Por Larissa Lopes
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Três anos após viverem Cadinho e Noêmia na novela Avenida Brasil, da Rede Globo, Alexandre Borges e Camila Morgado retornam com um casal não menos complicado na comédia romântica Bem Casados (2015). A trama parte da solteirice em crise de Heitor, um fotógrafo de casamentos, que, durante a gravação de uma despedida de solteira, encontra Penélope, “uma mulher sensual e independente que está determinada a acabar com a festa antes mesmo que ela comece”, como caracteriza a sinopse.
No entanto, o que a súmula não revela e o que permite a história ser mais elogiável do que a premissa barata, é que o objetivo de Penélope nunca foi destruir o matrimônio, mas, sim, conquistar o devido respeito e espaço que lhe foram negados durante sua relação com o noivo playboy, por ser considerada uma candidata promíscua demais para se unir à família de um senador (obviamente corrupto).
Ainda que o retrato da mulher emancipada e a seu papel dentro da família tradicional não tenham sido os motes da produção, a película tem o mérito de contrastar a independência feminina com a idealização do casamento. Enquanto a experiência de fotógrafo de Heitor revela o quão dissimulada e antiquada a cerimônia pode se tornar – e ele trabalha para que tudo funcione conforme estabelecido no contrato -, Penélope enfrenta os padrões e atua como anti-heroína da situação.
Heroína às avessas, como Camila Morgado descreve sua personagem, Penélope trouxe à tona a reflexão sobre a constante vigia social sobre a liberdade sexual feminina. Tanto Penélope quanto Bruninha, a noiva, interpretada por Luíza Mariani, têm desejos e são mulheres maduras, isso é explícito na cena da despedida de solteira de Bruna, entretanto, o que diferencia as duas entre “boa” ou “má” futuras esposas é que Penélope não possui a menor vontade de velar esse fato.
Além disso, a relação das duas não reitera o clima de competição estimulado pelas piadas inadequadas de Heitor durante as gravações das festas. Aliás, Penélope se torna uma agente indispensável para o sucesso do casamento antes, durante e depois da cerimônia, às vezes, até de uma maneira forçada.
O filme é a quarta obra de Aluizio Abranches e sua terceira parceria com Alexandre Borges. Foi idealizado a partir do breve período em que o diretor trabalhou com filmagem de casamentos e, mais tarde, foi levada à cabo pela equipe de sua produtora. “Não fiquei rico, mas ganhei um filme”, brinca Aluizio.
O então estagiário Fernando São Thiago e a experiente Ilda Santiago ficaram encarregados pela roteirização da proposta de saciar a pergunta “Como você quer o seu casamento?” , que sofreu modificações relevantes de acordo com a incrementação do elenco. Como afirma Ilda, “a energia do ator muda profundamente o esqueleto do roteiro”.
Fernando se entregou tanto à oportunidade que acabou ganhando um papel de mesmo nome. O personagem Fernando é um ex-criado contratado como fotógrafo por Heitor e se torna par romântico de Alice (Bianca Comparato), personagem que, ao mesmo tempo que impõe respeito sobre seu guarda-roupa “masculinizado”, sofre com a descaracterização de seu estilo genuíno no decorrer do romance com Fernando, trocando os terninhos sob medida por vestidos.
Camila Morgado, cuja a mais conhecida contribuição para o cinema nacional foi a interpretação dramática da judia e comunista Olga Benário, em Olga (2004), soube dosar a carga de comédia e seriedade que uma personagem tão complexa como Penélope requer, transpassando sintonia com o restante do elenco. Suas principais influências para a construção da personagem foram as figuras femininas de Trapaça (American Hustle, 2013) e O Lado Bom da Vida (Silver Linings Playbook, 2012), além de Bonequinha de Luxo (Breakfast at Tiffany’s,1961).
Outra aquisição preciosa para a produção foi Letícia Lima, que colaborou com a linguagem mais antenada do Porta dos Fundos e ajudou a cumprir com o propósito de ser uma obra humorística comercial e leve, sem comédia escrachada nem humor humilhante, mas com uma pitada de acidez.
Entre tantos pontos louváveis e dissonantes do resto da maioria da comédia cinematográfica brasileira, o filme segue uma dinâmica pouco plausível a partir da resolução do casamento do ex-namorado de Penélope, rumando forçosamente ao final feliz, voltando ao clichê de Cheek to Cheek, a música tema. Senão a problematização, que nem ousa ser a temática principal do filme, Bem Casados pode ser mais um doce entretenimento na geladeira da sua memória. É uma comédia popular de qualidade, mas que podia explorar mais de seu potencial.
Confira o trailer: