Este filme faz parte da 41ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Para mais resenhas do festival, clique aqui.
Segundo a sinopse, Happy End (2017) se propõe a falar de um drama familiar com a crise dos refugiados como pano de fundo. Tal premissa parece destoante do resultado que se assiste na tela, em que essa intitulação é um tanto prepotente diante de uma produção fútil.
A história gira em torno da família Laurent. Com um patriarca já pouco presente dada a idade avançada, quem centraliza as relações é Anne, levada às telas pela aclamada Isabelle Huppert, em alta após sua performance em Elle (2016). Uma mulher forte, ela tem de lidar com um filho instável, Pierre (Franz Rogowski), as tendências suicidas do pai, e os problemas na empresa da família. Uma ligeira divisão do eixo familiar é Thomas (Mathieu Kassovitz), seu irmão, que também mora em uma mansão dividida por todos, com a segunda esposa e um filho recém-nascido. A chegada de Eve (Fantine Harduin), fruto de seu primeiro casamento, altera a formação da casa e a vida do médico, que escondia segredos a respeito de sua vida pessoal — essa passagem, aliás, rende diálogos dignos de um filme erótico barato, diminuindo ainda mais o carisma do personagem. Eve é desenvolvida como uma menina perturbada, e a tecnologia é usada como ferramenta para mostrar seus problemas psicológicos. A adolescente de 13 anos divide em seu celular os pensamentos e ações maldosas que permeiam sua mente. É como o público se comunica com o contexto dos acontecimentos paralelos à trama central. Uma modernidade que parece inadequada ao estilo do longa, toque de thriller americano em um roteiro e filmagem tipicamente europeus. Happy End é o indicado da Áustria ao Oscar, mas sua aura é claramente francesa. Um cinema econômico em palavras, com personagens que parecem carregar uma eterna melancolia — o que pode causar preguiça em espectadores menos pacientes com os pesos existenciais de pessoas ricas.
Isso porque a história nos introduz ao funcionamento bastante aristocrático e elitizado do dia-a-dia das personagens. Mesmo as relações amorosas parecem manter um certo decoro. Toda essa superficialidade das cenas e dos diálogos não chegam a funcionar de forma a pôr em perspectiva os hábitos de classe, pelo menos não no contexto em que estão inseridas, e pouco combinam com trabalhos anteriores de Michael Haneke, elogiado por trabalhos como Amor (Amour, 2012) e A Fita Branca (Das weiße Band, 2009). A decadência dessa família e de suas aparências se faz sim presente e rege a trama do filme, mas o desenvolvimento parece apenas tangenciar as frivolidades e os transtornos individuais de cada indivíduo, acabando por banalizar a temática dos problemas mentais.
Também a temática dos refugiados é abordada de maneira deslocada dentro do filme, como se fosse uma miscelânea de temas que, de forma não muito eficiente, Haneke tentou combinar. Pierre, um homem pedante e infantil já na casa dos 30, decide fazer críticas sociais durante sua embriaguez. Para o choque de seus parentes tipicamente burgueses. As intervenções de um playboy indignado não fazem dos refugiados parte do filme, que talvez tenham sua inserção na Europa mais representada na atitude condescendente e fantasiada de benevolência dos patrões, eixo pouco explorado. Para além disso, são meros figurantes, sem voz e sem argumento. Os cortes abruptos do longa também não ajudam nessa construção do enredo, que parece não inteirar o espectador a respeito dos acontecimentos que levaram ao ápice dos problemas. Eve é o exemplo mais claro disso. Os claros problemas psicológicos da menina, que culminam em uma atitude muito drástica, são explicados apenas em parte, e várias de suas descobertas são escondidas do público, o que atrapalha o entendimento de suas relações com seus parentes, já que por muito tempo, sua história parece sobre a necessidade do amor paternal.
Mas Happy End não é sobre amor, é sobre egoísmo. Premiando quem assiste com um início e final inteligentes, Haneke parece também ter guardado apenas para si o primor de uma ideia que poderia traçar um paralelo profundo entre a hipocrisia dos ricos e a crise social dos mais pobres.
Confira o trailer:
por Pietra Carvalho
pietracarvalho@usp.br