Soundtrack (2017) é um filme sobre arte e sua aparente contraposição à ciência. Ambientado no Ártico, mas rodado em um estúdio no Rio de Janeiro, o longa é o primeiro na carreira da dupla 300ml, premiados por seus vídeos publicitários, e conta com Selton Mello e Seu Jorge no elenco, com quem já tinham realizado o curta Tarantino’s mind, em 2006.
Em situação semelhante a do artista que protagoniza a obra, também foram 4 anos de espera para que esse projeto pudesse se tornar realidade. A apreciação da autoimagem e a sua utilidade são o pano de fundo para o desenrolar das tensões entre o fotógrafo Cris (Mello), que após esse longo período consegue a autorização para viajar a uma base de pesquisa, e os cientistas que o recebem. Encabeçados por Mark (Ralph Ineson), em um contexto de preconceito e descontentamento inicial, eles parecem não entender o propósito do projeto do brasileiro: fazer registros, em forma de autorretratos, enquanto ouve a uma playlist pré selecionada, de forma a transmitir assim as diferentes sensações causadas pelas músicas. A ideia de viajar para tão longe apenas para tirar selfies – termo usado de forma pejorativa pelos cientistas- faz com que os pré-julgamentos a respeito da futilidade do artista sejam logo expostos.
O cenário inóspito e monocromático se mostra perfeito para a construção de sensações mais fiéis do que se ouve, com menor estímulo visual. A inserção de Cris nesse ambiente, repleta de embates com o meio, ajuda o espectador a se distanciar das típicas paisagens cinematográficas brasileiras e esquecer por vezes que se trata de uma produção nacional. Esse é um dos vários toques inventivos de renovação do filme, em meio a uma indústria brasileira saturada por comédias comerciais. Nisso mora o seu maior mérito, mas também uma de suas maiores falhas. O roteiro, por exemplo, na ânsia de ser diferente, conta com inúmeras brincadeiras que afetam a coesão da proposta. Referências pop a aplicativos de celular, por exemplo, não acrescentam nada ao filme e parecem uma tentativa pouco espontânea de torná-lo engraçado.
Fazendo jus ao título, a trilha sonora é uma dos maiores aliadas da história. O uso dos sons cria uma atmosfera desconfortável e tensa que orna perfeitamente os conflitos internos do personagem principal. O que é favorecida pela boa atuação de Selton, que a todo momento carrega lágrimas nos olhos e uma expressão de perturbação, em aparente incessante batalha interna. O desenvolvimento tortuoso de seu relacionamento com os cientistas que o abrigam também acrescenta substância ao filme, suscitando uma discussão e inserindo citações a momentos e personalidades que dialogam com o questionamento dos próprios personagens, uma boa ferramenta narrativa.
Um bom exemplo de aprendizado mútuo, que acaba por construir os caminhos de Cris, é a descoberta de que projeto desenvolvido pela equipe de Mark e Cao (Jorge), a respeito do aquecimento global, só iria apresentar seu resultado final em 90 anos. O artista se abala pela descoberta de uma nova visão, em que o reconhecimento pessoal não é uma meta. Ele acaba por descobrir, por meio das divagações de seus amigos cientistas, um mundo de homens que se tornaram mitos sem desfrutar disso. Percebe-se uma transição do artista para uma atmosfera mais reflexiva. A fotografia, com diversas referências a pensamentos anteriores dos personagens, é efetiva, sempre com um direcionamento muito preciso: a autopreservação. Forma concisa de definir o ponto em que a arte e a ciência convergem. Os fatos do desenvolvimento confluem para um desfecho que prova que um trabalho inventivo, exato ou lúdico, transcende o individual e não pertence ao presente.
Soundtrack chega aos cinemas no dia 6 de julho.
Assista ao trailer legendado:
Por Pietra Carvalho
pietra.carpin@hotmail.com