Uma Razão para Viver (Breathe, 2017), primeiro longa dirigido por Andy Serkis – o Gollum, de O Senhor dos Anéis (The Lord of The Rings, 2001) – tem como inspiração a história do britânico Robin Cavendish, sobrevivente pioneiro da poliomielite. A obra traça uma importante crítica quanto ao risco do hospital transformar-se em um sinônimo de prisão para os doentes, bem como destaca a resiliência de Cavendish e a relação de sua “alma-gêmea”, Diana, com o enfrentamento da doença.
O longa apresenta como conjuntura histórica a segunda metade do século XX, passando pela Inglaterra, Quênia, Espanha e Alemanha – com atenção preponderante à representação dos costumes britânicos, como o consumo de chá durante as tardes. As primeiras cenas dedicam-se à consumação do romance entre Cavendish (Andrew Garfield) e Diana Blacker (Claire Foy), descendentes de famílias inglesas antigas. O filme não explora o casamento do casal mas, ao final, exibe imagens de arquivo da cerimônia, bem como de outros eventos da vida pessoal de Cavendish e informações adicionais sobre Diana.
Enquanto estão no Quênia, onde Cavendish ocupava-se com a exploração do chá (“tea-broker”), o movimento Mau-Mau, ocorrido durante o processo de descolonização do país, é ligeiramente abordado. Cavendish menciona uma anedota acerca de quenianos que, sujeitos aos atos de tortura e outras formas de maus tratos por parte da administração colonial britânica, se suicidaram. O episódio evoca a morte como via que aniquila a dor, noção expressa pelo próprio Cavendish ao descobrir-se com poliomielite, aos 28 anos de idade.
Acometido por uma das patologias virais mais temidas do século XX, Cavendish ficou, então, paralisado do pescoço para baixo, dependendo de um respirador artificial para sobreviver. Quando o casal voltou para a Inglaterra, um médico anuncia a Diana que seu marido morreria em poucos meses. A princípio, Cavendish expressa o desejo pela morte e é perturbado por uma “depressão temporária” – termo usado por um dos médicos que o atende.
As cenas ambientadas no hospital revelam a profunda melancolia dos pacientes com doenças terminais. Contudo, Diana desponta como uma espécie de luz entre as sombras das circunstâncias. Um pouco antes da descoberta da doença, ainda no Quênia, o casal descobriu que teria um filho e, a partir do nascimento do bebê, Diana o leva sucessivamente até o leito de Cavendish, tentando convencê-lo a viver para que, ao menos, veja Jonathan crescer.
Nesse ponto, a obra levanta uma questão digna de destaque: a crítica à deturpada noção do amor como sendo algo utilitário.”Por que você continua vindo? Eu não sou mais útil para você”, é o que Cavendish diz à Diana nos primeiros dias em que descobriu a doença, diante das persistentes visitas dela em seu leito. Ao longo de todo o filme, porém, Diana mostra que o amor não diz respeito ao outro ser útil ou não, e acaba sendo a grande responsável pela decisão de Cavendish em lutar pela vida. Em entrevista ao jornal britânico Daily Mail, Garfield caracterizou Diana como “o acesso de Robin ao mundo”, destacando que, devido a dependência física e emocional de Cavendish em relação à ela, era como se o corpo de Diana fosse extensão do corpo daquele.
Quando Cavendish pede para que Diana o liberte do estabelecimento médico, o casal desafia os médicos mal-humorados e o conformismo geral em manter os doentes acometidos pela poliomielite estritamente em hospitais. Diana havia observado minuciosamente todo o trabalho das enfermeiras e, com a ajuda de dois profissionais da saúde e de sua família, Cavendish é transportado para casa. A partir de então, uma série de esforços viabilizam não só a sobrevivência de Cavendish, como também uma vida que o faz, de fato, sentir-se vivo. Além disso, o casal viaja pelo mundo para inspirar, por exemplo, ativistas de pessoas com deficiência, trabalhando para melhorar, também, a qualidade de vida de outras pessoas.
A obra também apresenta um viés crítico quanto à concepção médica do século XX referente à exploração dos pacientes diagnosticados com poliomielite. Nesse sentido, uma cena relevante expõe uma instalação alemã patrocinada por carcereiros, que estuda pacientes diagnosticados com pólio, sendo estes embutidos em sarcófagos médicos de última geração. Em discurso proferido em uma conferência sobre pessoas com deficiência na Alemanha, Cavendish recomenda aos profissionais da saúde com veemência: “Vocês deveriam abrir a prisão e libertá-los” (“You should open the cage and set them free”).
Trailer legendado:
por Camila Mazzotto
camila.mazzotto@usp.br