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O surto do Ozempic: o remédio que movimenta as redes sociais

Medicamento criado para tratar a diabetes tipo 2 tornou-se febre nos últimos anos
Por Beatriz La Corte (beatrizlacorte@usp.br)

O Ozempic consiste em um fármaco inicialmente responsável pelo tratamento de Diabetes tipo 2. Nos últimos tempos, seu uso também é apontado como responsável pelo emagrecimento de diversas celebridades e figuras influentes como Oprah, Jojo Toddynho e Elon Musk. De acordo com a plataforma Consulta Remédios, no primeiro semestre de 2023, as buscas pela medicação aumentaram em 91%. Por ser um fenômeno ainda recente no contexto das indústrias farmacêutica e do emagrecimento, a viralização do Ozempic ainda está sendo analisada pelas esferas científica, política, midiática e econômica.

Captura de tela de um tweet de Elon Musk sobre o Ozempic.
“Mounjaro & Ozempic, apesar de não serem sem efeitos colaterais, realmente funcionam incrivelmente bem para perda de peso” – tradução livre do relato de Elon Musk na plataforma “X”. [Imagem: Reprodução/X/@elonmusk]

O que é o Ozempic e como funciona?

O medicamento foi lançado pela empresa Novo Nordisk em 2017 com a premissa de ser um grande aliado no tratamento da diabetes mellitus tipo 2. O fármaco tem como princípio ativo a semaglutida, substância que simula o efeito do hormônio natural GLP-1 (Glucagon-like Peptide-1). Ou seja, estimula a secreção de insulina, diminui a secreção de glucagon, desacelera o esvaziamento gástrico e, por consequência, traz uma sensação de saciedade para os usuários. De acordo com a endocrinologista Dra. Verônica El Afiouni, tal efeito é o mesmo desejado por aqueles que almejam o emagrecimento, uma vez que, com o desejo de comer reduzido, os usuários consomem menos calorias.

Caneta de Ozempic.
A molécula do Ozempic é 94% similar ao GLP-1. [Imagem: Reprodução/Chemist4U]

Osnivaldo Rodrigues convive com a diabetes tipo 2 há 15 anos e iniciou o tratamento com o Ozempic há menos de 2 meses. Por conta de fatores como seu estado de saúde, convênio médico, idade e peso, sua médica lhe deu a informação de que seu perfil era o ideal para o uso do medicamento. Apesar de sua compatibilidade com o novo método, Osnivaldo relatou seus desconfortos durante o processo de adaptação: 

“Teve um dia à noite que eu estava completamente entupido de comida, sabe? Eu nem comi tanto, mas o remédio  definitivamente me deixou como se eu tivesse comido muito.”

Osnivaldo Rodrigues

Após essa experiência e com acompanhamento profissional, Osnivaldo diminuiu a dose do fármaco. O Dr. Marcio Mancini, endocrinologista e professor na Universidade de São Paulo (USP) ressalta a efetividade do medicamento. Ele indica que uma dose pequena — como 0,25mg por semana — já pode ser suficiente para alguns quadros clínicos.

Histórico e repercussões políticas

O GLP-1 foi descoberto em 1986 por pesquisadores estadunidenses e ficou conhecido como ‘hormônio da saciedade’. Desde então, a indústria farmacêutica trabalha na criação de uma substância análoga a ele para o tratamento da diabetes e da obesidade.

Um dos primeiros produtos lançados que cumpria com esse objetivo foi a Byetta, produzida pela Amylin Pharmaceuticals e lançada em 2005 — mas só comercializada no Brasil e em alguns outros países a partir de 2009. “O remédio era administrado duas vezes por dia, trata a diabetes, mas nunca chegou a ser lançado para a obesidade ou para perda de peso”, comenta o Dr. Marcio. Em 2010, a Novo Nordisk lançou a liraglutida, um análogo ao GLP-1 com efeito mais duradouro no corpo. Essa substância foi comercializada sob o nome de Victoza para o tratamento de diabetes. Em 2014, também foi aprovada para o tratamento da obesidade e passou a ser vendida como Saxenda. Em 2017, a Novo Nordisk lançou a semaglutida, conhecida como Ozempic, que possui aplicação semanal.

Gráfico comparando GLP-1, saxenda e Ozempic.
Semaglutida possui uma meia-vida 5.000 vezes maior que a do hormônio natural GLP-1. [Imagem: Beatriz La Corte/Acervo Pessoal]

“Eu comparo a indústria farmacêutica com as Big Techs. Vejamos a Apple, por exemplo: no momento em que há o lançamento de um iPhone, já estão produzindo outro ainda mais disruptivo.”

Marcio Mancini

O especialista aponta que o Ozempic é produto de décadas de estudos e uma das opções mais modernas e eficientes para os pacientes com diabetes ou obesidade. Porém, para o doutor, os esforços da indústria farmacêutica não param por aí e as possíveis repercussões políticas acompanham esse processo.

Em 2023, a Justiça Federal negou o pedido de extensão da patente da semaglutida, solicitado pela Novo Nordisk. Sem a extensão, outros fabricantes estarão liberados para produzir versões genéricas do medicamento. Mancini explica que essa decisão pode contribuir para aumentar a competitividade do mercado, reduzir os preços do remédio e facilitar o tratamento para pacientes de baixa renda. Essa decisão inicia debates a respeito da possibilidade de incluir versões genéricas da semaglutida no Sistema Único de Saúde (SUS). Além disso, contribui para discussões legais relacionadas ao direito de propriedade intelectual e de saúde pública.

A influência midiática no consumo de Ozempic

Fernanda Raphaela, analista de marketing e cultura pop, aponta que a viralização do remédio tem muita relação com o seu efeito emagrecedor e revela o caráter cíclico da moda e das indústrias de beleza e de entretenimento. 

“O ciclo da moda funciona da seguinte forma: o que foi usado há 20 anos, volta [a ser usado] e o que foi usado há 10 anos vai ser considerado cafona para daqui a 10 anos virar uma tendência.”

Fernanda Raphaela

A analista explica que esse fenômeno, conhecido como Ciclo de Tendência, costuma se repetir a cada duas décadas e influencia, além da moda, a música e a imagem corporal considerada tendência no momento. O mundo presencia em 2024, segundo ela, o retorno ‘bombástico’ dos anos 2000. Fernanda diz-se preocupada com essa repercussão, pois nessa década “houve a ascensão de diversos distúrbios alimentares e da glorificação da magreza extrema”. Para ela, muitas pessoas estão recorrendo ao Ozempic para se encaixar nesse padrão, que volta à tona nas redes sociais.

Britney Spears, Paris Hilton, Gisele Bundchen e Carolina Dieckmann
Britney Spears (cantora), Paris Hilton (socialite), Gisele Bundchen (modelo) e Carolina Dieckmann (atriz) foram figuras emblemáticas na década de 2000. [Colagem de imagens: Reprodução/@gisele/Wikimedia]

Outra questão preocupante para Fernanda trata-se da fácil disseminação de produtos a partir das redes sociais, como o TikTok, por exemplo. Ela aponta que, até alguns anos atrás, os meios publicitários principais eram a televisão, a rádio e as revistas. Nesses espaços, a regulamentação das propagandas é mais eficiente, pois o anúncio está vinculado à emissora ou editora, que são responsáveis diretos pela informação. Nas redes sociais, as produções e o alcance são tão grandes que, segundo ela, há um distanciamento entre as informações disseminadas e a responsabilidade da plataforma.

A analista aponta que essa intensa produção de conteúdos é o que torna as redes sociais um espaço publicitário favorável às vendas. Fernanda defende que a forma mais eficiente de induzir o usuário ao consumo de um produto é ativar o ‘gatilho da ansiedade’. Ou seja, transmitir a mensagem de que o consumidor precisa daquele produto com urgência. Ela considera o retorno midiático dos anos 2000, as redes sociais e o imediatismo como impulsionadores do consumo ‘extraoficial’ do Ozempic.

Captura de tela de vídeos do TikTok sobre Ozempic
Cerca de apenas 14% dos vídeos divulgados com a #Ozempic no TikTok foram feitos por profissionais da área, de acordo com um estudo publicado no Journal of Medicine, Surgery and Public Health. [Imagem: Colagem feita a partir de Print Screens de vídeos do TikTok/Beatriz La Corte]

Repercussões econômicas

O novo medicamento é o mais novo signo da indústria de emagrecimento, que lucrou cerca de 30 bilhões de dólares no ano de 2023 e está em projeção de crescimento, segundo o relatório da Grand View Research. Esse setor é apenas um segmento dentro da ampla indústria de beleza que, como explicado por Fernanda, está em constante mudança. 

A venda em massa do remédio foi responsável por fazer da Novo Nordisk a empresa europeia com maior valor de mercado, avaliado em cerca de 489 bilhões de dólares. Essa cifra excede o valor do próprio PIB dinamarquês, estimado em 395 bilhões de dólares, e, por isso, a comercialização do Ozempic já afeta as dinâmicas do país.

Um artigo da Bloomberg Línea estimou que, no primeiro semestre de 2023, sem os resultados do setor farmacêutico, o PIB da Dinamarca sofreria uma queda de 0,3%. Com o impulso dessa indústria, porém, a economia do país teve um crescimento de 1,7%. A pequena cidade onde o medicamento é produzido, Kalundborg, recebeu um investimento de 60 bilhões de coroas – cerca de 44 bilhões de reais – da Novo Nordisk.  Especialistas apontam que o crescimento da empresa deve ser observado com cuidado, pois a sua influência cresce simultaneamente em outros aspectos da sociedade. Um exemplo disso é que a Novo Nordisk, contratou múltiplas firmas de lobbying no mundo, o que influencia nas legislações relacionadas à saúde e evidencia a relação entre poder econômico e político. 

Gráfico.
Economistas dinamarqueses preocupam-se com a dependência da economia do país em relação à Novo Nordisk, comparando com o “Efeito Nokia” e a crise na Finlândia. [Imagem: Reprodução/TradingView]

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