberta em 2022, um ano após o lançamento no streaming 

Dado o sucesso da produção, a emissora decidiu investir no modelo. Um ano depois de Verdades Secretas 2, foi lançada na plataforma a telenovela Todas as Flores (2022 – 2023), que tem cinco capítulos liberados semanalmente.

Júlio diz assistir à trama assim que os capítulos são disponibilizados e percebe uma diferença de ritmo em Todas as Flores: “É uma novela mais compacta, em que os acontecimentos são mais rápidos. Enquanto as novelas da televisão aberta têm cenas mais contemplativas, Todas as Flores é mais fácil de ser ‘maratonada’. São formas diferentes de se apreciar as novelas”, acrescenta. 

Tcharly Briglia, mestre e doutorando no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas (PósCom) da UFBA (Universidade Federal da Bahia), afirma que a movimentação da TV Globo em torno do streaming nos últimos anos foi estratégica. “A Globo está tentando se reposicionar no mercado do streaming e percebeu que vender as suas novelas seria um diferencial para ela. Assim que a HBO Max anunciou uma produção teledramatúrgica para o streaming, o Globoplay logo se posicionou para lançar suas produções exclusivas”, aponta o pesquisador.

Netflix e Prime Video: outras plataformas no mercado

Outros serviços de streaming também têm investido no mercado teledramatúrgico e lançado suas próprias realizações. Segundo o Instituto Orbis, a telenovela é o produto preferido dos consumidores do audiovisual, com 39% de preferência. Em função do seu sucesso, as tramas tradicionais brasileiras também estão sendo buscadas por serviços de streaming internacionais. 

A Netflix anunciou, em abril deste ano, a produção de Pedaço de Mim, que terá Juliana Paes e Vladimir Brichta como protagonistas. O produto, porém, leva a denominação de melodrama. Segundo a atriz principal, “melodrama é o que o Brasil sabe fazer de melhor, é uma trama que tem maior complexidade”. 

Pedaço de Mim contará a história de Liana, que é casada com Tomás e tem o sonho de ser mãe [Imagem: Reprodução/Instagram/@netflixbrasil]

O Prime Video também entrou na onda recentemente. Em parceria com o SBT, o serviço de streaming começou a apostar em tramas infantis. A primeira divulgada foi A Infância de Romeu e Julieta (2023 –  ), criada por Iris Abravanel, roteirista que tem relevante passagem pela emissora de Silvio Santos. Dado o êxito que as novelas infantis da rede de televisão apresentam na Netflix — a exemplo de Carrossel (2012 – 2013), Carinha de Anjo (2016 – 2018) e As Aventuras de Poliana (2018 – 2020) — o Prime Video optou por se aventurar no campo.

De acordo com o mesmo estudo da Revista Latinoamericana de Ciencias de La Comunicación, as plataformas de fora do país buscam reproduzir o modelo de novelas que agrada tanto o público brasileiro como o mercado internacional, especialmente o latino.

E a tradicionalidade brasileira das novelas? 

Um detalhe que tem chamado atenção dos noveleiros e dos produtores é a designação que as tramas ganham nesse novo meio. Além do nome “melodrama” usado pela Netflix, outras plataformas tem chamado suas produções de “telesséries” ou “minisséries”. 

Tcharly Briglia afirma que os serviços internacionais de streaming optam por essas nomenclaturas para diferenciar suas novelas dos produtos brasileiros e, assim, vendê-las para fora do país. “Por meio de suas novelas, a TV Globo mostra um Brasil rural, um Brasil periférico, um Brasil das famílias multifacetadas. O desafio das plataformas que produzem novelas para o mercado internacional é também fazê-las com ‘cara de Brasil’. Senão as histórias criadas parecem apátridas, sem uma identidade nacional firmada”, enfatiza o especialista.

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