Oferecer apoio e conforto é o que importa para quem trabalha com cuidados paliativos
Por Caroline Dias Menezes (cdiasmenezes@gmail.com)
Nem todos sabem, mas quando um paciente descobre que possui uma doença que oferece risco à vida, ao mesmo tempo em que uma equipe médica inicia um tratamento para tentar curá-la ou retardar seu avanço, outra equipe que envolve médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, psicólogos e diferentes profissionais passa, ou pelo menos deveria passar, a acompanha-lo com outras intenções. O objetivo deles não é buscar a cura, mas sim oferecer o máximo de apoio e conforto para que tanto o paciente quanto sua família passem pelo tratamento ou lidem com o advento da morte. Essa equipe multiprofissional é a responsável pelos cuidados paliativos, área da saúde que lida muito de perto com a dor e com o sofrimento e que luta para ganhar um espaço maior nas redes de saúde e o reconhecimento da legislação brasileira.
História
Não é possível determinar quando surgiram os cuidados paliativos. Desde a Idade Média existem lugares que têm como objetivo proteger e aliviar o sofrimento de doentes, ainda que não haja intenção de alcançar a cura. A concepção moderna desses cuidados, no entanto, surgiu com a britânica Cicely Saunders. Formada em assistência social, enfermagem e medicina, Saunders fundou o primeiro centro de referência em cuidados paliativos, em 1967, o St. Christopher’s Hospices, localizado em Londres. A história conta que Cicely Saunders não se conformava com o fato de que médicos abandonassem seus pacientes em fase terminal, dizendo que nada mais poderia ser feito. Ela ficou conhecida pela máxima “ainda há muito a ser feito”, que é até hoje uma espécie de lema para quem trabalha com cuidados paliativos. Foi de Saunders a ideia de unir uma equipe multiprofissional que cuidasse tanto do tratamento médico, quanto do apoio espiritual e psicológico a pacientes com risco de vida.
O conceito de cuidados paliativos já está bastante consolidado fora do Brasil, inclusive em países da América Latina, como a Argentina, onde já há uma legislação muito desenvolvida nesse ponto. Mesmo lá fora, a regulamentação da especialidade médica é recente em relação à história da medicina, tendo começado a se organizar a partir da década de 1960. Por aqui, as coisas ainda andam com lentidão. Apenas no ano passado esse tipo de tratamento foi reconhecido como especialidade médica e ainda não há no país um curso de residência voltado exclusivamente para formar médicos paliativistas. Em todo o Brasil, apenas duas faculdades incluíram os cuidados paliativos em seus cursos: a Universidade de Caxias do Sul e a FMIt (Faculdade de Medicina de Itajubá), em Minas Gerais, que foi a primeira instituição de ensino brasileira a implantar, em 2010, a disciplina de Tanatologia e Cuidados Paliativos na grade curricular.
Não é apenas por falta de uma política definitiva de cuidados paliativos que essa área é pouco acessível aos profissionais em formação. A Dra. Maria das Graças Mota Cruz de Assis Figueiredo, professora assistente da disciplina em Itajubá, afirma que ainda há muita resistência por parte dos próprios profissionais porque a busca pela cura é um paradigma vigente na cultura ocidental. “Isto tem origem no medo que todos temos da morte, em parte devido aos valores materialistas pelos quais a sociedade moderna pauta as suas ações. As faculdades de medicina, então, apenas repetem a tentativa de negar a morte, esforço que faz toda a sociedade”, afirma a médica.
Quando começam e como são feitos os cuidados paliativos
A OMS (Organização Mundial da Saúde), atualizou em 2002 a definição de cuidados paliativos: “Cuidados Paliativos consistem na assistência promovida por uma equipe multidisciplinar, que objetiva a melhoria da qualidade de vida do paciente e seus familiares, diante de uma doença que ameace a vida, por meio da prevenção e alívio do sofrimento, da identificação precoce, avaliação impecável e tratamento de dor e demais sintomas físicos, sociais, psicológicos e espirituais”. Nela, o órgão reforça que esses cuidados são aplicáveis a qualquer paciente portador de uma doença que ameace a vida e não apenas em casos terminais. Isso tenta desfazer de vez o engano de que é apenas na eminência da morte que o tratamento paliativo se faz necessário.
Essa nova definição acompanha a evolução da medicina. No passado, não havia tantos recursos para prolongar a vida, menos pacientes sobreviviam e os cuidados não se diferenciavam muito entre curativos e paliativos. Hoje é possível conviver com doenças graves por muito mais tempo e cresce a necessidade de cuidar não apenas do paciente, mas também da família, para que ela tenha estrutura para lidar com a situação delicada de uma doença grave ou incurável. A Dra. Maria das Graças Mota ressalta, porém, que com o avanço da tecnologia a busca dos médicos pela cura também fica ainda mais incessante. A possibilidade do uso de aparelhos e medicamentos cada vez mais sofisticados para a manutenção da vida, muitas vezes, afasta os profissionais da saúde da necessidade de manter os cuidados paliativos, que, para Dra. Maria das Graças “são a Medicina que não deveria ter sido esquecida com a chegada do progresso tecnológico”. Ela ainda completa: “todo e qualquer médico deveria tratar o doente com toda a sua perícia e fazendo o melhor uso da tecnologia disponível, na tentativa de livrá-lo da doença. Quando a cura não mais fosse possível, nenhum médico deveria dizer ao doente e à família: não há mais nada a fazer”.
A dificuldade de desistir da cura
A Dra. Carlota Vitória Blassioli, médica da equipe de cuidados paliativos do GRAACC, Grupo de Apoio ao Adolescente e à Criança com Câncer, reforça que, diferentemente do que se pensa, os cuidados paliativos devem começar paralelamente ao tratamento curativo e não apenas quando um paciente já está “desenganado”. Um exemplo dado por ela é o de um bebê prematuro extremo, que tem grande risco de óbito. Nesses casos, enquanto equipes médicas trabalham para que a criança ganhe peso e complete sua formação, é importante que haja uma equipe de cuidados paliativos que ajude a família a lidar com as dificuldades do tratamento e com a possibilidade de que ele não tenha sucesso e a criança venha a falecer.
Em muitos casos, no entanto, existe um momento em que é preciso deliberar se o tratamento está funcionando ou se é hora de desistir. A linha que separa o tratamento curativo do paliativo é muito difícil de ser determinada e varia de acordo com cada caso. Quando todos os métodos de cura foram testados e não ofereceram resultados, as equipes precisam decidir se vale a pena continuar submetendo o paciente a tratamentos agressivos, como é, por exemplo, o do câncer, ou se é hora de manter apenas o controle dos sintomas, tentando tornar o fim da vida do doente o mais confortável possível.
No ramo da pediatria, essa decisão é ainda mais complicada. “É mais difícil você determinar o fim do tratamento curativo para uma criança de 11 anos do que para uma pessoa de 80 anos. Quando a doença realmente progride, você tem que sentar com a família e com seu paciente e conversar com eles que todo o tratamento curativo foi feito e que não obteve resposta, e então decidir em conjunto qual será o próximo passo, inclusive se deve parar o tratamento curativo. Você vai ter que ter muito vínculo com essa família”, reforça Dra. Carlota. Ela lembra ainda que a equipe não interfere diretamente nessa decisão, que é do médico que vem tratando o paciente desde o início.
O vínculo com a família e com o paciente é algo muito importante nesses casos e o profissional que lida com os cuidados paliativos precisa ter estrutura para se envolver sem se deixar derrubar pelas perdas que, nessa área, são muitas.
No GRAACC, a equipe de cuidados paliativos se reúne uma vez por semana para conversar sobre as dificuldades pelas quais cada um vem passando ao lidar com a frustração, o luto, a tristeza. É a forma que o grupo encontrou de se ajudar entre si e buscar forças para aguentar a carga emocional da profissão.
Conseguir um alguém que se disponha a trabalhar tão de perto com a morte é algo difícil e formar essas equipes é uma tarefa árdua, como afirma a Dra. Carlota: “A gente tem muita dificuldade de achar um profissional que queira trabalhar com cuidados paliativos por conta dessa carga emocional. Às vezes eles vêm, ficam um período e vão embora, porque não aguentam”.