A psicopatia se tornou assunto de interesse geral. Foi tema de especialistas e inspiração para obras literárias e cinematográficas. O que a mente deles tem a nos dizer?
Por: Laura Raffs Guerra (lauraraffsguerra@gmail.com)
Eles tomaram conta de estudos, da televisão, de livros e séries. Afinal, quem nunca conheceu pelas telas o famoso Hannibal Lecter? Um grande psiquiatra que em suas horas vagas era um perigoso psicopata que se alimentava de carne humana, chegando a ser considerado o maior vilão do cinema pelo Instituto Americano do Cinema. Esse personagem já fez grandes aparições em “Silêncio dos Inocentes”, no conjunto de obras de Thomas Harris, por quem foi criado, e na série que teve início em 2013: Hannibal. Mas os sucessos cinematográficos não param por aí. Tivemos também o filme “Psicose”, “Psicopata americano” e o mais atual de todos, “Precisamos falar sobre Kevin”, lançado em 2011. Outras séries também surgiram como “Dexter” e a minissérie da Globo “Dupla identidade”, com a participação de Bruno Gagliasso. Já adivinhou qual será o tema de hoje? Sim, vamos falar sobre psicopatas.
Antes de tudo temos que diferenciar o termo sociopata de psicopata. A maioria das pessoas utilizam estes termos como sendo sinônimos, mas há uma diferença, de acordo com o Dr. Renato Del Sant, diretor do Hospital Dia no Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP. A sociopatia está associada ao contexto sociopolítico em que a pessoa está inserida, sua bagagem cultural. Ou seja, ser sociopata é relativo, depende em que sociedade você está presente. Do mesmo modo que alguém pode ser considerado um herói por um grupo social, perante a outro, ela pode ser considerada sociopata. Um grande exemplo dessa dualidade são os homens-bomba do Estado Islâmico. Para seu grupo, o EI, eles são considerados salvadores, já pelo resto do mundo são considerados sociopatas, pois causam prejuízo à sociedade e às pessoas. A psicopatia não é relativa, um psicopata será sempre um psicopata, não importa em que contexto ele está inserido, já que é uma definição de personalidade baseada em critérios médicos e psicológicos.
O termo psicopata surge para designar as pessoas que não possuem psicoses, mas mesmo assim apresentam um comportamento que foge da normalidade. O que isso quer dizer? Pessoas psicóticas são aquelas que perdem o contato com a realidade, tendo muitas vezes delírios ou alucinações, e como não tem senso crítico de seus atos, não possuem consciência das consequências que seu comportamento pode causar. Na novela da Globo “Caminho das Índias”, Bruno Gagliasso representa um bom exemplo de psicótico: Tarso, que é um esquizofrênico. Já os psicopatas têm total consciência do que fazem, sabem que estão prejudicando as pessoas, estão imersos na realidade, mas apresentam comportamentos e características, tanto biológicas quanto sociais, diferentes de uma pessoa comum, mesmo que seus exames psíquicos – da mente e comportamentais – não mostrem alterações.
Estudando a fundo os psicopatas. O que especialistas tem a dizer?
Em estudo realizado por Kurt Schneider na obra “Personalidades Psicopáticas” (1923), o psiquiatra alemão criou o conceito de “personalidades anormais”, que são aquelas que por sua conduta e comportamento não se encaixam a normalidade. Dentro desse grupo há um subgrupo, as “personalidades psicopáticas”, que na definição de Schneider são os “que sofrem com sua anormalidade ou que assim fazem sofrer a sociedade”, são os psicopatas. Todavia existe diferentes tipos de psicopatia, são elas: hipertímicos, depressivos, inseguros de si (com os subtipos ansioso e obsessivo), fanáticos, necessitados de valorização, lábeis de humor, explosivos, frios de sentimentos e abúlicos (ausência mórbida de vontade).
Dentro dessa classificação, os “frios de sentimento” são aqueles que não conseguem sentir nem o mínimo de empatia pelas pessoas, e são os mais difíceis de serem tratados. Já os outros, por terem o lado das emoções mais pronunciado, sendo elas obsessões, curiosidade, depressão, fanatismo, entre outras, conseguem compreender o mal que causam as pessoas e seus danos. Os “frios de sentimento” não se importam com isso. Sua frieza e falta de sentimentos, todavia, não implica necessariamente atos de crueldade. Tudo depende do contexto em que a pessoa está inserida.
Um dos grandes questionamentos é, como eles conseguem burlar os testes psíquicos? Psicopatas não demonstram abertamente suas disfunções. Em um primeiro contato eles parecem pessoas normais, por isso o diagnóstico é muito complexo e demorado, podendo durar meses. Os psicopatas são grandes sedutores, usam muito da retórica e da conversa para impressionar, conquistam com apenas um diálogo. Também são pessoas impulsivas, individualistas, egoístas, manipuladores e não possuem sentimentos de culpa, remorso ou empatia – não sentem compaixão, não se colocam no lugar das outras pessoas. É comum que desde a infância eles demonstrem um comportamento diferente do das outras crianças, tendo atitudes cruéis com animais e condutas desafiadoras na escola, relata o médico psiquiatra Renato Del Sant. Outra característica muito importante é a repetição, seu comportamento, seus atos, seguem sempre um padrão, como os famosos serial killers. O conceito da repetição foi ctrabalhado por Sigmund Freud em “Recordar, repetir e elaborar”. Esse princípio foi estudado pelo pai da psicanálise como peça chave para entender o processo de tratamento psíquico do paciente, e interpretação do inconsciente, focado no descobrimento do que gerou o sintoma em específico.
Essas características da psicopatia são o que diferenciam um criminoso comum de um psicopata. O primeiro não possui um padrão e age de acordo com o contexto em que vive, adequadas a determinadas situações. Também se encaixa em qual crime está obtendo mais lucro e sucesso no contexto da sua sociedade. Há um certo profissionalismo embutido em suas ações, que são calculadas, refletidas e planejadas. O psicopata não pensa antes de agir, o seu comportamento o leva a cometer o crime, a sua necessidade de saciar o desejo, ou seja, age por impulsividade. Seu crime se enquadra em um estereótipo.
É importante deixar claro quem nem todo psicopata é um serial killer. Eles podem ascender a grandes cargos políticos ou sociais pelo seu grande poder da palavra. Estes são os mais perigosos, explica Dr. Renato Del Sant, pois podem causar prejuízo a milhares de pessoas, já que estão em grandes cargos de poder. Por outro lado, o serial killer possui um número limitado e pequeno de vítimas se comparado a uma sociedade inteira. Podemos colocar como exemplos de possíveis psicopatas, Adolf Hitler e Stalin, que eram grandes líderes. Contudo isso não pode ser confirmado, já que para esse diagnóstico teria que se analisar toda a biografia dos dois personagens, seus exames psíquicos, comportamentos, relatos de terceiros e o contexto sociopolítico em que estavam presentes. Inclusive, nesses regimes totalitários ou em ditaduras, muitos psicopatas podem ter atuado como torturadores.
O diagnóstico de psicopatia é muito complicado. Os psicopatas, segundo a psiquiatra Ana Beatriz Barbosa Silva em seu livro “Mentes Perigosas”, possuem uma debilidade na amígdala e no lobo frontal, partes do sistema límbico, que controlam as emoções, possuindo alterações químicas cerebrais e de neurotransmissores. Quando essa parte do cérebro é afetada, as emoções também são afetadas, fazendo com que os psicopatas não tenham certos sentimentos, como amor e empatia. Porém, uma alteração biológica não é a única causa da “ativação” da psicopatia. Deve-se levar em conta também o lado sociológico, a vida da pessoa, seu lado psíquico. A psiquiatria é uma especialidade médica que não envolve apenas o biológico, mas também a área humanística, por isso ainda não se pode afirmar uma causa concreta para a psicopatia.
Como funcionam alguns tratamentos?
O tratamento do paciente é o ponto de principal importância. Segundo Dr. Renato, precisamos obter um foco maior no âmbito sociológico, analisando os principais detalhes da parte social, cultural e política do ambiente em que eles vivem, mas sem deixar de lado a parte biológica. O diretor do Hospital Dia também ressalta a importância da integração entre as diversas áreas de estudo da psicopatia. Um maior diálogo entre psiquiatras, psicólogos, antropólogos. A maioria dos pacientes diagnosticados como psicopatas acabam sendo descobertos na Justiça ou na emergência clínica dos hospitais, onde relatam queixas estranhas e sintomas anômalos. Por isso também deve se obter uma aproximação maior com a área judicial. De acordo com o médico, o ideal seria a abertura de uma Escola Criminológica no Brasil, onde se estuda os criminosos e suas singularidades, envolvendo todas as áreas citadas acima.
O Hospital Dia fica localizado no Instituto de Psiquiatria da USP, coordenado pelo psiquiatra Renato Del Sant, centra-se no tratamento de psicóticos e pessoas que possuem transtornos de personalidade. No primeiro momento, quando o paciente se encontra em surto, ele é tratado com medicamentos de acordo com sua anormalidade. Após isso, o paciente é inserido em um tratamento para retorno a sociedade, que duram normalmente de 6 meses a 1 ano. Este processo é multidisciplinar, envolvendo diversas atividades, como musicoterapia, terepais orientais, peterapia – tratamento com animais. Esta última atividade já havia sido relatada como benéfica em 1995 por Nise da Silveira, uma grande psiquiatra que revolucionou sua área propondo tratamentos humanitários e artísticos, sendo totalmente contra aos eletrochoques e lobotomias, que eram comuns em sua época . É um processo bastante abrangente, que visa fazer com que o paciente possa realizar suas atividades rotineiras novamente. O tratamento é focado nas singularidades da doença da pessoa, e em cima disso é trabalhado a reinserção na sociedade.
Os psicopatas, com todas as suas características, são doentes, e também devem ser vistos como tal. Sua frieza intrínseca não significa apenas crueldade, mas a possibilidade de eles atuarem em áreas que pessoas com suas emoções perfeitas não atuariam, como tratamentos médicos em países em guerra civil, exemplificado por Dr. Renato. Contudo, também temos que levar em conta sua incapacidade de amar e possuir empatia pelas pessoas, o que pode resultar no aproveitamento e manipulação destas, causando prejuízos na vida alheia. É um estudo que precisa ainda ser muito mais aprofundado.