Dia 4 de junho, segunda-feira, estreia no Cinusp a mostra Tempos Críticos no Novo Cinema Alemão. E, dando continuidade a nova parceria entre o Cinéfilos e o Cinema da USP, fomos convidados a assistir O Piloto de Bombardeio (Der Bomberpilot, 1970), filme escolhido especialmente pela curadoria para apresentar a atmosfera do Novo Cinema Alemão.
Este movimento cinematográfico surgiu entre as décadas de 60 e 70, com o objetivo de fazer uma oposição ao cinema de puro entretenimento e conservador que se produzia na época. Caracterizava-se por um forte cunho social, incomodando o público não somente por suas críticas afiadas à hipocrisia da sociedade da época, como também por detalhes técnicos nada convencionais. As imagens nem sempre eram bem focadas, os quadros muitas vezes incomuns, e o som nem sempre bem equalizado. O objetivo de tudo isso era tirar a audiência de sua zona de conforto.
Dentre os novos cinemas, o alemão destacava-se especialmente por tratar de temáticas LGBT+, de independência e empoderamento feminino, algo não muito comum nem entre as vanguardas do período. Ao pensar em todos estes detalhes, a escolha de Der Bomberpilot faz todo sentido, pois o longa usa de todos esses elementos para construir sua narrativa nada convencional. A película é um relato sobre três amigas, unidas por uma apresentação burlesca em um dos tradicionais comícios nazistas. Seus encontros e desencontros levam-nos a uma viagem pela trajetória alemã do Reich ao boom econômico dos anos 50 e 60, com muita acidez, confusão e decadência, todavia.
Mascha (Mascha Rabben) é a personagem idealista, ao perceber que sofria um ataque a suas liberdades individuais, tem um ataque histérico que interrompe as atividades do trio. Carla (Carla Egerer), em contraponto, é a romântica, com o fim das apresentações de cabaré, parte para Viena, onde se junta a um musical que cantava sobre os ideais frescos e jovens de um austríaco, uma clara referência a Hitler. Magdalena (Magdalena Montezuma), por fim, é a mulher cética, desiludida com a arte, usou sua posição de prestígio junto ao Partido para conseguir um emprego público discreto e ter uma vida tranquila.
Com a derrocada do nazismo, prevista logo no primeiro quadro do filme, onde a bandeira do partido era tremulada desajeitadamente no plano de fundo da dança decadente das três, Mascha, Carla e Magdalena encontram-se mais uma vez. Agora, a idealista convence as outras duas a desenvolver um projeto de temática feminista e integração étnica, mas não na Alemanha e sim nos Estados Unidos.
Na América, entretanto, lugar dos sonhos e da igualdade de possibilidades, dão com a cara na porta outra vez. Os conservadores usam do passado obscuro das moças na Alemanha, tal como da feminilidade delas para desmoralizar, tanto a elas, como a suas convicções. E frustradas outra vez, assumem a decadência na forma de arte, quando recorrem às apresentações burlescas como via de sustento e afirmação.
Toda essa decadência e confusão é representada através da filmagem e da sonoplastia. Os movimentos vacilantes e abruptos da câmera sempre afligem o espectador, bem como o som dessincronizado, que além de incomodar, deixam as moças a falar sem ser ouvidas, simbolizando a falta de expressão que têm. A cronologia igualmente flutuante dá uma contínua sensação de inércia às personagens, presas a esse destino, quase que fadado.
Ao término do filme, dá-se certeza a uma sensação que surge desde os primeiros quadros. Mascha, Carla e Magdalena são o espelho da população alemã do período. Fica também uma sensação de compreensão, embora ainda cercada de novas dúvidas. Fica a necessidade de debate. A simbologia do filme é densa, e ao mesmo passo em que você descobre alguma das matizes do filme, podem se passar várias despercebidas. O Piloto de Bombardeio é um desafio, e que com a disposição certa, vale muito a pena.
O filme será exibido às 19:00 no dia de abertura da mostra. Para mais informações consulte a página do Cinusp.
por Pedro Teixeira
pedro.st.gyn@gmail.com