Convidada da Orquestra da Câmera da ECA-USP (OCAM) e dirigida por Carlinhos Antunes, a Orquestra Mundana REFUGI nasceu com o intuito de congregar músicos profissionais de múltiplas etnias e culturas, residentes ou de passagem em São Paulo. No domingo, dia 26 de agosto, o grupo mergulhou o Instituto Tomie Ohtake em música com uma apresentação gratuita e aberta ao público. Confira a cobertura da equipe de Audiovisual da Jornalismo Júnior nesta fotorreportagem, que, se prestarmos bastante atenção, quase ressoa os timbres e cadências que marcaram cada um dos ouvintes e espectadores desse espetáculo.
Por Caio Santana (caiosantana@usp.br) e Tamara Nassif (tnassif@usp.br)
O mês de agosto foi palco de dois eventos envolvendo refugiados e imigrantes no Brasil. Um bom e outro nem tão bom assim. Em São Paulo, refugiados e imigrantes de todos os cantos do mundo estrelaram a “Orquestra Mundana Refugi”, sob direção do compositor Carlinhos Antunes e regência do maestro Gil Jardim. Em Roraima, vimos vizinhos venezuelanos serem expulsos e terem todos seus pertences queimados por brasileiros revoltados com sua presença na cidade de Pacaraima.
Organizado pela Orquestra de Câmara da ECA-USP (OCAM), foram feitas duas apresentações em agosto: uma no Auditório do Ibirapuera, na sexta-feira dia 24; e outra no Instituto Tomie Ohtake, no domingo dia 26. Essas fotos são da segunda apresentação, a de domingo. Com uma disponibilidade de 60 cadeiras, o público foi muito maior do que o esperado. Mesmo assim, sentado ou em pé, todos puderam apreciar as apresentações.
Em contraste forte com as paredes vermelhas do Instituto Tomie Ohtake, se introduz Gil Jardim, o regente da Orquestra Mundana. Com movimentos precisos, ele ditava os timbres e as notas seguintes para os músicos em performance, além de inundar o Instituto com sua simpatia quase palpável. Talvez o que mais tenha contribuído para o sucesso da apresentação não tenha sido apenas os incontáveis ensaios que com certeza aconteceram nos bastidores, mas a energia e o esmero com que o maestro transpassava à equipe e ao público que se deleitava com o concerto.
Se por um lado estar no segundo piso dava uma visão privilegiada, por outro, ficava difícil fotografar com uma câmera na mão. Chegou um momento em que não tinha espaço para fotografar confortavelmente. Para fazer esse clique, foi necessário segurar bem a câmera, enrolar “a corda” muito bem no braço, ficar na ponta dos pés e torcer para que a foto pegasse um bom campo de visão. Depois do esforço, uma homem gentil cedeu seu “lugar VIP”. Fiquei agradecido.
A variedade de instrumentos é enorme. Temos piano, kanun árabe e turco, percussão, acordeão, saxofone, flauta, violino, cítara de martelo, bateria, contrabaixo, violocelo, bouzouki, viola, oboés, clarinetes, fagotes, trompas, trompetes e trombones.
De longe, o impacto que cada instrumento traz para o todo musical é quase imperceptível, quase como se a orquestra atuasse em um uníssono fantástico para os ouvidos desatentos. De perto, senti cada nota de cada instrumento vibrar dentro de mim de uma forma completamente inesperada. Confesso que às vezes abaixava a câmera apenas para fechar os olhos e ficar maravilhada com a história que instrumento – dos violinos e trompetes a timbal e bouzouki – me contava.
A dança das mãos tocando com precisão e maestria nos instrumentos foi uma das coisas mais lindas que já vi. Batida ali, batida acolá, jogos de pergunta-e-resposta, momentos solo. Achei impressionante o ritmo cadenciado tão diverso e tão congregador, e isso se tornou ainda mais impactante ao considerar que o concerto era, na minha cabeça, um reduto de música clássica, com violinos, violoncelos, oboés, clarinetes e trompetes. Ouvir o ressoar de instrumentos de percussão, como o timbal, foi uma surpresa fantástica e me mostrou como tudo cabe dentro do mundo musical – contanto que estejamos com ouvidos e mentes bem abertos para entender coisas que só são possíveis de ver e sentir bem com o coração.
Segurando firme a mão de sua mãe, o menino mantinha os olhos vidrados em cada movimento, em cada timbre. Talvez isso seja a ilustração perfeita de como a música fala uma língua universal. Ela cativa, dá refúgio, acalenta, impressiona, traz mensagens que o português – ou qualquer outro idioma – não comporta, e chega em cada coração de uma forma diferente, mas com a mesma beleza e o mesmo feitiço, independentemente de idade, etnia, religião, cor, orientação sexual, valores políticos. Ela universaliza ainda mais o que já é universal e o que há de mais humano no humano: a arte.
Esgueirada entre o público e maravilhada pela apresentação, achei especialmente impressionante a concentração de cada músico em fazer o seu som soar magistral. Seria uma desfeita sem tamanho não exaltar o cuidado e o esmero de cada artista na composição sonora da Orquestra.
A apresentação não foi baseada apenas na execução de todos instrumentos e da cantoria de todos vocais. Muitas etapas haviam performances individuais (geralmente instrumental) ou em grupo (cantores, violinistas, etc.).
A orquestra foi composta por artistas refugiados e imigrantes, além de brasileiros, claro. Eles vieram de muitos países, tais como: China, Congo, Cuba, França, Guiné, Irã, Palestina, Síria e Tunísia.
Nesse momento, a cantora brasileira Paula Mirhan, olha para a câmera fotográfica da Jornalismo Júnior. Do segundo piso de entrada do Instituto, era possível assistir a apresentação com uma boa visão de baixo. A acústica poderia ser melhor, pois o local não era o mais apropriado para uma apresentação de orquestra. Porém, tudo se relativiza quando misturado vozes e instrumentos intercontinentais.
Trajando cores vibrantes e dançando ao som da música, Mariama Camara banhou o público do Instituto com sua luz e voz estonteante. Refugiada da Guiné-Conacri, está no Brasil desde 2008 e veio para cá difundindo a cultura de seu país e, nesse processo, conheceu o projeto Refugi de Carlinhos por meio de um amigo de uma amiga colombiana. Conversando com a Jornalismo Júnior, ela disse: “a música é uma coisa muito especial para mim. Toda a minha vida é música. Eu sou artista, dançarina, percussionista e cantora. Música é tudo para mim, é um remédio muito forte. Esse grupo é um intercâmbio em que cada um dá o melhor de si, e isso é maravilhoso. É algo que eu queria participar há muito tempo, e estou feliz de estar aqui, deixando um pouquinho do que tanto amo e faço em cada um que estava aqui assistindo e se divertindo. Não dancei hoje, porque não tinha muito espaço, mas se não vocês amariam muito mais.”
Oula Al-Saghir, nascida na Palestina e refugiada síria, fez um verdadeiro espetáculo com sua voz. Ela está no Brasil desde 2015, e foi aqui que começou a ter contato com música, apesar de, desde pequena, cantar com a família e em corais de escola. Na Síria, trabalhava em empresas de agricultura antes da Guerra que assolou o país, e, ao vir para cá, conheceu Carlinhos em um pequeno projeto antes de integrar o Mundana REFUGI. Sorrindo, nos contou: “eu acho que a música é uma língua mundial: você não precisa falar o mesmo idioma, nem tocar a mesma melodia, e isso é lindo de ver. Cada pessoa aqui trouxe a própria cultura e nós conseguimos fazer um arranjo, uma mistura maravilhosa, para tocar cada pessoa aqui de uma forma única.”
Tanto Hidras Tuala quanto Leonardo Matumona vieram da República Democrática do Congo e preencheram o Instituto com seus vocais belos e tão singulares. Ambos vieram ao Brasil em 2013 e já tinham um projeto solo de música. Conheceram Carlinhos, que sabia do trabalho dos rapazes, no SESC Consolação por meio de um projeto dele vinculado ao Refugi. “A gente já vem cantando faz tempo, e quando a gente canta sempre vem aquela sensação de alegria, de emoção. E dá para perceber que o público nos acolhe de uma forma muito boa e nos ouve com o coração, mesmo”, disse Leonardo, tirando palavras da boca de Hidras.
Uma vista de cima. Foi a partir desse local que o maestro comandou do início ao fim toda a preparação e execução da apresentação. Havia acabado. Os instrumentos estavam parados ou sendo guardados. No púlpito, apenas as folhas com as letras e cifras das canções cantadas e instrumentais. Na nossa memória, ficava a emoção de ter presenciado a alegria de povos de diferentes cantos do mundo reunidos em razão da música. Música que transforma. Música que alegra. Música que revoluciona.