Após oito anos de espera, o cantor e compositor Bob Dylan volta à cena musical com dez canções inéditas em Rough and Rowdy Ways, o 39º álbum de sua carreira, lançado no último dia 19. O título é uma referência à canção My Rough and Rowdy Ways, de Jimmie Rodgers, lançada nos anos 1920 e que fala sobre a impossibilidade de “sossegar” (do inglês, “settle down”).
De fato, Dylan se mostra longe de sossegar em seu novo álbum. O material reflete a maturidade de quem já tem muita bagagem, mas continua a abranger inúmeros significados em cada canção. Aos 79 anos, ele fala sobre história, religiosidade, cansaço, amor e morte, de forma serena e melancólica.
O álbum começa com a faixa I Contain Multitudes, uma ode às múltiplas facetas e à mortalidade do ser humano. O ritmo lento e os longos espaços entre as falas conferem à canção um ar reflexivo de quem aceita as contradições que nos fazem singulares e o fato de que “as flores estão morrendo, como tudo morre”.
O álbum segue com uma atmosfera envolvente e um tanto mística nas faixas False Prophet e My Own Version of You. Nesta última, a narrativa se aproxima da morbidez, embora a melodia desperte a sensação de suspense divertido: o eu lírico brinca de deus ou do criador de Frankenstein, montando uma pessoa que é um aglomerado de referências.
I’ve Made Up My Mind to Give Myself to You tem um estilo parecido com as origens do rock’n’roll. A música retoma o clima mais leve e fala da entrega (talvez ao amor) como forma de superar a solidão quando já se viu muito do mundo. O tema de já ter trilhado um longo caminho também é a base de Black Rider, mas nesta canção não há inocência: o cavaleiro negro do título é uma figura que perturba a paz de quem tenta se reconciliar com as próprias experiências.
Dylan não poupa referências à religiosidade e à mitologia nas faixas Goodbye Jimmy Reed e Mother of Muses. Na primeira, predomina o tom de alegre despedida, com um blues mais clássico e solos de gaita em homenagem ao cantor Jimmy Reed, morto em 1976. Já na segunda, o cantor nos lembra que viver também resulta em certo cansaço e que às vezes precisamos de uma canção de ninar a respeito da natureza e dos heróis, fictícios ou reais.
Os turbulentos caminhos retratados no álbum passam ainda pela Itália, na faixa Crossing the Rubicon, e pela Flórida, no country Key West. É difícil não encarar a travessia das águas vermelhas do rio Rubicão como uma aceitação da morte, ou o tributo à cidade Key West como uma viagem nostálgica pelas lembranças de uma vida. No seu fim, aguarda uma “terra encantada”, de inocência, pureza e imortalidade.
A última faixa, Murder Most Foul, começa com uma reflexão sobre a morte de John F. Kennedy, ex-presidente estadunidense assassinado em 1963. Mas a canção vai muito além desse fato histórico. Arranjos de piano, violino e bateria conduzem o ouvinte pelo universo da cultura dos anos 60. A faixa tem uma duração de quase 17 minutos e aparece em muitos serviços de streaming como um “CD 02”, separada das nove faixas iniciais.
Ao longo de todo o álbum, o cantor se mantém fiel às impressões que o levaram ao folk, no início da carreira. Em entrevista concedida ao editor Cameron Crowe na época de lançamento de seu álbum Biograph (1985), o cantor teria dito que no folk as canções continham mais tristeza, fé no sobrenatural e sentimentos profundos. Esses mesmos sentimentos podem ser percebidos nas letras e melodias de Rough and Rowdy Ways, dessa vez com o olhar experiente de quem contempla toda uma vida e o mundo inteiro.