A quarta edição da FLIPOP (festival de literatura pop) da Editora Seguinte (selo jovem da Companhia das Letras) ocorreu ao vivo no YouTube, de forma gratuita. A programação consiste em 16 bate-papos, com autores nacionais e estrangeiros, distribuída ao longo de quatro dias, entre 9 e 12 de julho. Confira o que rolou nos dois últimos dias do evento:
Dia 11/07, sábado
“Explorando outros gêneros literários”, com Aryane Cararo, Luiza de Souza e Samuel Gomes
Por Luanne Caires
No sábado (11), a FLIPOP trouxe à tona o debate sobre diversidade, tanto de formatos das obras quanto de características dos personagens representados.
O dia começou com a mesa Explorando outros gêneros literários, com a participação dos autores Aryane Cararo, Luiza de Souza e Samuel Gomes. A combinação foi certeira para representar gêneros que fogem do romance ficcional e passam por histórias em quadrinhos, autobiografia e coletânea de histórias de vida de refugiados no Brasil. A mediação ficou por conta da jornalista, livreira e produtora cultural Nanni Rios, que soube conduzir a conversa de forma bastante dinâmica.
Em clima descontraído, os convidados abordaram o tema que permeou toda a discussão: como histórias e seus diferentes formatos podem dar voz a grupos minoritários e estimular a compreensão em relação a si próprio e ao outro. A conversa passou também pelo impacto da religião na construção da identidade individual. Para os convidados, muitas vezes a religião se afasta da mensagem de amor e acolhimento ao oprimir expressões físicas e comportamentais da negritude, de grupos LGBTQIA+ e de outras minorias sociais. Por fim, os participantes falaram sobre como pessoas que ocupam posições privilegiadas têm um papel importante em criar espaços de inclusão e representatividade.
Só faltou o aprofundamento nos desafios de mercado enfrentados por gêneros literários distintos. Mas a falta foi detalhe. A participação intensa do público, por meio do chat ao vivo do YouTube, evidenciou o poder da mesa em reforçar o senso de comunidade e empoderamento na construção de um mundo mais acolhedor à diferença.
“Ninguém é uma coisa só”, com Rebeca Kim, Elayne Baeta e Gabriel Mar
Por Luanne Caires
A segunda mesa do dia, Ninguém é uma coisa só, foi mediada pelo autointitulado “bookaholic” (viciado em livros) Alec Costa e contou com a participação dos autores Rebeca Kim, Elayne Baeta e Gabriel Mar. A conversa manteve o estilo de descontração da primeira mesa, mas teve um clima mais jovial, reflexo da menor faixa etária dos convidados.
O foco da discussão também foi a representatividade de minorias, mas agora mais voltada à apresentação de personagens complexos que desconstroem estereótipos. Os participantes falaram sobre os desafios de criar personagens que tenham múltiplas facetas, como as pessoas do mundo real, e relataram como o sentimento de não se sentirem representados os estimulou a escrever novas histórias. As dificuldades da publicação independente e a importância de valorizar a base de leitores também foram temas da conversa.
Os pequenos problemas de conexão à internet não atrapalharam a profundidade da discussão, que foi acompanhada com euforia pelo público. Com várias referências à música AmarElo, do Emicida, os participantes conseguiram deixar claro que eles e todas as pessoas são mais do que os preconceitos enfrentados. Afinal, é como diz a canção: “Permita que eu fale, não as minhas cicatrizes / Achar que essas mazelas me definem é o pior dos crimes”.
“Lendo na pré-adolescência”, com Carol Christo, Jim Anotsu e Thalita Rebouças
Por Pedro Ferreira
Na terceira mesa do dia, houve uma conversa sobre a literatura infanto-juvenil, com foco no público pré-adolescente. Os convidados foram Carol Christo, autora das histórias da Magali nos livros Uma viagem inesperada e Um convite inesperado da Turma da Mônica Jovem; Jim Anotsu, autor de romances como A Batalha do Acampamonstro, e Thalita Rebouças, autora de títulos como Fala Sério, Mãe!. O mediador foi Adriel Bispo, que aos 12 anos possui o maior perfil literário do Brasil no Instagram.
Em um diálogo descontraído e animado, os convidados contaram sobre seus processos de escrita, as adaptações que fazem para diferentes mídias e a evolução que apresentaram desde o início de suas carreiras. Também discutiram temas sociais importantes como o incentivo à leitura entre o público pré-adolescente, o cuidado com as postagens nas redes sociais e a diversidade presente em suas obras.
Ao final, Jim deu um emocionante depoimento sobre como a literatura o ajudou a enfrentar o período conturbado de sua infância e adolescência, o que levou todos os convidados às lágrimas.
Bate-papo com Kiersten White”
Por Pedro Ferreira
Na última mesa do dia, Bruna Miranda, criadora e estrategista de conteúdo freelancer, entrevistou a estadunidense Kiersten White, autora de livros como A Farsa de Guinevere e A sombria queda de Elizabeth Frankenstein. A conversa contou com a excelente tradução de Érica Imenes, jornalista e coapresentadora do podcast KPAPO, que impressionou Kiersten com sua habilidade comunicativa.
A simpática autora contou sobre seus hábitos ao escrever, sua preferência pelos livros de fantasia e o processo de criação das suas personagens mulheres. “Como uma menina que cresceu em uma comunidade conservadora, eu não podia ter raiva, eu não podia ter ambição. Então, todas as minhas personagens são uma forma de eu explorar jeitos diferentes de ser forte”, afirma Kiersten. Entre momentos mais leves e outros mais sérios, ela também foi questionada sobre as dificuldades do mercado editorial e disse que é necessário encontrar um equilíbrio entre a parte criativa e a mercadológica.
As três participantes tiveram desenvoltura para driblar alguns problemas de conexão da internet durante a conversa, que se manteve fluida apesar disso. Kiersten encerrou sua participação com um elogio aos fãs brasileiros e revelou que os autores estrangeiros conhecem bem a paixão e a alegria dos leitores do país.
Dia 12/07, domingo
Por Filipe Albessu Narciso
“Leitura obrigatória ou leitura de férias?” com Adriana Falcão, Iris Figueiredo e Janaina Tokitaka
Na primeira mesa do último dia da Flipop, três escritoras encantadoras debateram a separação entre as leituras escolares obrigatórias e a relegação de livros com sucesso de venda à categoria de “leitura de férias”. Com mediação de Patrícia Metzler, que trabalha com a divulgação de livros de literatura infantojuvenil, abordou-se inicialmente uma pesquisa que afirmava que a faixa etária com maior incidência de leitores está entre os 11 e os 17 anos.
As palestrantes compartilharam experiências íntimas com a leitura durante sua infância e adolescência. Essas histórias denotavam tanto os desafios quanto os prazeres de um letramento que, muitas vezes, era institucionalmente limitado devido às obrigações escolares não sintonizarem com os desejos do indivíduo leitor. Adriana, roteirista, colunista e escritora de Mania de explicação (2001), evidenciou isso com o relato de estudar em um colégio conservador durante a Ditadura Civil-militar. “Eu me perguntava ‘mas tem tanto livro bom, por que eu tenho que ler esse ruim?’”.
A mesa discorreu então sobre a criação de uma dicotomia entre clássicos e leituras populares, prática que gera noções de baixa e alta cultura. De acordo com Janaina, roteirista de televisão e escritora de ABCDelas (2019), esses rótulos são limitantes, pois várias obras canônicas de hoje já foram literatura popular de outras eras. Ela reforçou, ainda, que a leitura erudita é questionada atualmente por ser pouco inclusiva e focada em perspectivas caucasianas, heterossexuais e masculinas.
Baseadas no exemplo do livro Céu sem estrelas (2018) de Íris, todas as integrantes da mesa concordaram na relevância em abordar temas difíceis do mundo adolescente em sala de aula, apesar das dificuldades, uma vez que isso pode despertar o interesse pela leitura, além de também auxiliar na discussão desses tópicos que são tabus para a sociedade.
“Jovens que fazem poesia; jovens que leem poesia” com Bruna Vieira, João Doederlein e Lorena Pimenta.
Mediada pelo graduando de letras Paulo Santana, a segunda mesa do dia contou com a presença de três poetas contemporâneos a fim de discutir a questão do apelo da poesia hoje e o aumento de seu alcance. Bruna Vieira, escritora de A menina que colecionava borboletas (2014), João Doederlein, o Akapoeta nas redes sociais e autor de Coração-granada (2018), e Lorena Pimenta, coautora da obra coletiva Chorar de alegria (2019) debateram as novas formas de se propagar seu conteúdo poético e o novo perfil do leitor de poesia.
Lorena defendeu que no contexto vigente a poesia é mais acessível, menos erudita. João estava de acordo e acrescenta a ideia da simplificação da linguagem poética como um importante fator de acessibilidade, mas também sua dispersão em redes sociais e novas formas de conteúdo. Akapoeta expôs estratégias de publicações de conteúdo textual em redes sociais, considerando-se que a maioria delas privilegia imagens. Bruna cita, também, que já publicou uma declamação de seu poema no YouTube e divulgou conteúdo poético em forma de podcast. Lorena pediu para que poetas amadores não se limitem: deve-se apostar no que é único e conhecer seu público. Ela afirmou, como exemplo, que já realizou uma live sarau com música e poesia.
Ponto alto da mesa foi a trajetória de Lorena. Perguntada sobre qual escrito próprio a havia deixado mais emotiva, Lorena escolheu Escorpião, texto não publicado, pois a permitiu compreender melhor aquilo que aprecia em sua própria poesia. Ao final da live, Paulo pediu que um deles lesse um manuscrito autoral e Lorena presenteou os ouvintes com o mesmo Escorpião: “[…] Eu respiro coragem toda vez que te vejo. E é por isso que eu me senti capaz de pegar um nada, que é tudo que existe entre nós, e transformá-lo em poesia para te sussurrar o que eu não tenho conseguido abafar: eu te amo”.
“Procura-se um agente” com Guta Bauer, Mia Roman e Taissa Reis
A terceira mesa do dia debateu a questão do agenciamento literário no Brasil. A escritora, tradutora e editora-chefe da revista Mafagafo, Jana Bianchi, foi a mediadora. As palestrantes foram Guta Bauer, sócia-fundadora da Increasy Consultoria Literária; Mia Roman, formada em jornalismo e com grande experiência em agenciamento literário internacional na Writers House e New Leaf Literary & Media; e Taissa Reis, uma das fundadoras da agência literária Página 7 e editora freelancer.
Ao esclarecer dúvidas sobre o papel do agente, as relações agente-autor e agente-editora, os papéis burocráticos e financeiros do serviço, entre outras questões, as palestrantes auxiliaram indivíduos com pretensões de se tornarem escritores.
Um dos pontos mais relevantes foi a exposição de que o mercado editorial é, nas próprias palavras de Taissa, elitista e excludente, muitas vezes distante da realidade da maioria das pessoas. Por essa razão, ela anunciou que possui um projeto de construir um banco de dados com pessoas trans e negras que desejam integrar no mercado editorial. Ela afirmou que formar novos agentes de contextos diversos faria com que o mercado se profissionalizasse e gerasse concorrência, para além do aspecto de inclusão e desenvolvimento social. Mia complementou dizendo que todos os indivíduos ligados ao processo de publicação deveriam ser diversos para a formação de um mercado coeso.
Bate-papo com Rainbow Rowell
Na última mesa do evento e a única que não se encontra mais disponível no canal do YouTube da Editora Seguinte, o escritor Vitor Martins, por intermédio do intérprete Rodrigo Amaral, conversou com a autora renomada Rainbow Rowell, responsável pelos livros Eleanor & Park (2012), Fangirl (2013) e a série de livros de Simon Snow.
Semelhante a uma conversa entre dois amigos, ou um fã e sua ídola, a mesa foi uma incrível finalização para um evento tão relevante. Rowell demonstrou perfeitamente toda sua genialidade não só enquanto escritora, mas como produtora de conteúdo e pessoa engajada por causas sociais. Ao comentar sobre a importância da representatividade gorda e LGBTQ+, a questão dos protestos antirracistas nos Estados Unidos e os paralelos entre as lutas dos direitos civis no seu país e o Brasil, Rainbow foi cirúrgica em todos seus apontamentos.
Com um final emocionante, digno de choro de Vitor e de espectadores mais próximos à autora, ela admitiu com lágrimas nos olhos que se sente muito sozinha e reclusa nessa quarentena. Ainda assim, ela fez questão de reforçar que seus ouvintes não se sintam sozinhos e também de agradecer todo o afeto dos seus fãs brasileiros.
Todas as mesas da FLIPOP podem ser assistidas no canal da Editora Seguinte no Youtube.