Com uma premissa peculiar, Todo Dia (Every Day, 2018) encanta ao mesmo tempo em que discute questões humanas com muita sensibilidade e sutileza, levando o espectador para além de um romance adolescente. “A”, como se intitula, é uma alma que a cada dia acorda em um corpo diferente. No início do filme, “A” acorda no corpo de Justin (Justice Smith), um garoto que tem uma namorada, Rhiannon (Angourie Rice). Após passarem um dia juntos, “A” se apaixona, decidindo então dar continuidade a essa história de amor no dia seguinte.
“A” começa a se aproximar de Rhiannon e logo a garota passa a notar que algo estranho está acontecendo, já que “pessoas aleatórias” passam a surgir em sua vida, uma nova a cada dia. Esse processo ocorre aos poucos e quando “A” decide contar a verdade, ela simplesmente acha uma loucura, custando a acreditar.
Baseado no best-seller homônimo de David Levithan, o filme parece, a princípio, muito irreal e fantasioso. Entretanto, à medida que a trama avança, quem assiste começa a perceber que tudo não poderia ser mais verossímil. Todas as situações criadas pelo fato de “A” ser uma pessoa que troca de corpo a cada dia são usadas como metáforas para questões universais. Por exemplo, surgem discussões sobre depressão e suicídio, e em que medida outras pessoas conseguem interferir na vida de quem passa por esses problemas com o objetivo de tentar ajudá-las.
Além disso, algumas pequenas falas sobre a situação de “A” conseguem ser percebidas por pessoas que, de maneira metafórica, se encontram na mesma situação. “Às vezes sua mente não está alinhada com o seu corpo”, frase que pode ser interpretada como uma alusão ao que pessoas transexuais vivem constantemente.
A grande riqueza desse filme encontra-se nos detalhes, coisas que muitas vezes podem passar despercebidas, mas que quando são notadas fazem muita diferença. Os subtextos apresentados são muito interessantes e bem desenvolvidos. É possível uma pessoa enxergar o que torna todos os seres humanos diferentes e ao mesmo tempo iguais? Não seria preciso que alguém trocasse de corpo para entender isso, mas é justamente esse fato que serve como sustentação para fazer quem assiste pensar sobre o assunto, com uma visão mais reflexiva.
Em termos técnicos, um dos aspectos que mais chama a atenção é a fotografia, que está muito bem alinhada com cada momento do filme. Nas cenas mais românticas e felizes, há cor e luz. Já naquelas mais obscuras, tons de preto e cinza predominam, como na parte em que o assunto do suicídio é mencionado.
A direção de atores também merece destaque. Existe consonância e harmonia entre todos os atores e atrizes que interpretam “A”, sendo pessoas diferentes que precisam apresentar uma personalidade igual. A maneira como a direção deixa isso claro é muito inteligente, pois dá unicidade para a maneira de agir de “A”. Seja sempre colocando o cabelo de Rhiannon atrás da orelha ou no ato de olhar para as mãos quando acorda em um corpo novo. Nesse quesito, o longa ganha pontos pela pluralidade na escalação do elenco: homens, mulheres, pessoas negras, gordas e asiáticas. Essa característica é usada pelo roteiro para falar sobre o fato de Rhiannon se apaixonar por uma pessoa por quem ela realmente é, e não especificamente por um tipo físico ou um gênero, algo que ao longo do filme torna-se irrelevante.
Em comparação com o romance de Levithan, os diretores e roteiristas fizeram um ótimo trabalho de adaptação. A essência da história é muito presente e as pequenas coisas que foram alteradas e adicionadas só trouxeram benefícios. No livro, há uma breve tentativa de explicação do porquê “A” consegue trocar de corpo todos os dias. Já no filme isso não é citado, o que contribui para dar mais foco nas questões humanas que estão nas entrelinhas. O foco não é o porquê e sim quais as consequências trazidas.
A narrativa apresenta um ritmo bom e a evolução dos personagens se dá de forma gradual. Quem assiste sabe para onde a história está caminhando e mesmo sem tantas surpresas, o final entrega exatamente aquilo que promete. É o típico filme que acompanha o espectador para além da sala de cinema. Todo dia é sensível e peculiar, suave e divertido. Um romance que debate diversos assuntos de forma totalmente original e diferenciada.
O filme estreia nos cinema do Brasil no dia 26 de julho. Confira o trailer no link abaixo:
por Marcelo Canquerino
marcelocanquerino@gmail.com