Ontem, 15 de maio, o Brasil paralisou em nome da educação. Contra o bloqueio de 30% na verba de universidades e institutos federais anunciado pelo Ministério da Educação, mais de 1,5 milhão de pessoas participaram de atos nos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal. Confira a cobertura da Jornalismo Júnior na Avenida Paulista, em São Paulo.
Por Tamara Nassif (tnassif@usp.br)
Saindo da Universidade de São Paulo, inúmeros institutos no campus Butantã paralisaram e se somaram para compor um bloco unificado. Estavam presentes: Escola de Comunicações e Artes (ECA-USP), Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA-USP), Escola Politécnica (POLI-USP), Instituto de Matemática e Estatística (IME-USP), Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH-USP), Instituto de Psicologia (IP-USP), entre outros. O bloco percorreu as avenidas Vital Brasil, Rebouças, Eusébio Matoso, Paulista e Brigadeiro Luís Antônio, até desembocar na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (ALESP).
A mobilização também trouxe como pauta a descentralização de investimentos nas áreas de ciências humanas, pronunciada pelo presidente Jair Bolsonaro via Twitter: “O Ministro da Educação estuda descentralizar investimento em faculdades de filosofia e sociologia (humanas). Alunos já matriculados não serão afetados. O objetivo é focar em áreas que gerem retorno imediato ao contribuinte, como: veterinária, engenharia e medicina”. Essa descentralização, no entanto, é inconstitucional, visto que cabe às universidades autonomia para gerenciar os recursos repassados pelo governo federal e distribuí-los aos respectivos departamentos.
Somado a mobilização pelas instituições federais, está o profundo descontentamento com o governo federal. Em resposta às manifestações, o presidente Jair Bolsonaro se pronunciou, em Dallas, no Texas, e se referiu aos manifestantes como “idiotas úteis que estão sendo usados como massa de manobra de uma minoria espertalhona que compõe o núcleo das universidades federais”.
O discurso pró-armamentista de Bolsonaro também foi alvo de críticas. Desde a campanha eleitoral, o presidente colocou como prioridade a pauta do porte legal de armas e, no dia 8 de maio, publicou um decreto que facilita o armamento para mais de 10 categorias sociais, como residentes em áreas rurais, jornalistas políticos e caminhoneiros. A medida foi duramente criticada pelas redes sociais, e o discurso foi ressignificado pelos manifestantes.
Dizeres como “nossa arma é a educação”, “eu me armo de livros, eu me livro de armas” tomaram as ruas de ontem.
As manifestações de ontem também foram protagonizadas por professores, docentes e funcionários de instituições de ensino.
Coincidentemente ou não, a exposição ao ar livre da mostra ‘Direito do Avesso / Avesso do Direito”, promovida pela União Geral dos Trabalhadores (UGT), também pintou a Avenida. Feita pela dupla de cartunistas Laerte e Angeli, as charges somaram ao movimento com críticas contundentes e humor critico. Em entrevista ao GQ Brasil, Angeli avisa: “Busco um humor ácido, que nos traga desconforto. Uma crítica dura como um soco no estômago. Seco e certeiro. E que nos leve a refletir sobre os rumos e o comportamento da sociedade em que vivemos”. Laerte complementa: “Sinto que, com o nosso trabalho, a gente conecta coisas muito modernas a coisas muito antigas; e que isso é algo que precisa ser feito.”
A música também trouxe mais arte para a avenida. Grupos de música percussionista e baterias universitárias fizeram coro aos muitos gritos entoados por estudantes, professores e funcionários públicos.
Entre os gritos, o conselho musicado: “Pisa ligeiro, pisa ligeiro, quem não pode com a formiga não assanha o formigueiro”. De origem indígena, os versos são uma alusão ao povo Xucuru-Kariri, que os entoavam em Pernambuco. Também cantavam “Para barrar a precarização, greve geral, greve geral da educação!” e “Nas ruas, nas praças, quem disse que sumiu? Aqui está presente o movimento estudantil!”.
O discurso de valorização da ciência também foi visto em peso nos cartazes do ato. As universidades públicas brasileiras produzem mais de 90% da pesquisa do país, como apontam estudos divulgados pela Folha de S.P. em abril de 2019 – porcentagem esta posta em risco com os cortes na educação.
Nos cartazes, um forte apelo social. Em 2019, os avanços para inclusão social e racial nas universidades foram notáveis: na USP, 168 de 183 cursos cumpriram a cota para calouros que estudaram na rede pública. Cortes nas universidades federais, por exemplo, marcariam um retrocesso significativo, visto que boa parte dos cursos teriam diminuição no número de vagas ou, em casos mais extremos, deixariam de funcionar a partir do segundo semestre deste ano.
Mais de 1,5 milhão de pessoas participaram de atos nos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal. Na Avenida Paulista, a Polícia Militar não deu uma estimativa do número de participantes.
O clima amistoso permitiu que crianças fizessem parte do ato com seus pais.
Manifestantes também fizeram referências a grandes obras literárias, como “1984”, de George Orwell, “Raízes do Brasil”, de Sérgio Buarque de Holanda e “Pedagogia do Oprimido”, de Paulo Freire.