Foto: ilustração do livro A Diferença Invisível, de Mademoiselle Caroline e Julie Danchez (Editora Nemo, 2017)
Por Maria Carolina Soares (mcarolinasoares@uol.com.br)
Interesses restritos. Dificuldade em interações sociais. Hipersensibilidade. Ligação intensa a rituais e rotinas. Dificuldade em entender duplo sentido, metáforas e linguagem não verbal. Essas são algumas das características mais comuns de que possui Síndrome de Asperger. Os aspies, como muitos preferem ser chamados, tem sua condição incluída nos Transtornos do Espectro Autista (TEA), uma classificação para indivíduos com problemas de socialização, dificuldade de comunicação e comportamento repetitivo, segundo o site do Dr. Drauzio Varella.
Estima-se que, no Brasil, haja em torno de 2 milhões de pessoas com TEA. No mundo, o número equivaleria a 1% da população. Na história, como relata a BBC News, muitos gênios estão recebendo diagnósticos póstumos, por especialistas como o Professor Michael Fitzgerald, na Universidade Trinity de Dublin (Irlanda). Albert Einstein, Jane Austen, Michelangelo e Sócrates são alguns dos nomes mais citados nas pesquisas. Entretanto, esses diagnósticos não podem ser realizados com certeza, já que a síndrome foi descrita por Hans Asperger apenas em 1944.
Preconceito
Os aspies, por conta de sua dificuldade em socialização, muitas vezes são incompreendidos e sofrem preconceitos, como mostra a HQ A Diferença Invisível, de Mademoiselle Caroline e Julie Danchez (Editora Nemo, 2017). De acordo com a professora Olívia Assis, portadora da síndrome, “o pior é a questão do preconceito e das cobranças em sermos, como todos se dizem, normais e não diferentes. É triste isto, pois somos muito sensíveis ao mundo e temos empatia também”. Ela ainda diz que têm suas particularidades e diferenças, mas não são respeitados.
Seu irmão também é aspie e, diferentemente dela, foi diagnosticado quando criança. Enquanto ele descobriu a síndrome aos 11 anos, isso só aconteceu com ela aos 25 anos. “Comecei a ter uma suspeita maior porque sou professora e pedagoga e, quando fiz magistério, tive aulas de educação especial e notei que meu desenvolvimento intelectual era diferenciado dos demais alunos”. Olívia fez um curso de capacitação para trabalhar com crianças especiais, estudou sobre autismo e, então, notou que era Asperger. Depois, orientou sua mãe a procurar um especialista para o irmão. “O diagnóstico é muito complicado, pois as pessoas não conhecem a síndrome. Muitas vezes fui ao médico e nunca sabiam me falar o que eu realmente tinha”.
De acordo com o psicanalista e professor da Universidade de São Paulo Christian Dunker, em entrevista à J.Press, isso não é muito incomum. “O diagnóstico é clínico, não existem marcadores biológicos ou exames para Asperger. Os sinais são percebidos por volta do primeiro ou segundo ano de idade, mas há muitos casos que só são percebidos na adolescência ou na idade adulta”. Ele também adiciona que há mais casos entre homens do que entre mulheres. Como explicado pela BBC News e pelo HQ A Diferença Invisível, isso acontece por uma particularidade da manifestação da síndrome no público feminino.
Um dos aspectos mais marcantes de quem tem Asperger é não compreender a linguagem não verbal e, por isso, não conseguir identificar as emoções alheias, a menos que estas sejam verbalizadas. Isso pode passar uma imagem de que o aspie não possui empatia, uma conclusão precipitada. Entretanto, mesmo entre os neurotípicos, as mulheres costumam se atentar mais facilmente aos sentimentos de seus pares, tornando a característica da Síndrome de Asperger quase impossível de ser identificada. Porém, como aponta Olívia, “Eles julgam nossa empatia mas, em nossa sociedade, a empatia dos neurotípicos é quase nula”.
Já Carolina Pilati lida com o Asperger em tempo integral, mesmo não tendo a síndrome. Seu filho Emanuel, de 12 anos, foi diagnosticado há um ano, após muito tempo de consultas com psicólogos e pediatras. “As psicólogas descartaram e me diziam que era transtorno de ansiedade, sintomas do TOC, manias, baixa tolerância à frustração e iam tratando. Até que, com 11 anos, resolvi levá-lo numa neuropediatra. Foi aí que veio o diagnóstico que eu já desconfiava”. Para ela, assim como para Olívia, saber o diagnóstico fez toda a diferença: “Ela serve para justificar nossas dúvidas e inseguranças”.
Algumas doenças ou síndromes, mesmo não sendo associadas ao Asperger, podem dificultar a condição do indivíduo. A ansiedade, o transtorno de déficit de atenção com hiperatividade, a depressão, entre outros, podem intensificar as crises que já ocorrem, deixando ainda mais complicadas as situações de interação social.
A Síndrome de Asperger pode se manifestar das mais diversas maneiras, como aponta Dunker: “Sua apresentação clínica pode variar bastante, com crises de angústia e perda de controle diante de alterações ambientais ou intrusividade do outro”. Por conta disso, o diagnóstico pode ser muito complicado. “Existem muitos graus e tipos de Asperger”.
Além disso, muitos aspies possuem superdotação, como é caso de Olívia e do também professor Guilherme Bastos, que, desde criança, era o melhor aluno da escola em matemática. “Comecei sozinho muito cedo a programar computadores e, depois disso, minha mãe me colocou com 12 anos em um curso de programação”. Na universidade, ele estudou engenharia. “Depois me formei, fiz mestrado e doutorado, e hoje sou professor nessa mesma universidade”.
Interesses específicos
Outra característica clássica do quadro de Asperger é a imersão por grandes quantidades de tempo em interesses específicos, nem sempre socialmente aceitáveis. Juarez Luz, estudante de física na Universidade Federal do Paraná (UFPR), tem dois assuntos que o fascinam, além de sua graduação: poesia e informática. “No momento tenho três projetos, estudar teoria de campos em física, desenvolver jogos digitais e escrever poemas. Boa parte da minha vida eu fiz os três, os poemas ajudavam com minha ansiedade, e ainda me ajudam também com autoestima”.
Já Guilherme, tem o próprio Asperger como interesse: “estou começando a trabalhar com Tecnologia Assistiva para TEAs. Espero em breve ter orientandos de mestrado e doutorado trabalhando no assunto. Também vou procurar montar um grupo na universidade para entender melhor essas questões e dar suporte para nossos alunos. E quem sabe em breve também não escrevo um livro sobre o assunto”.
Emanuel, o filho de Carolina, foi diferente. Com ele, foram vários interesses: estrelas, jogos, Pokemons, Capitão América, dinossauros. “Agora ele está fazendo um curso porque quer ser designer de games e trabalhar na Nintendo. Fica o dia todo fazendo animações e criando personagens para seu jogo se deixar”.
Sistema educacional brasileiro
Entre todos os entrevistados, uma opinião foi unânime. O apoio governamental e a preparação da escolas para receber aspies ainda é bem precário. Christian Dunker aponta que houveram avanços, mas “a inclusão como um todo vem sendo feita com poucos recursos e uma política ainda indefinida”. Para Olívia, Guilherme e Juarez, que possuem a Síndrome de Asperger, nosso sistema educacional é deficitário, pois muitos professores não têm preparo para lidar com esses alunos. A filha de Guilherme, também TEA, estuda em uma escola particular e, nela, o preparo é maior, de acordo com ele.
Olívia, por trabalhar na área de educação inclusiva em Minas Gerais, está mais familiarizada com o descaso da administração governamental. “Em minha cidade, o CAPSI (Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil) é ótimo e os profissionais também, mas existe muito a fazer para melhorar. Tem salas AEE (Atendimento Educacional Especializado) e professores de Apoio. Precisa melhorar demais, mas muitos dão sangue mesmo sem ter apoio do governo”, conta. “No caso do CAPSI, o pessoal da saúde de minha cidade ficou sem receber e mesmo assim atendiam com amor. Foram de 4 a 6 meses sem receber pagamento. Muitas vezes tirava do meu pagamento para comprar e fabricar jogos também porque nas escolas não tem material de apoio para professor”.
Se você ou alguém que você conhece se identificar com essas características, o professor Christian Dunker aconselha: “Procure apoio psicológico ou psicopedagógico, entre em contato com associações e grupos de apoio, examine os relatos biográficos disponíveis e converse com mais de um psiquiatra ou neurologista”.
Porém, mais importante do que identificar diagnósticos, é aprender a aceitar as diferenças e não julgar os comportamentos alheios. Nas palavras de Olívia Assis: “Precisamos quebrar este paradigma e preconceito de muitos. O diferente sempre esteve aqui em nossa sociedade e sempre vai estar, pois é fruto de ser humano”.