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O que restou de um delírio verde

por Ana Luisa Abdalla anita.abdalla.usp@gmail.com Você com certeza já ouviu falar dos Guarani-Kaiowá. Esse grupo indígena teve, por um momento de 2012, os olhos do Brasil voltados para si, mas o momento foi breve demais para uma luta que exigia muito mais do que só atenção ou nomes em redes sociais. O registro da história …

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por Ana Luisa Abdalla
anita.abdalla.usp@gmail.com

Você com certeza já ouviu falar dos Guarani-Kaiowá. Esse grupo indígena teve, por um momento de 2012, os olhos do Brasil voltados para si, mas o momento foi breve demais para uma luta que exigia muito mais do que só atenção ou nomes em redes sociais. O registro da história desses índios que foram expulsos de suas terras pela força do agronegócio é contada nos 29 minutos do documentário “À sombra de um delírio verde” (The dark side of green, 2011), ganhador do prêmio  Margarida de Prata, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), na categoria média-metragem.

Dirigido pelo brasileiro Cristiano Navarro, juntamente com a repórter belga An Baccaert e com o cineasta argentino Nicola Mu, o filme vai construindo aos poucos o conjunto de fatores que fez com que os Guarani-Kaiowá chegassem a uma situação miserável. O ponto de partida é o tão bem falado etanol. Com muita propaganda sobre seus benefícios como combustível alternativo, sendo, em relação à gasolina, muito mais barato e menos agressivo ao meio ambiente, por ser derivado da cana-de-açúcar, ele parecia o produto ideal. O problema se deu quando as usinas já existentes para a sua produção não foram mais o suficiente. O aumento da demanda pelo etanol, exigia um aumento significativo de sua produção. Mais usinas tinham que ser construídas, consequentemente mais héctares de terra deveriam ser dedicados ao cultivo da cana. E é ai que os índios entram em cena.

Cultivo de cana-de-açúcar no MS, onde muitos indígenas trabalham

 A região sul do estado do Mato Grosso do Sul é ideal para o cultivo da planta. Na região antes do “boom” do combustível, havia 11 usinas de açúcar e álcool funcionando. O número esperado para 2012, segundo Eduardo Corrêa Riedel, presidente da Federação da Agricultura do MGS, era de aumentar para 40 usinas. Isso significaria que os 170 mil hectares antes usados para o cultivo da cana cresceriam para até um milhão. E de onde vem essa terra? Bom, algumas são áreas de fazendas, que são vendidas por um valor altíssimo, e muitas outras são ocupações indígenas.

Em “À sombra de um delírio verde” acompanhamos alguns relatos dos Guarani-Kaiowá, que desabafam sobre terem perdido tudo. Sentem-se enjaulados em terras que não são suas, mas são as únicas que restaram. Presos pela falta de opção, pela miséria e pela alternativa que restou: trabalhar para a usina que os tirou de seu lugar. Em um dos diversos relatos mostrados, um dos índios conta sobre como até mesmo os animais que tinham por perto foram tirados deles, restando só um pequeno macaco preso em uma gaiola: “Taí o macaco, preso. Taí igual ‘nois’, preso também”.

Acampamento Guarani-Kaiowá após a perda de suas terras

O trabalho na usina é a única forma que conseguem de ter algum dinheiro para se alimentar e comprar o básico. Com o peso da enchada e o sol quente na cabeça durante todo o dia, o serviço é muito pesado para os mais velhos, o que faz com que muitos jovens deixem de estudar para irem trabalhar. Orlando Juca, índio, conta sobre como seu filho, de apenas 14 anos, foi morto no canavial. Ganhou uma identidade falsa que dizia que tinha 23 anos, considerando a ilegalidade do trabalho para menores de idade, e acabou morto e sem chance de sequer uma indenização para os pais, que não sabem o que fazer. Juca mostra o documento falso e diz que olha a foto do filho e pensa que a qualquer momento ele pode voltar.

Um povo que tem como tradição a produção de alimentos, necessita hoje da cesta básica doada pelo governo como forma de conseguir se manter vivo. Antonio Brandt, historiador da Universidade Dom Bosco, fala sobre a urgência de se demarcar territórios e devolver terras aos Guarani, que reivindicam apenas pequenos pedaços que não vão inviabilizar o agronegócio.

Carlito de Oliveira, cacique dos Guarani, encerra o documentário, emocionado sobre como os índios faziam suas atividades antes, tomados de alegria. Por fim, faz um desenho de um círculo na terra e diz: “quando Ele foi fazer essa terra, o mundo inteiro, ele num falou assim ‘essa aqui vai ficar pro branco, essa aqui vai ficar pro preto, essa aqui vai ficar pro azul, essa aqui vai ficar pro índio, essa aqui num sei pra quem vai ficar’. Ele num falou. Num foi feito só pro índio, não. Esse solo aqui foi feito pra todo mundo, pra todo mundo viver. Só que em cima desse solo ‘nois’ vive brigando”.

Carlito de Oliveira, cacique Guarani-Kaiowá

A dor da perda de suas terras foi tão grande que culminou, ao fim de setembro de 2012, em uma carta da comunidade Guarani-Kaiowá de Pyelito Kue/Mbarakay, município de Iguatemi-MS para o Governo e Justiça do Brasil*, em que fazem um pedido que chocou o país todo: “pedimos ao Governo e Justiça Federal para não decretar a ordem de despejo/expulsão, mas solicitamos para decretar a nossa morte coletiva e para enterrar nós todos aqui. Pedimos, de uma vez por todas, para decretar a nossa dizimação/extinção total, além de enviar vários tratores para cavar um grande buraco para jogar e enterrar os nossos corpos. Esse é nosso pedido aos juízes federais”.

Com a força desse pedido, é possível entender pelo menos um pouco do que significa para esses índios a terra perdida. O documentário “À sombra de um delírio verde” é parte fundamental para essa compreensão e prova que existe muito mais ainda a ser debatido sobre o assunto, que não pode parar em sobrenomes falsos no Facebook.

Leia a carta na íntegra: http://racismoambiental.net.br/2012/10/justica-brasileira-ordena-expulsao-de-indigenas-guarani-kaiowa

Veja o documentário na íntegra: //www.youtube.com/watch?v=c2_JXcD97DI

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