Uma voz solitária habita o palco. Da garganta surgem as palavras que movem a plateia — seja três, dez, cem pessoas —, as palavras que deformam a feição dos poetas, que agitam seus corpos e pairam no ar muito após o som ter se dissipado. Sussurros, gritos, súplicas, que ora versam da mulher amada, ora do mundo que tanto parece rejeitá-los; por vezes, o tema nem mesmo parece ser o principal. Às vezes, só o que importa é a poesia.
Mas e quando a poesia, ao final da noite, é submetida a jurados, reduzida a notas e premiações? Como é possível um formato tão contemporâneo e inovador de celebrar a palavra e os versos ser, no fundo, uma simples competição?
É esta relação — entre a arte e o concurso — que permeia o documentário Slam — Voz de Levante (2018), produzido pelas sensacionais Tatiana Lohmann e Roberta Estrela D’Alva. Nele, Roberta percorre o Brasil e o mundo, trazendo material gravado no decorrer de anos de sua trajetória como slammer, e apresentando vozes já consolidadas e recém inseridas nesta modalidade artística.
Para quem já conhece e para os que só vão ser introduzidos ao slam ao assistir o longa, sem dúvida, o maior destaque serão as performances. Proferidas em línguas, timbres e volumes distintos, de conotação frequentemente política mas com espaço para temas de maior simplicidade (se é possível chamar o amor de “tema simples”), as poesias performadas por uma só voz diante do público são de arrepiar até os mais apáticos. As apresentações da própria Estrela D’Alva, conhecida internacionalmente por suas participações em slams, são bom exemplo.
Outras figuras de peso aparecem pela voz. Na trilha sonora, nomes como Karina Buhr, Liniker, MV Bill e MC Daleste — que, inclusive, tem homenagem póstuma ao final do longa — trazem uma poesia à parte, com letras extremamente bem encaixadas às realidades abordadas pela obra.
No entanto, ao tentar incluir o máximo possível de poetas no holofote, Slam — Voz de Levante acaba tornando-se levemente repetitivo, ocupando tempo demais de seus 80 minutos de duração e deixando pouco espaço para uma introdução mais didática ao que é, afinal, o slam, e os detalhes da sua história.
Outro ponto que é apenas brevemente trabalhado na obra são as diversas polêmicas e discussões sobre o formato, as temáticas, e o próprio significado do slam poetry. Afinal, numa competição de poesia, o que importa é a arte ou a nota? E, se é a arte, por que há nota? E quem são os jurados qualificados para dá-la, e o que os qualifica?
Numa das cenas de maior ousadia do longa, Roberta discute uma certa monotonia temática nos slams mais recentes, bem como uma tendência a exagerar performances corporais e tons e volumes de voz para cativar a plateia. De fato, mesmo os poemas selecionados para figurar no filme são de temas muito parecidos — racismo, machismo, violência — e proferidos de maneiras parecidas — com a voz carregada de dor e raiva, tornando-se frequentemente um grito. Mas isto é ruim? É reflexo de uma falta de criatividade, uma tentativa de repetir fórmulas já comprovadas, ou é reflexo da raiva que frustrações sociais e políticas incumbiram em nossa juventude?
São diversas questões que complexificam a cerimônia que, à primeira vista, pode parecer uma simples leitura oral de poema. Infelizmente, não é este o longa que irá abordá-las a fundo; no entanto, é uma bela e comovente introdução a esta modalidade que chegou ao Brasil há pouco mais de uma década, e que promete continuar crescendo.
Conheça melhor o mundo do slam poetry assistindo ao trailer de Slam — Voz de Levante, que estreia nesta quinta (22) nos cinemas pelo país:
por Juliana Santos
jusantosgoncalves@gmail.com