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O Oscar e suas polêmicas

 A premiação da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas é uma das mais conhecidas do ramo, mas, por seus inúmeros escândalos, não é um exemplo a ser seguido

 “E o Oscar vai para…”. Com certeza, essa fala está gravada no inconsciente de grande parte das pessoas imersas na cultura pop do século 21. O evento que reúne diversos artistas do universo cinematográfico cria certa expectativa no público, não só pela premiação em si, mas também pela espetacularização do famoso tapete vermelho. 

Um exemplo disso é o episódio da cerimônia de 2022, quando o ator Will Smith agrediu o apresentador Chris Rock, que fez um comentário sobre sua esposa. O ocorrido repercutiu nas redes sociais, as quais, de uns tempos para cá, passaram a garantir mais visibilidade para a premiação do que a própria audiência televisiva. 

Will Smith veste um terno preto e Chris Rock um terno azul e gravata borboleta.
O ator Will Smith deu um tapa em Chris Rock após este fazer um comentário sobre a doença de Jada Pinkett Smith.
[Imagem: Reprodução/Twitter/@vargass616] 

Apesar do choque causado pela violência, polêmicas como essa não são inéditas para esse universo, visto que, desde seu surgimento, os Academy Awards (“Prêmios da Academia”) se envolvem em casos controversos. Por isso, o Oscar recebe inúmeras críticas, sendo alvo de campanhas a favor das mulheres e por maior diversidade étnica na premiação. 


O início da tradição e de seu funcionamento 

Em 1927, nos Estados Unidos, a instituição foi fundada por Louis B. Mayer, um dos membros da empresa de comunicação de massa Metro-Goldwyn-Mayer (MGM). O objetivo inicial da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas (AMPAS, sigla em inglês) era ser uma espécie de sindicato dos profissionais da área, para mediar questões trabalhistas, além de servir como apoio para o desenvolvimento e pesquisa do cinema. No início, a organização era composta por 36 membros, atualmente ela já acumula mais de 9 mil, os quais só conseguiram ingressar por meio de convites de pessoas que já participavam da Academia. O jornalista, professor, crítico e curador de cinema Sérgio Rizzo ressalta que a AMPAS surgiu com a intenção de prestigiar obras norte-americanas, de tal forma que uma instituição brasileira de cinema também daria destaque a filmes nacionais. Apesar de tamanha visibilidade mundial, não se trata de uma academia cinematográfica mundial. 

Foto em preto e branco. Pessoas vestidas a gala estão sentadas em um salão decorado.
A primeira cerimônia do Oscar foi realizada no Hollywood Roosevelt Hotel em 1929. [Imagem: Reprodução/Academy of Motion Picture Arts and Science]

Já a história da tradicional cerimônia para entrega dos prêmios aconteceu dois anos após o surgimento da organização, em 1929, ano também do início do cinema falado, com o musical The Jazz Singer, o qual levou um Oscar Honorário. Essa estatueta é popularmente conhecida como “pedido de desculpas da Academia”, sendo entregue desde 1980 em forma de homenagear os feitos extraordinários dos profissionais do cinema. Com a introdução dos Academy Awards, os conhecidos Oscars, o papel sindical da instituição se esvaziou, transferindo a responsabilidade para outras organizações específicas. E, com isso, a Academia passou a ganhar maior crédito na promoção da arte audiovisual e suas diversas premiações além do Oscar, como o Student Academy Awards, uma competição internacional de filmes produzidos por estudantes. 

A escolha dos vencedores é feita por meio de uma votação feita com todos os membros da AMPA de forma individual e com sua respectiva área profissional. Por exemplo, um diretor só será um eleitor válido para as categorias relacionadas com a área de direção. A única exceção é a categoria de “Melhor Filme” em que todos os membros votam, mesmo que não tenham qualificação para tal. Essa lógica se torna ainda menos objetiva quando se observa que não há um fórum de discussão dos indicados. Sérgio explica a diferença entre esses dois métodos de decisão: em tese, enquanto em uma votação entre 9487 membros os requisitos são puramente julgamentos individuais, em uma discussão com um número de pessoas limitado existe uma maior abertura para divergência e, consequentemente, uma reflexão mais cuidadosa. 


Os Oscars refletem (n)a sociedade?

As polêmicas em uma das maiores premiações do campo cinematográfico não são exclusivas do cenário atual e da ascensão de movimentos negros, feministas e antiglobalização. Por exemplo, em 1940, na 12ª edição da cerimônia, Hattie McDaniel foi a primeira atriz negra a ganhar um Oscar, o de “Melhor Atriz Coadjuvante”, no filme …E o Vento Levou (Gone With the Wind, 1939). No entanto, em pleno auge do segregacionismo racial nos Estados Unidos, ela não pôde sentar-se à mesa junto do resto do elenco branco e foi acomodada aos fundos do teatro. 

A atriz enfrentou uma profunda luta contra o preconceito, tanto da indústria cinematográfica, majoritariamente branca, quanto da sua própria comunidade afrodescendente, que a criticava por interpretar papéis estereotipados, como o de empregados. Hattie encarou inúmeras dificuldades e decepções durante a vida e até mesmo em seu leito de morte, quando pediu para ser enterrada no cemitério de Hollywood, mas foi negada por não aceitarem negros. Filha de um casal de ex-escravos libertos, a primeira atriz preta a ganhar o Oscar deu o primeiro passo no universo do cinema para que outras como Mo’nique também pudessem conquistar o prêmio. “Quero agradecer Hattie McDaniel por suportar tudo o que teve que suportar para que eu não tivesse que fazê-lo”, declarou Mo’nique em seu discurso na cerimônia de 2010, quando ganhou Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante no filme Preciosa – Uma História de Esperança (Precious, 2009). 

Comparação entre duas imagens. Á esquerda, Mo'nique em um vestido azul. Á direita e em preto e branco, Hattie McDaniel.
Mo’nique usou as mesmas flores no cabelo que Hattie na premiação.
[Imagem: Reprodução/Twitter/@NoGamesOnNotice]

A geração atual tem maior liberdade e recursos para reagir a histórias como esta, visto que houve um avanço na discussão dessas pautas e, com a ajuda das mídias sociais, a intensa propagação e adesão de movimentos a favor de novas políticas. Assim, a questão racial protagonizou a edição de 2016 com a campanha Oscars So White (Oscars Tão Brancos), que levantou a ausência de negros ou latinos nos 20 indicados em categorias de atuação. A polêmica recebeu opiniões diversas. Por um lado, um boicote ao Oscar foi apoiado por alguns artistas pretos, como Jada Pinkett Smith e Will Smith, que não compareceram ao evento daquele ano, como forma de protesto em decorrência da polêmica. Por outro lado, houveram posições contrárias ao ato, como a da atriz Whoopi Goldberg, que considerou o boicote ineficaz, já que o problema não estaria na premiação em si, mas no funcionamento da indústria audiovisual. Com ou sem boicote, o tapete vermelho de 2016 ficou marcado pela ausência dos negros e pela dura crítica feita por Chris Rock, apresentador do Oscar de 2016 e o segundo negro a assumir esse cargo.

No ano seguinte, o Oscar também foi pano de fundo para a campanha Me Too (Eu Também), criada pela ativista norte-americana pelos direitos civis, Tarana Burke. O movimento incentivava a denúncia contra o assédio e agressão sexual de vítimas, que contaram suas histórias nas redes sociais.

Em Hollywood, o movimento ganhou força um ano depois do início do Me Too. A campanha de denúncias foi organizada pela atriz Alyssa Milano em 15 de outubro de 2017, convocando outras mulheres que já haviam sofrido com assédio ou abuso sexual a responderem “eu também”. Essa iniciativa contabilizou mais de 600 mil respostas no dia seguinte à publicação de Milano. A campanha atingiu a indústria hollywoodiana como um todo com denúncias de atores que também passaram por experiências semelhantes. Anthony Rapp e Terry Crews se manifestaram e relataram terem sido assediados por Kevin Spacey e Adam Venit. 

Print do Twitter.
Tradução: “Eu também. Sugerido por uma amiga: ‘Se todas as mulheres que já foram sexualmente abusadas ou assediadas escrevessem ‘Eu também.’ como status, nós talvez daremos para as pessoas uma noção da magnitude do problema.’ Se você já foi sexualmente abusada ou assediada, escreva ‘eu também’ como resposta deste tweet.”
[Imagem: Reprodução/Twitter/@Alyssa_Milano]

Os impactos do movimento Me Too culminaram no desmantelamento do magnata Harvey Weinstein, ganhador de inúmeros prêmios como o Globo de Ouro e o Oscar e membro da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas. Atrizes como Angelina Jolie, Gwyneth Paltrow e Asia Argento denunciaram o famoso produtor cinematográfico por estupro e assédio sexual. Com o escândalo instalado, Harvey Weinstein foi demitido de sua própria produtora e expulso do conselho da Academia. Em 2020, três anos após o início da polêmica, o produtor foi condenado a 23 anos de prisão por seus crimes. 

Harvey Weinstein, de terno e gravata vermelha, cercado de policiais.
O produtor Harvey Weinstein é preso após a série de denúncias de abuso sexual.
[Imagem: Reprodução/Flickr]

Mais recentemente, na edição do Oscar 2020, o vencedor do prêmio de “Melhor Filme”, o primeiro de língua não-inglesa a vencer na categoria, teceu uma forte crítica à Hollywood. O diretor sul-coreano de Parasita (Parasite, 2019), longa ganhador do prêmio mais cobiçado da noite, Bong Joon Ho disse em seu discurso: “Quando vocês superarem a minúscula barreira das legendas, vocês serão apresentados a muitos outros filmes incríveis”. Sua fala revela o descontentamento com a recepção de longas sul-coreanos em outros países, tachados como “produtos exóticos”. Esse comentário representa o preconceito e mentalidade neocolonizadora dos estadunidenses e que acaba refletindo em suas premiações também. 

 O especialista Rizzo também pondera que existem outros festivais no âmbito cinematográfico tão ou mais importantes que premiam filmes de outros países e etnias. No entanto, o espaço na mídia que é conferido a eles não se compara ao da cerimônia do The Academy Awards. Assim, a reflexão levantada por Sérgio consiste na responsabilidade da mídia de vislumbrar outros filmes além dos de língua inglesa. 


Responsabilidade do Oscar

Inevitavelmente, a instituição do Oscar vai refletir problemas sociais presentes na realidade, uma vez que influenciam toda a indústria cinematográfica dos EUA, especialmente a hollywoodiana. Na visão de Sérgio, a presença dessas ocorrências na indústria não é uma exceção e deve ter a mesma resposta que em outros contextos. 

No que tange a indicação de filmes estrangeiros, deve-se relembrar que o The Academy Awards foi criado para premiar obras norte-americanas em especial, ou seja, não há um comprometimento oficial da instituição em assumir uma premiação mundial cinematográfica. De acordo com Sérgio Rizzo, o Oscar não assumiu intencionalmente uma posição de modelo mundial, esse destaque lhe foi conferido e construído pela mídia. O protagonismo no âmbito cinematográfico também se deu pelo interesse econômico por trás das grandes estrelas de Hollywood, como grandes marcas da moda e uma transmissão ao vivo para inúmeros outros países. Apesar disso, a academia não pode se esquecer que, de uma forma ou de outra, possui uma responsabilidade social diante desses casos. 

A responsabilização da Academia é imposta especialmente pelo público da cerimônia, que pede por mais representatividade e consciência social na premiação. E quando isso não corresponde às expectativas do telespectador, a audiência do Oscar é impactada, uma vez que a sociedade se sente cada vez menos representada pela premiação. Em seus melhores anos, a cerimônia já chegou a alcançar 55 milhões de telespectadores, já há dois anos, o Oscar 2021 teve sua pior audiência, com 9,85 milhões, de acordo com a Nielsen Media Research. 

Se por um lado existe uma parcela de culpa da mídia pela construção da importância mundial do Oscar e, por vezes, a posição isenta da própria Academia, por outro, há uma sociedade que manifesta seu desejo e direito de representatividade nas premiações, mostrando que mulheres, negros, a comunidade LGBTQIA+ e pessoas de outras etnias também são tão merecedoras de um Oscar como qualquer um.

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