Por Amanda Nascimento (amanda_nascimento@usp.br), Davi Alves (davi.palves@usp.br) e Fernanda Franco (fernanda.francoxavier@usp.br)
São Paulo enfrenta um grave episódio ambiental, climático, social e econômico. Uma onda de incêndios atingiu o estado em agosto e deixou 48 municípios em estado de alerta para queimadas. Até o momento, 11 suspeitos de participação nas queimadas foram presos, 66 pessoas ficaram feridas e duas perderam a vida. Segundo a Defesa Civil, setembro começa com risco de incêndios em grande parte do território paulista.
Durante as 24 horas da sexta-feira (23), o estado registrou 1.886 focos de fogo, número que supera os identificados no ano anterior inteiro (1.666). De acordo com os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o mês de agosto teve a maior detecção de focos desde o início dos registros, em 1998.
Agosto de 2024 supera antigo recorde, em 2010, com aumento de 1168 focos ativos.
O que dizem os especialistas
Em entrevista à Jornalismo Júnior, Ane Alencar, diretora de ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) e coordenadora do MapBiomas Fogo, aponta que a atividade de fogo em São Paulo foi acima do normal e que “a ação humana está sendo agente dessa ignição”. Ela explica também que o fogo natural é começado por raios, mas que não chovia no momento.
Uma análise do Ipam mostra que na sexta-feira (23) surgiram colunas de fumaça em um intervalo de 90 minutos, entre 10h30 e 12h. Mais de 80% dos focos ocorreram em áreas de uso agropecuário. “O que a gente consegue ver nas imagens de satélite demonstra que grande parte dos incêndios na região de Ribeirão Preto começou mais ou menos no mesmo horário”, afirma Ane.
“É muito estranho ter um dia em São Paulo queimando mais do que na Amazônia inteira, em um dos meses que mais queimam na Amazônia”
Ane Alencar
O tempo seco, em conjunto com a temperatura elevada, são condições que contribuem para o surgimento de focos. Esse cenário foi vivenciado pelos paulistas nos incêndios em São Paulo, segundo a professora Márcia Akemi Yamasoe do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP.
Já o vento é um fator que facilita o espalhamento do fogo. “Se não tiver vento, a chance do fogo começar e terminar ali mesmo é muito alta, mas quando começa a ventar, as fagulhas pulam e vai alastrando, e às vezes foge o controle. Esse processo é muito rápido, porque está muito seco”, destaca Márcia.
A professora explica que a situação climática da Amazônia impacta outras partes do Brasil. Por meio de um corredor natural de vento, a seca ou a umidade da floresta tropical é distribuída a diversas regiões, inclusive a sudeste, onde está São Paulo. Esse caminho, conhecido pelo fenômeno dos rios voadores, sofre influência de frentes frias e de barreiras físicas, como a cordilheira dos Andes.
“O problema é que a Amazônia está extremamente seca, então, ao invés de umidade, está trazendo fumaça”
Márcia Akemi
Riscos à saúde
As queimadas liberam grandes quantidades de poluentes em forma de material particulado (PM2.5) e gases tóxicos, como monóxido de carbono (CO), dióxido de carbono (CO2), dióxido de nitrogênio (NO2) e dióxido de enxofre (SO2), que, quando inalados, causam numerosos danos.
O Município de Águas Claras, no Distrito Federal, ficou com o ar contaminado por monóxido de carbono. Quando inalado, o CO impede que o sangue transporte oxigênio. [Imagem: Reprodução/X/@julliocardia]
Alguns efeitos imediatos da exposição a estes poluentes são: dificuldade para respirar, tosse, dor no peito, cabeça e garganta, somados a lacrimejamento e vermelhidão nos olhos. A longo prazo, a inalação dessas toxinas pode causar doenças como asma, bronquite e pneumonia, além de problemas cardiovasculares e no sistema imunológico. Crianças e idosos fazem parte da população de risco, assim como portadores de doenças respiratórias.
Em entrevista à Jornalismo Júnior, Ana Maria Malik, médica e professora titular da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV), reforça que a fumaça ainda viaja milhares de quilômetros, afetando, embora com menor intensidade, moradores de regiões afastadas do foco de incêndio inicial.
Para remediar esses impactos, Malik chama a atenção para a importância de manter uma boa hidratação, evitar sair de casa nos horários mais secos (normalmente entre 12h e 16h) e usar mecanismos de compensação em casa – por exemplo, bacias com água e toalhas molhadas. O Governo do estado de São Paulo também indica o uso de máscaras, preferencialmente PFF2/N95.
Tendo em vista que 48 municípios estão em alerta máximo para incêndios, existe a preocupação de sobrecarga no sistema de saúde. Por isso, um pacote de ações foi apresentado pela Secretaria de Estado da Saúde em parceria com o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (HC-FMRP-USP), que prevê a ampliação dos serviços de telemedicina.
O plano emergencial providencia o aumento na capacidade de atendimento na emergência e também inclui a criação de pontos de hidratação estratégicos na região.
Ribeirão Preto e Franca
Os incêndios em vegetações e canaviais no interior de São Paulo causaram transtornos em diversas cidades. Em Urupês, dois funcionários de uma usina morreram enquanto tentavam combater o fogo. Já em Ribeirão Preto, a região mais afetada, trechos das rodovias Cândido Portinari (SP-334), Carlos Tonani (SP-333) e Antônio Machado Sant’Anna (SP-255) foram totalmente bloqueados nos dois sentidos na sexta-feira (23). O aeroporto da cidade ficou fora de operação de sábado (24) a domingo (25).
“Todo ano tem essas queimadas, mas não em uma proporção tão grande como foi esse ano”, relatou a estudante de medicina veterinária, Paula Gonçalves, moradora de Ribeirão Preto. Segundo ela, o cheiro de queimado já vinha há cerca de três semanas, mas foi no sábado que a situação piorou. “Tinha muita fumaça. Primeiro, o céu ficou laranja e depois, por volta das quatro da tarde, completamente preto. Caía muita fuligem e não dava para enxergar nada, além do cheiro [de queimado] que estava muito forte”.
Céu completamente encoberto pela fumaça em Ribeirão Preto no sábado (24), às 16h. [Imagem: Acervo Pessoal/Paula Gonçalves]
“O cheiro era insuportável, simplesmente não dava para respirar fora de casa. É uma sensação desesperadora não conseguir respirar”
Paula Gonçalves
Sem carros nem pessoas nas ruas por conta da baixa visibilidade e má qualidade do ar, Paula conta que ela e sua família ficaram em casa durante todo o fim de semana. Eles fecharam todas as portas e janelas para impedir que a fumaça entrasse, colocaram toalhas molhadas nas frestas, ligaram o ar condicionado e utilizaram umidificador para conter o cheiro de queimado.
“Meu pai chegou até a usar máscara, ele tem bronquite e ficou tossindo muito. Eu tenho rinite e tive que tomar antialérgico”, contou ela. No entanto, mesmo dentro de casa e com todos esses cuidados, Paula e a família sentiram dificuldades para respirar.
A mesma experiência foi vivenciada a 89 km de distância por Luizy Santos, moradora de Franca. Ela contou que o corpo de bombeiros divulgou no sábado uma nota nas redes sociais, recomendando que a população evitasse sair de casa no fim de semana em decorrência dos incêndios. “Algumas aulas foram canceladas na sexta, por conta de professores que dependiam das rodovias para chegar na faculdade, e também nesta segunda, para limpar as escolas devido à fuligem”, disse ela.
Além da sujeira, dificuldade para respirar e se locomover, Paula destacou que a faculdade em que estuda acolheu muitos animais silvestres que fugiam dos incêndios. “Estava tendo muitos casos de animais queimados, tanto silvestres como domésticos. Tinha até ONGs recolhendo doações e também procurando animais machucados pela cidade”.
Goiânia
Os efeitos também foram sentidos em outras regiões do país. A cidade de Goiânia (GO) amanheceu encoberta pela fumaça no domingo (25). Um dos moradores, Gianlluca Leme, presenciou com espanto o céu nublado e a luz solar altamente avermelhada na parte da tarde. “Por mais que aqui seja uma região de Cerrado e seca, esse foi um evento bem atípico”, ressaltou ele.
Céu de Goiânia coberto pela fumaça no domingo (25). [Imagem: Acervo Pessoal/ Gianlluca Leme]
Ele lamentou que ocorrências como essa na região sejam normalizadas entre a sociedade. “Há um certo sentimento de impotência e até de dessensibilização ao ver como a gente tolera as queimadas aqui no Centro-Oeste”.
Leme acrescentou que, ano após ano, não existem medidas criadas para contornar ou mudar essa problemática. “Parece que se tornou algo da rotina, a gente reclama por dois dias e depois segue a vida”.
Ações de resposta
A situação levou o Governo do Estado de São Paulo a decretar, na sexta-feira (23), situação de emergência por 180 dias nas áreas afetadas e um gabinete de crise foi criado para solucionar o problema. O Governo Federal, por meio das Forças Armadas, enviou sete aeronaves para ajudar no combate ao fogo.
A Polícia Federal investiga as ocorrências de incêndio criminoso, especialmente nas regiões afetadas pelas queimadas. Entre domingo (25) e segunda-feira (26), duas pessoas foram presas em Batatais.
A Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, afirmou no último domingo (25) que não é natural em São Paulo a ocorrência de muitas frentes de incêndios, em diversos municípios simultaneamente, comparando o evento ao “Dia do Fogo” em 2019, no Pará. Além de São Paulo, Marina chamou atenção para a existência de queimadas na Amazônia e no Pantanal.
Do produtor rural às mesas brasileiras
Ao lado de problemas socioambientais, as queimadas no interior do estado prometem ainda impactar o bolso do brasileiro. Os estragos provocados pelo fogo – que incluem a destruição de áreas como as de criação de gado, de cana-de-açúcar, fruticulturas, extração de látex e apicultura – devem resultar no aumento no preço desses produtos.
Lavouras de cana-de-açúcar, que já vinham sofrendo com a seca desde abril, agora lidam com a destruição de 59 mil hectares de plantio, no que se estima ser um prejuízo de R$350 milhões para esses produtores. Segundo o boletim divulgado pela Secretaria de Agricultura e Abastecimento de São Paulo, totaliza-se R$1 bilhão em perdas para a economia do estado.
Para apoiar o agronegócio paulista, que representa quase 20% das exportações nacionais, o governo planeja distribuir R$110 milhões entre as 3.837 propriedades rurais atingidas pelas queimadas.
Imagem da Capa: Governo do estado de São Paulo