Hoje é um dia feliz para o futebol brasileiro e sua seleção masculina. Um dia depois de uma conquista continental invicta, o clima é de festa. Entretanto, há cinco anos, o ambiente era totalmente diferente. Em 8 de julho de 2014, o Brasil alcançava o mais baixo patamar em toda a sua história futebolística. A derrota por 7 a 1 em uma semifinal de Copa do Mundo, diante da Alemanha, e em casa, foi uma humilhação nunca antes vivida pelo país no esporte em que é rei. E o Arquibancada relembra essa história, explicando as razões e os impactos do capítulo mais melancólico vivido pela seleção canarinho em sua história.
Os caminhos até o Mineirão
Desde que foi realizado, em dezembro de 2013, o sorteio dos grupos que integrariam a Copa do Mundo de 2014 não criou grandes preocupações para a equipe de Luiz Felipe Scolari. A seleção brasileira teria pela frente duelos contra Croácia, México e Camarões, até então 20ª, 18ª e 51ª colocadas no ranking de seleções da FIFA respectivamente. Nada comparável ao terceiro lugar ocupado pelo Brasil nessa classificação.
Também contribuiu para o favoritismo brasileiro o trabalho, até então inquestionável, de Felipão. O técnico da conquista do penta retornou ao comando da seleção em 2013, após deixar um rebaixado Palmeiras. Até a Copa, tinha 22 jogos, 16 vitórias e uma Copa das Confederações no currículo.
Seu primeiro desafio de 2014 aconteceu em 12 de junho, na Arena Corinthians, em São Paulo. Mais de 60 mil pessoas reuniram-se para acompanhar de perto a abertura da Copa do Mundo com o embate entre Brasil e Croácia. Os primeiros minutos do espetáculo foram suficientes para abalar o otimismo do torcedor brasileiro. Isso porque, logo aos 10 minutos de jogo, o lateral-esquerdo Marcelo marcou um gol contra.
Apesar da infelicidade, o jogo ainda não estava decidido. Sem dúvidas, o verdadeiro responsável por mudar esse cenário foi Neymar com dois gols. Outro que também ganhou destaque foi Oscar, meio-campista do Chelsea, que terminou o jogo com um gol e uma assistência. A seleção estreou relativamente bem com um 3 a 1 sobre a Croácia.
Cinco dias depois, o desafio seria o México. As boas atuações contra a Croácia não se repetiram, mas o grande obstáculo para que o Brasil não saísse vitorioso foi o goleiro mexicano Guillermo Ochoa, com quatro defesas decisivas. Como resultado, um frustrante 0 a 0 na Arena Castelão, em Fortaleza.
Pelos cinco gol sofridos e nenhum marcado, a seleção de Camarões não dava indícios de que traria dificuldades para o Brasil. Assim, a seleção conseguiu pressionar, tabelar e aproveitar os erros do adversário para garantir um 4 a 1. A classificação para a fase de mata-mata estava garantida com a primeira colocação no grupo.
Em entrevista ao Arquibancada, André Henning, narrador do Esporte Interativo, afirmou: “a campanha não foi ilusória. O Brasil, geralmente, tinha muita facilidade para passar da primeira fase de Copa do Mundo. Quase ficou fora nas oitavas e teve um jogo delicado nas quartas. Não foi uma campanha que o Brasil estava ‘deitando’ antes do 7 a 1”.
Do outro lado, mesmo se apresentando como a grande favorita de seu grupo, a Alemanha não escapou de surpresas. Em relação ao Brasil, seu caminho era mais difícil, tendo Portugal, Gana e Estados Unidos como oponentes.
O começo dessa trajetória foi bastante promissor. A seleção alemã goleou com facilidade a portuguesa de Cristiano Ronaldo por 4 a 0, com direito a hat-trick de Thomas Müller, ídolo do Bayern de Munique e futuro vice-artilheiro da competição.
O confronto seguinte indicava uma nova goleada. A Alemanha enfrentaria a Gana, que terminou o torneio de 2014 sem vencer nenhum jogo. Contudo, o resultado foi bastante diferente do imaginado. Com quatro gols marcados nos 45 minutos finais, o duelo da segunda rodada da Copa do Mundo consagrou-se como um dos melhores da competição. O resultado final foi 2 a 2, com técnica de um lado e raça do outro.
O último obstáculo que separava a Alemanha das oitavas de final eram os Estados Unidos. As duas seleções possuíam, até então, uma vitória e um empate, divergindo apenas no saldo de gols. Na Arena de Pernambuco, os alemães venceram os norte-americanos por 1 a 0, com mais um gol de Thomas Müller.
Apesar dos últimos resultados, a seleção alemã tinha um trunfo para o restante do torneio. O técnico alemão Joachim Löw havia assumido a equipe em 2006. Criou-se, então, um conhecimento único daquele elenco, principalmente dos meio-campistas Thomas Müller e Mesut Özill, nomes importantes para o terceiro lugar na Copa de 2010 e para a classificação invicta ao torneio realizado no Brasil em 2014.
No fim das contas, Brasil e Alemanha terminaram a fase de grupos da Copa do Mundo de 2014 com a mesma quantidade de pontos e também com o mesmo saldo de gols. As duas vitórias e um empate renderam às seleções sete pontos e cinco gols de saldo. A história contada na fase de mata-mata, porém, seria bastante diferente para cada uma delas.
Prenúncios de uma tragédia
“Uma goleada desse tamanho não tinha indícios. Depois que acontece, você olha para trás e até vê alguns erros, mas naquele momento, não se via indícios de uma goleada desse tamanho, não chegava nem perto”. As palavras de André Henning expressam bem o sentimento do torcedor brasileiro diante do ininterrupto balançar das redes no estádio do Mineirão. Porém, um placar histórico como aquele, em uma semifinal de Copa do Mundo, não pode ter acontecido somente pelo acaso.
Depois de uma campanha aceitável na fase de grupos, o Brasil enfrentou o Chile nas oitavas de final. O jogo, dificultado pela boa seleção chilena, terminou o tempo regulamentar em 1 a 1. Nos pênaltis, o brasileiro Júlio César fez duas defesas e garantiu a classificação por 3 a 2.
Após a dramática partida das oitavas, a seleção brasileira enfrentaria a surpreendente Colômbia de James Rodríguez, que havia ganhado todas as partidas no torneio, eliminando, inclusive, a tradicionalíssima seleção uruguaia por 2 a 0. Contra o Brasil, ofereceu a mesma dificuldade. A partida, marcada por muita tensão, terminou em 2 a 1 para os brasileiros.
As maiores emoções do jogo, porém, não se limitaram aos gols. Aos 41 minutos do segundo tempo, Neymar fraturou uma vértebra após ser atingido nas costas pelo lateral-direito colombiano Camilo Zúñiga. O craque brasileiro estava fora da Copa. A perda se deu principalmente na qualidade técnica da seleção, pois Neymar, além de exercer muito bem a função de ala, com drible e velocidade, também articulava as jogadas pelo meio, características escassas na convocação de Felipão.
Estava fora daquela equipe um dos candidatos a melhor da competição, com quatro gols e uma assistência nos cinco jogos do Brasil. “O Neymar teve uma ausência importante, ele era muito dono daquele time. Se ele tivesse em campo [no jogo contra a Alemanha], poderia ter sido um pouco diferente. Classificar é uma outra história, mas teria sido um outro combinado”, afirma André Henning.
Outra baixa decorrente do confronto contra a Colômbia foi a do zagueiro Thiago Silva. O capitão brasileiro tomou o segundo cartão amarelo e estava fora da semifinal contra a Alemanha.
Para a vaga de Neymar, Felipão decidiu colocar Bernard, campeão da Libertadores da América pelo Atlético Mineiro um ano antes e que, na Copa do Mundo de 2014, havia jogado somente 75 minutos dos quase 500 disputados pela seleção até aquele momento.
Para compor a dupla de zaga junto a David Luiz, o escolhido foi Dante, do Bayern de Munique. Diferente de Bernard, Dante não havia jogado nenhum minuto sequer no torneio.
Os problemas da seleção brasileira extrapolavam o fator técnico e chegavam à escala psicológica. O impacto de ter seu melhor jogador fora do time, sem dúvidas, abalou alguns membros do elenco de 2014. A Confederação Brasileira de Futebol (CBF), já criticada por retomar nomes da velha guarda como o do próprio Felipão e o de Carlos Alberto Parreira, passou a se preocupar em trazer o craque Neymar para o vestiário a fim levantar o ânimo dos atletas.
Por dificuldades logísticas que envolviam fretar um avião com equipamentos médicos de uma UTI em São Paulo para o estádio do Mineirão, em Belo Horizonte, a operação não foi concluída. O problema dos brasileiros seria agora enfrentar uma das mais fortes seleções daquela Copa.
A partida que virou passeio
No dia 08 de julho de 2014, a semifinal da Copa do Mundo, realizada no Mineirão, entraria para a história. Uma vitória brasileira constituiria um exemplo de superação diante da poderosa Alemanha. Já uma classificação dos europeus significaria o fim do sonho canarinho de conquistar em casa a maior competição entre seleções. Entretanto, aqueles 90 minutos de futebol simbolizaram muito mais do que isso.
Luiz Felipe Scolari teve que tomar uma decisão importante na escalação: escolher o substituto de Neymar. Bernard tomou a posição do craque, alteração malvista pela maioria dos especialistas, que acreditavam na entrada de Ramires ou Willian como uma maneira de melhorar a equipe defensivamente. Enquanto isso, o técnico alemão Joachim Löw manteve os mesmos onze jogadores que iniciaram a partida contra a França na fase anterior da Copa do Mundo.
Os dois times entraram em campo e a atmosfera que envolvia o Mineirão era intensa. Os jogadores brasileiros se alinharam com as mãos nos ombros de seus companheiros e cantaram o hino nacional de maneira fervorosa. Posaram para a foto do jogo segurando uma camisa de Neymar. Já os alemães, que entraram sem alarde, se destacariam pelo futebol apresentado durante os 90 minutos.
Após o apito inicial do árbitro mexicano Marco Rodríguez, o Brasil tentou estabelecer uma pressão. A torcida estava empolgada, os jogadores brasileiros demonstravam vontade e tentavam atacar, enquanto os alemães tinham dificuldades na saída de bola.
Porém, o cenário não continuou assim por muito tempo. Os europeus passaram a impor sua qualidade aos poucos, aproveitando os espaços fornecidos pelo Brasil. Até que, aos 11 minutos do primeiro tempo, a Alemanha teve um escanteio. O cruzamento de Kroos encontrou Müller livre para abrir o placar. 1 a 0.
Após o gol, os brasileiros tentaram de maneira desorganizada empatar o jogo. A posse de bola era do time da casa, mas eles não sabiam o que fazer com ela. David Luiz, defensor com vocações ofensivas, tentou exercer uma função de criação, mas expôs o sistema defensivo canarinho e também não foi efetivo no ataque.
Ao contrário da Seleção Brasileira, que tinha a bola mas não criava, os alemães eram precisos. Em quatro passes, desorientaram Dante e David Luiz, que só assistiram ao gol de Klose, no rebote. 2 a 0 em 23 minutos. E foi nesse instante que a partida começou a virar passeio.
Um minuto depois, mais uma jogada ofensiva da Alemanha. Cruzamento na área, seis defensores brasileiros voltavam sua atenção a tudo, exceto Kroos. Ele chutou de perna esquerda e Júlio César nada pôde fazer. 3 a 0 em 24 minutos. Torcida e jogadores brasileiros já estavam desolados.
O Brasil precisava de calma no jogo, porém, a fragilidade emocional da equipe foi exposta já na saída de bola. Ninguém avisou Fernandinho que Kroos estava perto e o volante brasileiro foi desarmado. O alemão tabelou com Khedira, que o deixou completamente sozinho para marcar mais um. 4 a 0 em 26 minutos.
Três minutos depois, em uma jogada iniciada pelo zagueiro Hümmels, que se livrou de três marcadores com um corte e um passe, a bola chegou a Khedira. Ele tabelou com Özil, saiu da marcação brasileira e tocou para o gol. 5 a 0 para a Alemanha.
Em 29 minutos, os europeus fizeram algo inédito na história do futebol. O Brasil, nas suas 102 partidas em Copas do Mundo até então, nunca havia perdido uma partida por mais do que três gols de saldo. E havia sofrido cinco gols somente em uma oportunidade, a épica vitória por 6 a 5 diante da Polônia, em 1938.
Com esse placar elástico, o sonho do título mundial em casa e o prestígio da seleção mais tradicional do mundo futebolístico se perderam em um “apagão”. Já a Alemanha, percebeu que poderia se poupar para a final da Copa e não “jogar sério”.
Assim terminou o primeiro tempo. “Estava voltando de viagem, no avião. Os passageiros com acesso ao resultado do jogo falavam que estava 5 a 0 no fim do primeiro tempo. Ninguém acreditou até conferir na televisão. Achávamos que era brincadeira” relata um torcedor.
Com o intuito de diminuir o vexame, Felipão decidiu tirar Hulk e Fernandinho para dar lugar a Ramires e Paulinho. O Brasil finalmente criou boas jogadas, mas parou no goleiro Neuer. Já os alemães não precisavam de muito para serem ainda mais perigosos e fizeram mais um aos 24 minutos. Schürrle, que entrou no lugar de Klose durante o segundo tempo, empurrou para as redes após passe de Lahm. 6 a 0.
Nove minutos depois, novamente, Schürrle marcou. Motivado a conseguir a titularidade na final, ele acertou um belo chute de perna esquerda para marcar seu segundo gol. 7 a 0.
Quando todos esperavam o fim da partida, Oscar fez o que normalmente seria chamado de “gol de honra” para o Brasil. Normalmente, porque a honra carregada pela amarelinha se esvaiu muito antes do apito final. 7 a 1 para a Alemanha na maior goleada em uma semifinal de Copa do Mundo na história.
O 7 a 1 reverberou como deveria?
O Brasil já possuía uma decepção em Copas do Mundo aqui sediadas. O Maracanazo, derrota por 2 a 1 para o Uruguai na partida que decidiu o mundial de 1950, era considerado uma humilhação na história canarinho. Porém, após o 7 a 1, o revés para os uruguaios passou a ser normal. O brasileiro conheceu de fato a humilhação futebolística em 2014, diante de um adversário que pouco se esforçou para golear e exterminar a honra da Seleção Brasileira.
A Alemanha se sagraria campeã do mundo cinco dias depois, diante da Argentina. Mesmo enfrentando dificuldades, que não existiram no jogo contra o Brasil, os europeus marcaram na prorrogação e venceram por 1 a 0. Gol que consagrou o trabalho de Joachim Löw e a geração planejada de jogadores, em que alguns foram revelados em programas de prospecção de talentos ao longo de todo o país.
Já o Brasil sentiu o impacto do 7 a 1 por um bom tempo. Depois do passeio alemão, ainda houve uma melancólica disputa de terceiro lugar contra a Holanda, vencida pelos europeus por 3 a 0. Mais uma amostra de que havia um longo trabalho pela frente para retomar os grandes dias da Seleção Brasileira.
Após o vexame em casa, houve a condenação de alguns nomes. Felipão e sua comissão técnica foram duramente criticados e considerados retrógrados. E muitos jogadores, como Dante, David Luiz, Fred e Bernard, foram considerados os símbolos de uma “geração 7 a 1”. Sobre essas críticas, André Henning afirma: “Obviamente eles são responsáveis, bem responsáveis. Todos tiveram falhas, até certo ponto bizarras, mas eu acho que é excessivo o que fazem com eles. (…) A carga ficou um pouco pesada demais para esses jogadores”.
Além de apontar culpados, a imprensa e o meio futebolístico discutiram o que deveria ser feito para reverter a situação. Foram apontados problemas como a desatualização tática dos treinadores brasileiros, a deficiência na formação de novos talentos e a fraqueza da liga nacional. Porém, a CBF ignorou o clamor por renovação e apostou no velho conhecido Dunga. Seu trabalho durou somente dois anos, não resistindo às campanhas decepcionantes nas edições de 2015 e 2016 da Copa América e ao começo inconsistente nas Eliminatórias.
Após Dunga, apostou-se no nome mais querido pelo povo brasileiro: Tite. O então campeão brasileiro pelo Corinthians tinha a popularidade e o conhecimento tático como trunfos para levar a Seleção de volta às glórias. Missão cumprida, dado que o Brasil teve a melhor campanha das Eliminatórias e, em 2019, venceu a Copa América em casa. Mas mesmo assim, o técnico da Seleção é contestado, especialmente por conta da eliminação para a Bélgica na Copa do Mundo de 2018, em derrota por 2 a 1.
Isso demonstra traços enraizados no futebol brasileiro. O imediatismo e impaciência, mesmo com bons resultados, são comuns. E a revolução prometida após o fracasso em 2014 está muito longe de acontecer, principalmente com um Campeonato Brasileiro ainda irrelevante em âmbito mundial e resistente a inovações táticas.
Isso demonstra como o 7 a 1 não foi um acaso. Acreditar que nossos técnicos não precisam estudar o futebol moderno, que o Brasil irá revelar talentos mesmo sem trabalho de base e que somos superiores a qualquer adversário são algumas dessas posturas. Tudo isso, acrescido a desfalques, instabilidade emocional e um excelente adversário, culminou no 7 a 1. O dia em que morreu o orgulho da Seleção Brasileira.