Oceanïc é uma megalópole localizada nas costas de uma tartaruga gigantesca. Uma das tantas cidades que se desenvolveu nas costas desses animais, abrigando uma civilização que não sabe mais o que é viver na superfície do planeta há tanto tempo e ninguém mais sabe como ou quando essa mudança aconteceu. Nesse mundo, se desenvolve a história de Rafael, Jonas e Tamires, três jovens que, por diferentes razões, acabam envolvidos num projeto secreto que inclui super poderes e o repovoamento das superfícies.
Essa é a história de Oceanïc (Dame Blanche, 2019, e-book), romance nacional de ficção científica escrito por Waldson Souza e que conta com romance e representatividade. O livro é dividido em prólogo e outras quatro partes.
A primeira parte é contada por Rafael, um jovem que trabalha numa das poucas redes de fast-food que ainda conta com pessoas como mão-de-obra — as outras têm apenas máquinas — e que, em um dos dias de trabalho, reencontra Jonas, uma antiga paixão com quem se relacionou por algum tempo há dois anos, até que ele desapareceu, deixando Rafael de coração partido e sem respostas. Apesar disso, depois de encontrar problemas em casa, Rafael passa a noite com Jonas e, desde então, começa a ter intensas dores nos olhos e ouvidos.
Na segunda parte, por sua vez, temos a visão de Félix, um jovem que não vive em Oceanïc, mas sonha em deixar a cidade em que vive. Nesse momento, o livro apresenta a ideia de que existe mais de uma cidade flutuando pelo mundo nas costas de animais gigantes e como elas desempenham diferentes funções. Pölen, terra natal de Félix, é uma cidade rural, com a única função de exportar milho para as outras cidades. Com pouca oportunidade de ascensão social, Félix e Laura — sua amiga e também seu primeiro amor —, sonham em deixá-la. Também é o trecho que traz uma grande reviravolta e justifica a entrada dos três personagens principais no experimento obscuro e secreto.
A terceira parte conta a história de Tamires, uma jovem mãe que busca se reintegrar à sociedade. Ela começa atuando na área de limpeza da empresa que desenvolve o experimento, mas por um deslize, acaba se tornando uma das cobaias.
A quarta e última parte fala sobre o plano e execução da fuga dos personagens de Oceanïc, momento crucial da narrativa, em que são expostos os super poderes gerados pelo experimento. Porém, a história perde um pouco de força nessa parte. As várias visões dos personagens enriquecem a narrativa e a deixam fluída, mas os últimos capítulos fazem a fuga parecer fácil, o que não deveria acontecer numa cidade tão vigiada e projetada como Oceanïc, da forma como foi construída pelo autor.
A narrativa de Oceanïc permite que se criem diversas perguntas ao longo da leitura. Perguntas que algumas vezes não têm respostas nem para os personagens, por exemplo, como foi a transição para as novas cidades e o que aconteceu para que a humanidade migrasse de forma tão definitiva. Entretanto, outros questionamentos acabam ficando em aberto, de forma que parece que o livro é uma introdução e que existirá uma continuidade. Isso fica bastante evidente com o final da história, em que não se sabe o que aconteceu com Tamires e Rafael, bem como Jonas inicia uma nova aventura.
A representatividade da obra e a facilidade com que o autor explora personagens de diversas etnias e orientações sexuais também são pontos positivos, ainda mais em uma distopia. A construção do universo é bastante visualizável, e isso é um mérito do autor, visto que o livro é muito descritivo em relação às cidades e à realidade dos personagens, bem como pela variedade de visões que Oceanïc traz. Em outras produções, uma multiplicidade de visões pode causar confusão ao leitor, mas a escrita de Waldson permite a identificação de cada um dos personagens, evitando dúvidas sobre quem é o narrador.
Apesar de, como já dito, o livro deixar perguntas e um desfecho, possivelmente, em aberto, isso não é um ponto ruim, visto que deixa a história ainda mais instigante e o leitor na espera de uma continuação.
*Imagem de capa: reprodução/Editora Dame Blanche