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Um setor que movimenta bilhões: o impacto do audiovisual na economia brasileira

Conheça o papel de destaque do cinema brasileiro na economia do país, como a Lei Rouanet incentivou a produção nacional e o retorno desse investimento para o PIB
Por Carolina Ziemer (carolziemer@usp.br)

O agronegócio é, indiscutivelmente, o protagonista da narrativa da economia brasileira. Mas quem seria o coadjuvante carismático que rouba a cena nesse enredo? O setor audiovisual. Com a campanha do Oscar de Ainda Estou Aqui (2024) e a trajetória recente de O Agente Secreto (2025), o cinema nacional vem ganhando reconhecimento internacional e espaço cada vez maior nos setores econômicos do país.

Audiovisual em números

Um estudo recente da Oxford Economics para a Motion Picture Association apontou que, em 2024, o setor cinematográfico brasileiro contribuiu com R$ 70,2 bilhões para o Produto Interno Bruto (PIB) do país, o equivalente a cerca de 0,6% da economia nacional. Além disso, gerou 608.970 empregos e teve como arrecadação total R$ 9,9 bilhões em impostos.

O relatório da pesquisa também destacou o forte efeito multiplicador da indústria, dado que a cada R$ 10 milhões gerados diretamente pelo setor, há R$ 12 milhões adicionais no PIB. Já as atividades de cada trabalhador diretamente envolvido nas produções sustentam, de forma indireta, outros quatro empregos em diferentes áreas da economia. Os empregados da indústria audiovisual demonstram-se produtivos, pois geram R$ 259,4 mil de PIB por trabalhador, cerca de três vezes e meia mais que a média dos empregados formais no Brasil. 

Na atividade direta — nas funções das empresas de criação e produção audiovisual —, as receitas somaram R$ 31,6 bilhões, que representa 12% do setor de serviços públicos. O segmento também criou 121.840 empregos, mais de 50% acima dos gerados pela indústria automotiva, e apresentou uma remuneração média 84% acima da média nacional.

O setor audiovisual apresenta contribuições que vão além da própria indústria, movimentando outras áreas econômicas do Brasil [Imagem: Reprodução/Relatório Oxford Economics]

Em entrevista ao Cinéfilos, Gustavo Möller, doutorando em Estudos Estratégicos Internacionais na UFRGS e um dos autores do Atlas Econômico da Cultura Brasileira (Editora UFRGS, 2018), afirmou que o crescimento do audiovisual ocorre devido ao seu ecossistema econômico. Dessa forma, cada produção aciona uma longa cadeia de empregos com a contratação de equipes de tecnologia, aluguel de equipamentos, publicidade digital, serviços de transporte e pós-produção.

“Diferentemente dos setores tradicionais, o audiovisual tem uma forte capacidade de multiplicar valor na economia, movimentando diversos segmentos simultaneamente.”

Gustavo Mölle

Os resultados da pesquisa da Oxford Economics revelaram também o alcance global da indústria brasileira de cinema. O fenômeno denominado “turismo de tela” ganha destaque nesse cenário, já que 53% dos turistas internacionais afirmam buscar destinos que viram em filmes ou séries. Em 2024, 6,8 milhões de estrangeiros passaram suas férias no Brasil. Essa atração do turismo movimenta e beneficia outros diversos setores da economia que vão além da produção audiovisual. 

De volta aos cinemas

Esses números refletem a retomada do interesse do público brasileiro pelas produções nacionais. Segundo dados da Agência Nacional de Cinema (Ancine), até agosto deste ano, um em cada dez brasileiros que frequentaram o cinema assistiu a uma produção nacional. Com isso, a participação de mercado saltou de 1,4% (2023) para 11,2% (2025), e o número de sessões com filmes brasileiros subiu de 4% para 14,1%.

Em uma nota, a Ancine informou que esse avanço reflete a efetividade da “cota de tela”, que obriga as redes de cinema a exibirem longas-metragens brasileiros e que ainda está em discussão na agência. Além da cota, os festivais de cinema também desempenham papel crucial nesse processo de promoção de visibilidade e inclusão do cinema brasileiro em eventos de escala global. Festivais como a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, a Mostra Internacional de Cinema do Rio de Janeiro e o Fantaspoa atraem, juntos, quase um milhão de visitantes e consolidam o Brasil no cenário cultural internacional.

Lei Rouanet e desinformação

O impacto internacional do cinema brasileiro é possível somente com o apoio público e privado. Esse investimento é oriundo do incentivo à cultura por meio de políticas públicas, como a Lei Federal de Incentivo à Cultura (Lei 8.313), ou popularmente conhecida como a Lei Rouanet, criada em 1991.

Ela permite que empresas e pessoas físicas destinem parte do Imposto de Renda a projetos culturais aprovados pelo Ministério da Cultura (MinC). É por meio dela que empresas e pessoas físicas patrocinam atividades culturais: abatendo o valor total ou parcial do Imposto de Renda. Os projetos patrocinados são obrigados a oferecer contrapartida social, distribuindo parte dos ingressos gratuitamente e promovendo ações de formação junto às comunidades.

Möller analisa essa lei como o principal mecanismo de fomento à cultura no Brasil, que mobiliza o setor privado para investir em cultura sem reduzir a receita pública. Isso porque a movimentação gerada retorna à economia em forma de emprego, de serviços contratados e de tributos recolhidos ao longo da cadeia. “O retorno não é apenas cultural; é econômico e mensurável”, completa.

“Em outras palavras, a Rouanet transforma a renúncia fiscal em atividade produtiva, e essa atividade gera PIB e arrecadação.”

Gustavo Möller

Embora tenha tamanha relevância para a economia nacional, a Lei Rouanet passou por um processo de detrimento público após a disseminação de fake news relacionadas ao seu funcionamento em polêmica com a atriz Cláudia Raia. As postagens falsas passaram a circular nas redes sociais após o projeto da artista Cláudia Raia – os Musicais, que englobava duas peças de teatro, ser autorizado pela Secretaria de Fomento e Incentivo à Cultura a captar até R$ 5 milhões.

Uma das peças que fez parte do projeto Cláudia Raia – os Musicais, chamada Tarsila, a brasileira, foi alvo de boicote por usuários que acreditaram nas fake news [Imagem: Reprodução/X/@CamargoDireita]

Usuários da internet e figuras públicas acusaram o projeto por uso indevido de recursos. Essa onda de desinformação, com argumentos vazios e sem embasamento, reduziu a confiança de patrocinadores e impactou a captação de recursos. Quando são analisados apenas os valores nominais de captação — o número que aparece na plataforma pública —, a tendência pode parecer relativamente estável em alguns períodos. Porém, ao corrigir esses mesmos valores em termos da inflação, é notória a queda na capacidade de investimento do setor.

“Isso mostra que a desinformação e o desgaste público não impactam apenas a opinião: reduzem a potência econômica dos recursos disponíveis.”

Gustavo Möller

Em 2019, por exemplo, a captação nominal registrada foi de R$ 1,51 bilhão, o que se aproxima de R$ 2,25 bilhões em termos reais deste ano após a correção da inflação. Já em 2021, a captação nominal foi de R$ 1,64 bilhão, corrigida para cerca de R$ 2,38 bilhões em 2025. Assim, o dinheiro financiava menos projetos, mesmo quando a captação parecia crescer. 

Esses números ajudam a entender que a relação entre desinformação e queda de investimento não se evidencia de forma óbvia ao olhar apenas os dados brutos. “Enquanto o debate público atacava a lei, empresas e patrocinadores passaram a evitar associar-se ao mecanismo, o que gerou menos propostas, menos execução e mais cautela”, explicou Möller.

O apoio público e privado

Outra conquista para o reconhecimento do cinema no Brasil é o surgimento da Federação do Comércio e Indústria do Audiovisual (FICA). Ela surgiu a fim de reafirmar o audiovisual como indústria estratégica, responsável por inovação e geração de empregos qualificados após o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) incluir o audiovisual no projeto Nova Indústria Brasil.

A FICA foi inaugurada durante o RioMarket 2025, principal evento sobre audiovisual na América Latina, em 6 de outubro deste ano [Imagem: Reprodução/Instagram/@fccebrasil]

Walkíria Barbosa, produtora de cinema e encarregada de administrar a FICA, destacou, em entrevista à Agência Brasil, a necessidade de uma comissão forte e única do audiovisual no Brasil. “Resolvemos criar essa federação e fomos muito estimulados para isso pelo governo brasileiro e por outras áreas industriais. É necessário termos uma representação muito forte que possa ser um articulador para defesa das nossas políticas”, explicou Walkíria.

O incentivo do investimento de empresas em produções nacionais é fundamental para a manutenção da indústria audiovisual brasileira. Desde a década de 1990, a Petrobras, por exemplo, tem contribuído para o financiamento de filmes como Carlota Joaquina: Princesa do Brasil (1995), Cidade de Deus (2002), Bacurau (2019) e o recente O Agente Secreto, e anunciou destinar R$ 100 milhões até 2027 para o setor. Além disso, o fortalecimento de políticas públicas, como a Lei Rouanet, e de entidades, como a FICA, também é essencial para que o cinema nacional continue movimentando a economia e, ao mesmo tempo, fortalecendo a identidade cultural brasileira.

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