Jornalismo Júnior

Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

Salò ou os 120 Dias de Sodoma

Alexandre Dall’Ara É impossível ver sem desviar o olhar da tela algumas dezenas de vezes! O filme é forte, direto, rude, por vezes nojento. Mas nada tira dele o adjetivo de obra-prima. Esses ‘desconfortos’ pelos quais o espectador tem de passar para assisti-lo mostram-se, por fim, riquíssimos em sua simbologia, se vistos como grandes metáforas …

Salò ou os 120 Dias de Sodoma Leia mais »

Alexandre Dall’Ara

É impossível ver sem desviar o olhar da tela algumas dezenas de vezes! O filme é forte, direto, rude, por vezes nojento. Mas nada tira dele o adjetivo de obra-prima. Esses ‘desconfortos’ pelos quais o espectador tem de passar para assisti-lo mostram-se, por fim, riquíssimos em sua simbologia, se vistos como grandes metáforas do diretor. A adaptação de Pasolini para o romance do Marquês de Sade não poderia deixar de ser perturbadora, visto que essa é uma das mais marcantes características do livro.

Entretanto, a contextualização do romance na época da ocupação do norte da Itália pelos nazistas e todo seu discurso político é o que chama mais atenção no longa de 1975. A caracterização de nobres e de um membro do clero – a elite dos tempos de pré-revolução francesa, no qual o livro foi escrito – como poderosos fascistas é uma interessante ferramenta utilizada por Pasolini para indicar a relação desses com o povo. As humilhações empreendidas pelos libertinos, que organizam a orgia, aos jovens sequestrados e confinados numa mansão nos arredores de Salò demonstram a forma como o arranjo de poder de um Estado total e autoritário pode influenciar na esfera privada das relações interpessoais.

Uma democracia, mais especificamente, cidadãos democráticos jamais poderiam ser capazes de relações tão injustas, jamais poderiam submeter seus semelhantes a tamanhas torturas. É nesse ponto que reside a belíssima crítica do diretor ao Fascismo. Ele mostra como essa política destrói a civilidade. Pasolini argumenta que o fascismo é condenável não só pela brutalidade de seus líderes e pelas agressões aos direitos humanos cometidas por esses, mas também pela maneira como seus comportamentos pautam todas as outras relações da sociedade. Esse tipo de comportamento se torna padrão, aceitável. É uma crítica sofisticada! A desintegração social causada ainda pelo fascismo pode ser vista numa interessante cena em que as vítimas, numa tentativa de se salvar de punições, começam a delatar uns aos outros, culminando com o assassinato de um dos colaboradores mesmo durante o ato de saudação fascista.

Mas os momentos que fazem o público fechar os olhos são apenas os mais explícitos. O filme como um todo traz fortes significações. É perturbador, por exemplo, ver uma cena de carinho de uma das vítimas para com seu carrasco. Nos incomoda ver como essa vítima pode se sujeitar a tanto, sorrir por tão pouco.

Tanto o livro, quanto o filme permanecem, portanto, como um desafio àqueles que se aventuram em desvendá-los. Sem dúvida, um desafio com recompensas. E por elas é que as obras ultrapassam a mera obscenidade e tornam-se uma verdadeira expressão artística. Ousadas e provocadoras, guardam a peculiaridade de desafiar o pudor.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima