Por Gabriela Barbosa (gabriela.barbosa18@usp.br)
Jovens do ensino médio, cursinho ou aqueles entre 17 e 24 anos com certeza já se depararam pelo menos uma vez com a pergunta: “E a faculdade?”. As respostas podem ser as mais variadas, mas, no caso de muitos, ela tem um tom negativo e está relacionada com o vestibular.
O vestibular é o método de ingresso mais comuns das universidades, especialmente as públicas, e é pautado em provas feitas para testar o conhecimento dos estudantes. Elas são aplicadas de forma igualitária para todos os candidatos, o que gera insegurança na maioria deles, pois nem todos as recebem da mesma maneira.
Além da insegurança, outros fatores também levam esses estudantes a desenvolverem problemas psicológicos, como a pressão vinda de casa, da escola/ cursinho ou até deles mesmos.
Segundo Maria Lívia Moretto, professora do Instituto de Psicologia da USP e assessora da área de Inclusão e Pertencimento da Fuvest, “[o vestibular] exige da pessoa que quer ingressar uma preparação, não só de estudo, mas também uma preparação psicológica importante, porque ela está numa situação real de competição”.
Como o vestibular surgiu e como ele funciona atualmente?
O modelo de entrada nas universidades públicas por meio de provas começou a ser utilizado em 1911, de um jeito bem diferente do atual. Na época, os testes eram compostos por duas fases, uma dissertativa e outra oral, nas quais eram cobrados conteúdos relativos ao Ensino Médio, como Língua Portuguesa, Língua Estrangeira e Ciências, e algumas matérias vistas no primeiro ano da faculdade desejada.
Somente em 1970 foi criado um órgão responsável por organizar o vestibular, a chamada Comissão Nacional do Vestibular Unificado. Com ela, passava a ser obrigatório que as provas de cada universidade fossem em dias distintos e compostas apenas por conhecimentos adquiridos durante a vida escolar — excluindo a parte dos conhecimentos específicos de cada curso.
Atualmente, o ingresso nas universidades federais é feito pelo Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). Outras instituições públicas possuem provas próprias, por exemplo a Fuvest para entrada na Universidade de São Paulo (USP). As questões são de múltipla escolha (o que pode mudar na segunda fase de alguns vestibulares) criadas por uma banca de professores especialistas na área.
Conforme o professor Fábio Rodrigues, supervisor acadêmico da Fuvest, “o vestibular é pensado de acordo com as caracteŕisticas de cada universidade. No caso da USP, como é um ambiente focado em pesquisas acadêmicas, a prova exige capacidade cŕtica dos alunos, incluindo a habilidade de argumentação na segunda fase”.
Como isso reflete nos jovens?
A adolescência é uma fase de intensa mudança psicológica no cérebro dos indivíduos. Durante esse período, é comum que os jovens se sintam confusos, irritados, infelizes, inseguros, uma vez que muitas informações novas aparecem a cada momento.
O vestibular entra como um fator agravante neste processo. A alta competitividade, a pressão para bons resultados e a esperança de alcançar o objetivo desejado, junto à frustração ao receber resultados negativos, levam essas pessoas a desenvolverem sintomas de ansiedade e depressão. Segundo o artigo Ansiedade e depressão em vestibulandos, 58,5% dos estudantes com faixa etária entre 17 a 24 anos estavam ansiosos.
Maria Lívia explica: “Vamos imaginar um candidato que não consegue passar no vestibular e essa pessoa é alguém que não tinha admitido a possibilidade de não ingressar. Isso pode se transformar num sentimento forte de perda e ser um gatilho para uma experiência depressiva, por exemplo.”
Um dos principais problemas desse sistema é a disparidade que ele gera entre os candidatos no momento da prova. Segundo a dissertação Ansiedade, estresse e estratégias de enfrentamento (coping) em adolescentes de instituições particulares que irão prestar vestibular, adolescentes com altos níveis de ansiedade podem ter seu rendimento prejudicado no momento da prova, pois poderão apresentar dificuldades em interpretar, avaliar e organizar as ideias para responder aos itens do teste.
Na prática, isso gera nos estudantes, além dos transtornos psicológicos, um sentimento de revolta. Isabele Chicarolli, que atualmente cursa o segundo ano de cursinho preparatório para com foco em Medicina, afirma que o vestibular não é justo porque “é um esquema já pronto, ele não se adequa a você, você tem que se adequar a ele. Eu não acho justo as pessoas ficarem se moldando para alcançarem os próprios sonhos. Deveria ser algo mais acessível”.
Como dito no quinto parágrafo do subtítulo “Discussão” do artigo Copping e saúde mental nos vestibulandos, as escolas particulares, junto aos cursinhos, tornam esse ciclo de ansiedade ainda mais intenso. Ambos, por motivos comerciais, colocam uma grande pressão sobre os alunos pela obtenção de resultados positivos. Sobre isso, Isabele comenta: “Acho que a pressão que vem do cursinho é mais pela dificuldade de enxergar o aluno como o ser humano, como é a estrutura do próprio vestibular”.
O que a Fuvest e a USP falam sobre isso?
O vestibular da Fuvest (Fundação Universitária para o Vestibular), que garante a maior parte das vagas da USP (Universidade de São Paulo), é um dos maiores e mais concorridos do Brasil. Na prova deste ano, o número de inscrições passa de 110 mil.
Entre os cursos mais concorridos estavam Medicina, com aproximadamente 120 candidatos por vaga no campus da capital; Psicologia; Direito; Relações Internacionais; Design; Publicidade e Propaganda e Medicina Veterinária.
Em entrevista à Jornalismo Júnior, o professor e pró-reitor adjunto de Graduação da USP, Marcos Neira, explica que existem três órgãos internos que participam da elaboração das exigências da prova: a Câmara de Avaliação e Normas, a Câmara de Cursos e Ingresso e a Câmara de Licenciatura e Apoio Pedagógico. Essas câmaras são auxiliares do Conselho de Graduação, que é formado por 46 representantes (entre presidentes e membros das comissões de graduação), além de seis estudantes para garantia da presença dos discentes.
O professor salienta: “[As Câmaras] definem internamente e as exigências são submetidas primeiro a uma votação dentro da Câmara e depois a uma votação no Conselho de Graduação. Sendo aprovado este edital, com todas as exigências discriminadas, ele é encaminhado para Fuvest e ela então constitui uma banca que elabora as questões e todo esse processo funciona no mais alto sigilo”.
Quando questionado sobre a forte demanda psicológica que a prova cobra dos estudantes, Fábio Rodrigues afirma que a Fuvest possui uma grande preocupação com o psicológico dos candidatos. Isso aparece no cuidado com a escolha do tamanho da fonte, das cores das imagens, de quais escolas serão utilizadas para aplicação da prova. Todos esses fatores são pensados para que os alunos tenham a melhor condição para realização do vestibular.
Além disso, a instituição também tem uma consultoria do Instituto de Psicologia da USP para minimizar o estresse e deixar a experiência menos traumática. Essa associação também permite o acompanhamento de novas necessidades especiais que a prova pode demandar, como o aumento de solicitações de provas diferenciadas para pessoas com autismo.
Em relação ao Novo Ensino Médio, tanto Neira quanto Rodrigues afirmam que o vestibular sofrerá modificações. A proposta é ter uma prova mais interdisciplinar e focada nas áreas de escolha dos estudantes, mas a mudança será feita de forma lenta e gradativa. “Se o Ensino Médio está vivendo uma reforma, é importante que a gente tenha um vestibular que dialogue com essa reforma. Então, a Fuvest já apresentou para a gente uma proposta futura”, diz Neira.
Como conclusão, tanto o coordenador da Fuvest quanto o pró-reitor adjunto de Graduação afirmam que o maior problema é a quantidade de vagas disponíveis para os cursos. A alta competitividade para as carreiras mais concorridas gera uma forte pressão psicológica nos vestibulandos, causando todo o estresse.
O que fazer para reduzir os impactos na saúde mental?
Por ser um processo de muita demanda psicológica, o vestibular pode gerar diversos traumas. Isso pode ser ainda agravado e se transformar em problemas psicológicos.
“Na maioria dos casos, essas psicopatologias [ que são doenças associadas ao sofrimento mental] são iniciadas por conta da baixa auto-estima dos estudantes”, explica Maria Lívia. Segundo o sociólogo Morris Rosenberg, auto-estima é o conjunto de pensamentos e sentimentos do indivíduo sobre seu próprio valor, competência e adequação. “Ao não confiarem que possuem inteligência e competência para passarem na prova, eles começam um processo de auto depreciação, que, junto à pressão familiar, gera uma forte insegurança e, consequentemente, afeta na hora da prova”, finaliza a psicóloga.
Isabele relata que sentiu essa pressão em provas anteriores. “Na prova da UNESP (Universidade Estadual Paulista) do ano passado, eu achei que ia desmaiar. Eu já fui fazer a prova um pouco negativa porque eu acho ela muito densa. Na hora, foi bem pior porque teve um problema com a organização — não tinha espaço suficiente na sala e eles tiveram que juntar as carteiras em dupla. Tudo isso, mais a pressão que eu já tinha, quase me fizeram ter um colapso.”
Para que essa experiência seja menos traumática e para que os estudantes façam a prova com maior qualidade, a psicóloga Maria Lívia indica que “todos devem admitir a possibilidade do fracasso. Isso porque, ao não admitir que existe a chance de não conseguir passar no vestibular, o candidato pode se tornar uma pessoa frustrada na carreira por fazer uma outra faculdade — particular, por exemplo —, caso o fracasso ocorra.
Além disso, ela ainda afirma que a chave para melhores condições psicológicas nesse período é a autoconfiança, junto a uma rede de suporte. Um bom método é procurar algum tipo de terapia, como psicólogos ou psicanalistas. A psicóloga afirma que “o que essa pessoa [que está em uma situação de estresse] precisa é de uma experiência de compartilhar o que ela está sentindo”.
O autocuidado é o ponto de partida para a diminuição dos impactos negativos que essa fase do vestibular pode causar aos jovens. É importante cuidar da saúde mental e física, além de encontrar válvulas de escape. Como diz a pesquisadora, “com uma rede de suporte afetivo e social todos os problemas ficam menos difíceis de serem enfrentados”.