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Observatório | Negociações sobre Guerra na Ucrânia avançam com intermediação dos EUA

Iniciativa norte-americana coloca Donald Trump no centro das conversas e marca novo capítulo do conflito entre Rússia e Ucrânia

Por Mariana Pontes (mariana.kpontes@usp.br) e Matheus Andriani (andrianimatheus@usp.br)

Na última semana, Donald Trump assumiu a mediação de negociações referentes ao conflito russo-ucraniano. No dia 15 de agosto, o presidente dos Estados Unidos se encontrou com Vladimir Putin, presidente russo, e após quase três horas de reunião, saíram sem nenhum acordo em relação à guerra na Ucrânia. Após três dias, houve outro encontro do presidente norte-americano com Volodymyr Zelensky, chefe de estado da Ucrânia, junto à outros líderes políticos europeus e aliados da Otan.

Embora seja apresentada como uma tentativa de avançar na diplomacia, o envolvimento do governo norte-americano reforça a proteção de seus interesses estratégicos na região, que incluem influência geopolítica, acesso à recursos naturais e a manutenção de seu poder econômico global. 

A guerra na Ucrânia persiste desde 2022, quando tropas russas invadiram a Ucrânia promovendo ataques a cidades próximas da capital, Kiev. A ação teve como causa principal a aproximação do governo ucraniano com a aliança militar Otan, que para a Rússia representa uma ameaça direta à sua segurança territorial, tendo em vista a fronteira que se estende por ambos os países. As tensões entre os dois países, no entanto, remontam décadas, e se intensificaram com a anexação da Criméia, região estratégica do Mar Negro, pela Rússia. 

Desde então, bombardeios recorrentes provocaram milhares de mortes de civis e militares, e colocaram a Ucrânia em um cenário de crise humanitária. Apesar das medidas punitivas no âmbito econômico que foram impostas à Rússia, e a ajuda militar e financeira que a Ucrânia recebeu do Ocidente, as tentativas de negociação fracassaram, o que mantém o conflito em um impasse até os dias atuais.

Em 2023, um ano após o início desse conflito entre Ucrânia e Rússia, a organização “Peace Now” demandava negociações ao visar uma resolução pacífica para o fim da guerra [Imagem: Reprodução/WikimediaCommons]

Mediação estadunidense

No mês de abril, os Estados Unidos já haviam ameaçado abandonar as negociações de paz na guerra na Ucrânia, pois afirmavam não obter avanço nas negociações. Agora, em agosto, essas tentativas voltam a acontecer mediadas pelo mesmo país.

Mas, para o professor associado de Relações Internacionais na USP, graduado em Política pela Universidade de Liverpool e mestre e doutor pela mesma instituição, Kai Enno Lehmann, o interesse de Donald Trump vai além da diplomacia. Para o especialista, o presidente norteamericano vê no possível acordo de paz entre Rússia e Ucrânia o crédito pelo qual ele poderia reclamar e se projetar como candidato ao prêmio Nobel da Paz.

Trump insistia em buscar não só um cessar-fogo, mas o fim da guerra, levando em conta todos os requisitos para isso. Até o momento, os encontros não chegaram a nenhuma decisão, mas revelaram mudanças, como a fala de Zelensky que não concorda nem nega um possível ceder de territórios ucranianos para a Rússia. A expectativa agora é de uma reunião trilateral.

Desde o início, os americanos têm demonstrado apoio militar para que a Ucrânia continue lutando, mas sem nunca fornecer as armas mais avançadas ou em quantidade suficiente para que o país pudesse “virar o jogo”, é o que afirma o professor Feliciano de Sá Guimarães, do Instituto de Relações Internacionais da USP. 

“Eles sempre guardam as armas mais poderosas do seu lado. Porém, os ucranianos, mesmo assim, reinventaram sua estratégia militar e se tornaram os maiores produtores de drones do mundo, a fim de ser resistência. Mas a Rússia tem muito mais homens, muito mais capacidade material. A Ucrânia já não consegue mais vencer nenhuma batalha” complementa.

Negociações ao decorrer da semana

Em vista da duração do conflito e da diferença entre os poderes militares dos dois países, a negociação para um acordo de paz é de principal interesse da Ucrânia, que está disposta a debater sobre o tema. “Trump diz que eles estão negociando algo, mas isso não quer dizer que vai sair alguma coisa”, afirma Lehmann. O especialista reiterou que um acordo de paz teria que mover de uma forma séria o país invadido, e não o país invasor.

Para Lehmann, o fato de que a reunião do dia 15 de agosto se deu sem a presença da Ucrânia ou de nenhum outro país europeu mostra exatamente a quem Donald Trump dá importância – e não é nenhum dos dois últimos. [Imagem: Reprodução/WikimediaCommons]

“Sem a Ucrânia isso não funciona. A Ucrânia vai continuar se defendendo enquanto tiver essa guerra”  

Kai Enno Lehmann

Por mais que, em um primeiro momento, Donald Trump e Vladimir Putin não tenham chegado a um consenso, disseram que o encontro havia sido produtivo e que teriam conseguido realizar progresso na discussão. A reunião se deu no Alasca, que antigamente pertencia ao Império Russo – algo que Putin não deixou de fora de seu discurso. A escolha do local também não foi por acaso: o presidente russo está sujeito a um mandado de prisão emitido pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) por ser “supostamente responsável pelo crime de guerra de deportação ilegal de crianças”. Por isso precisa evitar países signatários do Estatuto de Roma, que criou o tribunal em 2002.

Ao contrário da discussão entre o presidente dos Estados Unidos e da Ucrânia seis meses atrás, o segundo encontro no dia 25 de agosto terminou de forma pacífica. Com a mediação de chefes de Estado de outros países, como França, Alemanha e Inglaterra, Trump e Zelensky chegaram em um consenso para procurar uma saída diplomática do conflito que já perdura há mais de três anos.

Lehmann menciona que a participação dos líderes europeus nessa reunião elimina a possibilidade de uma repetição da primeira abordagem sofrida por Zelensky em fevereiro e representou, simbolicamente, o apoio desses países à Ucrânia e não à Rússia.

Nesse momento, segundo a agência Reuters, circula entre os diplomatas um rascunho da proposta de Putin para encerrar a guerra. O plano prevê a retirada parcial de tropas russas do norte da Ucrânia em troca do reconhecimento da anexação da Crimeia, da manutenção do controle do Kremlin sobre grande parte do Donbas, da promessa de que a Ucrânia não se juntará à Otan e do alívio das sanções internacionais contra Moscou. A decisão do presidente de ceder áreas do país contrasta com sua posição anterior, quando afirmava que essa medida violava a Constituição do país. 

Outro assunto debatido foram as garantias de segurança à Ucrânia contra outras possíveis investidas russas, algo de extrema importância para os ucranianos nessa decisão. Até o momento, os Estados Unidos têm evitado assumir qualquer compromisso nesse sentido – cargo que, possivelmente, ficaria com a Grã-Bretanha ou França –, mas essa postura pode mudar.

“As atuais negociações tem duas interpretações: Ou os russos estão exauridos ou estão comprando tempo para não negociar, afinal estão vencendo as batalhas”

 Feliciano de Sá Guimarães

A possibilidade de um encontro trilateral ou ainda que envolva Putin e Zelensky, para Lehmann, significa que o presidente russo teria que reconhecer a Ucrânia como um país legítimo. Exatamente por esse fator, o docente considera as chances desse encontro ocorrer bem baixas.

Impactos das decisões

Para Lehmann, existe uma dificuldade na previsibilidade dos próximos passos estabelecida na figura de Donald Trump: “Mesmo se a gente estivesse negociando um acordo de paz, um algo a respeito dessa guerra, ninguém sabe se Trump não vai mudar de ideia de novo amanhã, ou daqui uma semana, ou daqui um mês”.

“O maior objetivo do Putin, desde o início, é derrubar o regime de Kiev. É encontrar uma solução em que a Ucrânia não tenha soberania completa”, destaca Guimarães. [Imagem: Reprodução/X/@zelenskyyuaa]

“Ás vezes eu tenho a sensação que Donald Trump não sabe de manhã o que ele vai falar a respeito da Ucrânia à tarde”

Kai Enno Lehmann

O professor destaca que Putin não tem interesse em nenhum acordo de paz por acreditar estar vencendo o conflito e por achar que não enfrentará consequências  enquanto Trump estiver na Casa Branca – a exemplo de sanções econômicas ou entrega de armas para a Ucrânia que Trump ameaçou, mas nunca concluiu. Quando questionado sobre o porquê dessa falta de compromisso do presidente estadunidense, Lehmann responde: “eu acho que, no fundo, ele [Trump] não pune o Putin porque não vê nada necessariamente errado com aquilo que o Putin está fazendo”.

Ao levar em consideração as mínimas chances de um convencimento da parte de Trump para que o presidente da Rússia firme um acordo de paz,  Lehmann defende que a melhor alternativa seria simplesmente o governo norte-americano “dar” à Ucrânia tudo que ela precisa para vencer essa guerra, visto que sozinha ela jamais conseguiria. “A Ucrânia tem os melhores soldados e os melhores generais e, evidentemente, tem uma motivação muito maior do que os russos. Os ucranianos sabem exatamente porque eles estão lutando e continuando a lutar nessa guerra, porque eles estão defendendo a própria pátria e, aliás, defendendo a própria existência da Ucrânia como país.”, afirma Lehmann.

[Imagem de capa: Reprodução/X/@zelenskyyuaa]

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