Por Clara Viterbo Nery (claravnery@usp.br)
Não é de hoje que as sequências de filmes ocupam maior espaço dentro dos catálogos em cartaz. O que começou a ser percebido pelo público com os grandes blockbusters e a tendência cada vez mais frequente de produção de prequels, sequels e criação de grandes universos cinematográficos, como Marvel e Star Wars, se torna uma tendência dentro do mercado cinematográfico.
A ideia de serializar – isso é, contar histórias em formato episódico – filmes não é novidade, mas esse modelo, quando chega ao cinema nacional, encontra uma grande fonte de inspiração: as séries e telenovelas brasileiras. A serialização está dentre os grandes sucessos de bilheteria nacional, como a trilogia Minha Mãe é uma Peça, e os seus próximos lançamentos, a exemplo de O Auto da Compadecida 2 (2024) e Chico Bento e a goiabeira maraviósa (2025).
A disputa com a concorrência
Entre as décadas de 1900 e 1950, o cinema nacional reinava sozinho no Brasil. Mesmo com a presença do rádio, não existiam outros concorrentes audiovisuais, o que tornava mais simples atrair a atenção do público e conseguir lucrar com suas produções cinematográficas.
Foi com a chegada da televisão e, posteriormente, das redes de TV a cabo, das plataformas digitais e dos serviços de streaming, que o cinema precisou se reinventar para disputar a audiência. O professor Roberto Franco Moreira, do Departamento de Rádio e Televisão da Escola de Comunicação e Artes da USP, explica: “Lá nos anos 1970, eles já se deram conta de que era preciso uma nova estratégia de mercado”. “Cada formato de mídia, então, vai se diferenciar e vai lutar pela atenção do telespectador, e é nessa luta que cada mídia foi encontrando um formato diferente de serialização”, o professor continua.
A estratégia de serializar um produto para atrair a atenção do público é uma herança mais antiga do que o próprio cinema. As histórias que os folhetins traziam em capítulos diários, no século XIX, serviram de inspiração para muitas produções audiovisuais que iriam se popularizar nas décadas seguintes, principalmente com as telenovelas brasileiras. Esse modelo seriado fisgou a atenção do público e tornou a televisão o produto que mais atraia telespectadores durante as décadas de 1980 e 1990, o que chamou a atenção de diversos produtores para o que fazia essas histórias se destacarem tanto.
O que mais marca essas construções episódicas é a conexão do público com a história. A identificação criada com os personagens e os diferentes cursos da trama são conduzidos para gerar expectativa e desejo para que o telespectador continue a acompanhar. Assim, quanto mais tempo de conteúdo é introduzido ao público, mais ele se conecta com esse enredo e investe seu tempo (e dinheiro) na produção.
O cinema, então, precisa se adaptar às novas formas de consumo e oferecer ao público aquilo que é de seu interesse, o que nem sempre é fácil quando o aspecto mercadológico é levado em consideração. Investir na produção de filmes, e produtos audiovisuais como um todo, é apostar dinheiro: pode ser um grande sucesso ou um fracasso de bilheteria. Do ponto de vista econômico, é mais seguro manter o que dá retorno financeiro aos investidores e produtoras do que se aventurar em novas propostas. Por isso, a serialização dos filmes se torna uma estratégia cada vez mais frequente. Assim, o investidor não fica triste ao ser perguntado “quando vem a sequência?”.
Trazendo conteúdos de outras mídias
Serializar um produto que deu certo pode ser a coisa mais previsível dentro do mercado cinematográfico, e trazer novidades dentro desse modelo e continuar chamando a atenção do público é desafiador. Por essa razão, é comum importar e levar histórias de outros meios de comunicação, principalmente da televisão, para o cinema, as adaptando para longas-metragens e os transformando em novos produtos seriados.
O professor Roberto Franco Moreira explica que essa é uma tendência para não apenas lucrar nas bilheterias, como também para atrair e migrar público de outros meios para o cinema. Nos anos 1970, a série de comédia Os Trapalhões (1974-1995) conquistava grande audiência aos domingos com suas esquetes humorísticas, e não demorou muito para que suas histórias fossem adaptadas para filmes. O que começou com um programa de televisão se tornou um fenômeno do cinemas e o maior sucesso de bilheteria do Brasil, com 5 de seus filmes se mantendo até os dias atuais na lista dos 20 filmes brasileiros com maior número de espectadores.
Com o sucesso que se estendeu pelas décadas de 1980 e 1990, Os Trapalhões abriram as portas e influenciaram o mercado para que outras produções da televisão fossem importadas para os cinemas para continuar atraindo a atenção do público. Os filmes da Xuxa, apresentadora de sucesso de programas infantis, por exemplo, começaram a interessar sua emissora e, depois de estrelar alguns filmes com os Trapalhões, recebeu o seu próprio espaço para filmes solo, também com grandes bilheterias.
Entre 2000 e 2010, produtos de comédia da televisão continuaram migrando seu sucesso para as salas de cinema. Entre o Auto da Compadecida (1999), A grande família: o filme (2007), Castelo Rá Tim Bum, o filme (1999), Cidade dos homens (2007), Os normais, o filme (2003), e tantos outros sucessos, o cinema continuou atraindo público da TV e lucrando com esse novo formato.
O que antes era novidade se tornou uma fórmula de expansão e sucesso para esses produtos audiovisuais, que foram se diversificando ao passar dos anos. Com os programas de televisão já seriados, com inúmeras histórias, como A Grande Família, criar uma nova trama não era difícil. A inovação, então, viria de prolongar narrativas já antes finalizadas derivadas das novelas.
Em 2013, a Globo Filmes lança 2 títulos: Crô: O filme, que acompanhava a trajetória do personagem secundário Crô da novela Fina Estampa (2011), e Giovanni Improtta, baseado no papel de José Wilker na novela Senhora do Destino (2004). Ambos os filmes foram muito lucrativos para a empresa, rendendo até uma continuação para o primeiro chamada Crô em família, e que atraiu a atenção de outras emissoras televisivas. Nos anos seguintes entraram em cartaz filmes como Carrossel, o filme (2015), do SBT, e Os Dez Mandamentos (2016), da Record, este que se tornou a terceira maior bilheteria nacional.
O cinema nacional é só comédia?
Ao analisar a lista das sequências de maior bilheteria ou dos programas televisivos que viraram filmes, a maioria deles tem o gênero em comum: a comédia. É errado dizer que o cinema brasileiro só produz comédia, porém, é inegável que essas produções costumam receber mais destaque e investimentos para sua produção. Em parte, isso se dá porque o público continua consumindo esses produtos, o que gera maior demanda para as produtoras — consumir comédia também faz parte de uma tradição brasileira.
Nos anos de 1970 e 1980, Os Trapalhões chegavam a lançar filmes duas vezes ao ano, sempre no período de férias escolares. A estratégia era tão efetiva que eles eram capazes de lotar todas as sessões e manter suas produções com mais de 1 milhão de espectadores. A mesma ideia continuou a ser empregada por diversas produções ao longo dos anos, incluindo os filmes de Minha mãe é uma peça, que ficaram tão populares a ponto do terceiro filme ser lançado no dia de Natal e se consagrar como a maior audiência da época.
Como dito anteriormente, investir no cinema é uma grande aposta e os produtores não querem arriscar perder o seu dinheiro, principalmente quando se leva em consideração a concorrência de filmes estrangeiros na bilheteria dos cinemas.
Não há dúvidas que os grandes blockbusters e filmes estrangeiros costumam receber orçamentos muitos superiores aos das produções brasileiras, e tendo mais a oferecer no quesito efeitos (equipamentos, tecnologias) e investimentos. É comum que a atenção do público em gêneros como terror e ação vá para os filmes internacionais, o que não costuma acontecer com a comédia.
As comédias são mais baratas e exigem menos complexidade técnica para serem produzidas, e mesmo com a falta de apoio do país, conseguem garantir investimentos adequados, pois o retorno financeiro é mais garantido, já que o público também gosta de consumir esses conteúdos. Moreira explica a ideia: “Quando a gente fala de ação, sobretudo, os americanos têm mais investimento, então não conseguimos alcançar. Mas, quando você projeta um filme de comédia estrangeiro e um filme de comédia brasileiro, nós conseguimos ser competitivos e bater a demanda do produto de fora.”