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O cinema nas passarelas: o mundo da moda e seus personagens

por Luiza Queiroz luiza.agnol@gmail.com Por ser uma indústria que trabalha com a criatividade estética, a moda possui uma coleção de personalidades únicas – o que frequentemente é sinônimo de excentricidade. A combinação de protagonistas intrigantes e belos figurinos poderia, por si só, bastar para produzir um filme (ou vários) sobre o tema. Entretanto, alguns retratos …

O cinema nas passarelas: o mundo da moda e seus personagens Leia mais »

por Luiza Queiroz
luiza.agnol@gmail.com

Por ser uma indústria que trabalha com a criatividade estética, a moda possui uma coleção de personalidades únicas – o que frequentemente é sinônimo de excentricidade. A combinação de protagonistas intrigantes e belos figurinos poderia, por si só, bastar para produzir um filme (ou vários) sobre o tema. Entretanto, alguns retratos cinematográficos de grandes nomes da moda foram além dessa receita, ressaltando o lado artístico e, em alguns casos, até vanguardista que a confecção de roupas pode representar para a sociedade. O Cinéfilos separou uma lista deles:

Dior e Eu, de Frédéric Tcheng (2015)

O mais recente estilista retratado pelo cinema foi Christian Dior, no documentário Dior e Eu (Dior and I, 2015). A produção francesa intercala cenas em preto e branco dos pensamentos do próprio Dior com filmagens do novo diretor de criação da marca, Raf Simons. Assim, o espectador, ao mesmo tempo em que conhece um pouco mais da realidade por trás da elaboração dos figurinos e da montagem de um desfile, é apresentado também aos conceitos iniciais da marca: Dior desenvolveu sua coleção no Pós-Guerra, com a criação de modelitos delicados, silhuetas delineadas e uma certa mistura do clássico com o extravagante. Essa visão do estilo feminino foi a maneira que o estilista encontrou para se opor à “mulher-soldado”, às vestes brutas e padronizadas que haviam perdurado durante a 2ª Guerra.

Passado o pós-guerra, o perfil de mulher em que o documentário foca suas roupas é a mulher moderna. As novas confecções têm um conceito em mente: a mulher dinâmica, em constante movimento e atuante no mercado de trabalho. A “mulher-flor” criada por Dior já não cabe mais em uma época que questiona justamente o estereótipo do “sexo frágil”: daí a modernização da marca. Uma crítica pertinente, porém – não só à Dior, mas à indústria da moda em geral – é que apesar do anacronismo da representação da mulher como o “sexo frágil”, continua-se optando pelo mesmo tipo de beleza: modelos altas, magérrimas, brancas (pálidas, até), com traços faciais delicados – em suma, de aparência frágil. Talvez a ideia de emancipação feminina presente na nova linha da Dior pudesse ser potencializada, portanto, caso fosse aliada a um questionamento quanto ao próprio padrão de beleza vigente nas passarelas.

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Raf Simons cria sua primeira coleção para a Dior no documentário “Dior e Eu”. Foto: Divulgação

Coco Antes de Chanel, de Anne Fontaine (2009)

A maior modernização no estilo feminino, porém, provavelmente veio da também francesa Gabrielle “Coco” Chanel, interpretada por Audrey Tautou em Coco Antes de Chanel (Coco Avant Chanel, 2009). O filme, diferentemente do documentário a respeito de Dior, é uma obra de ficção baseada na biografia da estilista. Apesar de obviamente ser uma narrativa romanceada, o longa retrata uma mulher de origem humilde que, ao romper com o papel social que lhe era esperado, acaba inaugurando o estilo da mulher moderna.

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O famoso “tailleur” de Chanel simbolizou seu estilo simples e ao mesmo tempo elegante, em oposição às roupas extravagantes de sua época. Foto: Divulgação

A criação de uma roupa feminina sem adornos exagerados, com toques de vestimentas masculinas pode não surpreender atualmente; mas, na época, foi um silencioso modo de questionar a submissão de um gênero a outro. Afinal, se uma mulher não precisa mais aparentar-se a um enfeite, se pode vestir-se de maneira muito mais prática e confortável, se pode vestir-se como um homem, por que não deveria merecer direitos iguais aos do gênero masculino? São esses questionamentos que o filme retrata, de maneira leve e até humorística, já que a atuação de Tautou dá um tom irreverente e ao mesmo tempo forte para a personagem – cuja vida não foi nem um pouco fácil.

Órfã, a jovem e sua irmã tentaram sustentar-se através de apresentações em cabarés (onde Gabrielle ganhou o apelido de “Coco”, por causa de uma das músicas que cantava) e parecia que Chanel estava determinada a seguir carreira como cantora. Foi somente após seu estilo prático e sóbrio fazer sucesso entre a elite francesa que a moça começou a pensar na confecção como uma opção de carreira.  A cinebiografia da designer, porém, acaba por ocultar alguns aspectos mais sombrios de sua trajetória – como sua relação com um oficial nazista, os relatos de seu antissemitismo, e seu exílio na Suíça.

Yves Saint Laurent, de Jalil Lespert (2014)

Yves Saint Laurent faleceu há sete anos, e sua vida certamente tinha tudo para virar um filme (na verdade, virou dois, ambos lançados em 2014: Yves Saint Laurent e Saint Laurent). Recebendo 7 indicações ao César (prêmio anual do cinema francês), Yves Saint Laurent (Yves Saint Laurent, 2014) foca principalmente na relação romântica e profissional do designer com Pièrre Bergé – que aliás nunca havia considerado moda uma arte até conhecer Saint-Laurent.

O jovem estilista, porém, parecia um tanto quanto indiferente em relação a essa discussão: na verdade, desde que pudesse expressar-se através de seus desenhos, pouco mais parecia interessá-lo no mundo da moda. “Minha única batalha é vestir as mulheres”, ele responde quando questionado a respeito de seu alistamento militar para a Guerra na Argélia. Infelizmente, o estilista teve de batalhar muitas outras vezes ao longo de sua vida, a começar pela homofobia que sofreu enquanto ia à escola; e em seguida, pelas crises maníaco-depressivas, a falta de fé inicial dos investidores, a exposição de sua vida pessoal na mídia, seu relacionamento conturbado e, por fim, seu envolvimento com drogas.

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Yvves Saint Laurent e suas modelos em sua polêmica coleção “Liberação”, de 1971. Foto: Bruno Barbey

A obra mescla a trajetória de vida do menino tímido ao estilista ousado (tanto pessoal quanto profissionalmente) com cenas de sua intensa relação com Pièrre – uma relação que oscilou entre a ternura e o limiar da agressão, mas que nunca perdeu sua beleza. Com uma fotografia excelente e diálogos sensíveis, o longa definitivamente emociona – e se as roupas de Saint-Laurent não eram uma arte por si só, sua biografia cinematográfica sem dúvida é.

O Diabo Veste Prada, de David Frankel (2006)

E é claro que não se pode falar em filmes a respeito do mundo da alta costura sem citar o icônico O Diabo Veste Prada (The Devil Wears Prada, 2006). A trama retrata os bastidores da revista de moda “Runway”, liderada pela “mulher de gelo” Miranda Priestly (Meryl Streep). Porém, a chegada de uma nova estagiária (Anne Hathaway), sem experiência nem interesse por moda, acaba revelando um lado mais humano da chefe. O filme é baseado no livro da americana Lauren Weisberger, uma ex-estagiária da revista Vogue, que utiliza-se de algumas experiências que teve quando trabalhou na revista para escrever a ficção. Especula-se, portanto, que a personagem de Meryl Streep seria uma representação da editora-chefe da Vogue, Anna Wintour. Sem dúvida, Miranda Priestly não seria uma representação agradável de Wintour – mas o filme destaca alguns aspectos positivos da editora, que, apesar de fria e apática, comanda a revista com talento e eficiência genuínos, além de ter também um lado altruísta, no final.

A “verdadeira” Wintour, entretanto, é retratada no documentário Edição de Setembro (September’s Issue, 2007), onde concede entrevistas a respeito da sua visão sobre moda, estilo e vida pessoal. O documentário dá a impressão de que Wintour é realmente exigente – para dizer o mínimo – e que sua opinião pessoal é o fator decisivo para o que será ou não publicado na revista. Entretanto, o documentário mostra uma editora muito mais aberta ao diálogo (e sem dúvida muito menos tirânica) do que Miranda Priestly.

Filme “Edição de Setembro”: https://www.youtube.com/watch?v=R4swPSq5gY0

MIRANDA E REVISTA
Meryl Streep como Miranda Priestly, editora da revista fictícia “Runway”
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Anna Wintour, editora-chefe da revista “Vogue”. Foto: Wikipedia

Assim como o cinema, a moda é um campo que nunca para de inventar e de se reinventar. E isso só é possível graças aos homens e mulheres que nem sempre foram compreendidos, mas cuja excentricidade pôde transformar tanto a elaboração de uma roupa quanto a de um filme em formas de arte cada vez mais inovadoras.

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