Um videogame pode aflorar vários dos nossos sentimentos: entusiasmo, nostalgia, curiosidade, medo, raiva, angústia, e até a mais momentânea felicidade. The Last Campfire (2020), é o tipo de jogo que explora o lado emocional do jogador tão facilmente que o pega desprevenido, com uma mecânica simples, mas que é complementada por uma narrativa marcante.
A história de uma brasa
O indie game, desenvolvido pela Hello Games, se mistura com elementos de fábula, cuja história é contada, aos poucos, pela voz de uma narradora. Assim, somos primeiro apresentados à Brasa, uma figura encapuzada que veleja em um barquinho de madeira e, ao perder sem querer seu remo, é levada pela correnteza da água e se afasta dos outros personagens. Mais do que isso, ela traja vestes de cor diferente das demais, e sua presença é até esquecida por eles, o que transmite ao leitor a sensação de que aquela brasa não se sente pertencente ao grupo. Após o incidente, o escuro que toma o cenário reflete a solidão e o medo que a personagem sente, intensificados pelos galhos ao seu redor, os quais se multiplicam e a sufocam em seus lamentos.
Ao chegar em uma ruína iluminada, a voz da narradora conta que esse é o lugar onde vão as brasas perdidas quando suas luzes começam a se apagar. A introdução é interessante e pode levar otimismo ao jogador ao mostrar que mesmo em momentos difíceis, há, no fim, esperança. Com isso, o início de The Last Campfire já insere o caráter alegórico que o jogo possui com os dramas humanos, e nos indaga sobre o que mais há por vir.
Saindo das ruínas, Brasa chega a uma floresta e descobre a sua missão nesse novo mundo: ajudar as Lamúrias a encontrarem a esperança também. Contudo, diferente daquelas, as Lamúrias são pessoas que estão presas em angústia por muito tempo e já não conseguem se libertar sozinhas. Portanto, o dever de Brasa é acordá-las de seu sofrimento e levá-las ao guia que alimenta as chamas da fogueira da floresta, lugar onde o jogo continua a se desenvolver.
As Lamúrias
As Lamúrias estão dispostas por vários cenários do jogo em forma de personagens petrificados, com expressões de agonia. Ao tocar nelas, Brasa consegue ter acesso aos seus sentimentos profundos, os quais se traduzem por meio de quebra-cabeças a serem resolvidos pelo jogador. As interações entre elas se desenvolvem como processos de cura e, enquanto nosso personagem encontra um propósito para si ao ajudá-las, ele também se torna o ponto de fé para a floresta e para seus habitantes.
A libertação das almas das Lamúrias representa a superação da dor dessas pessoas, mas nem todas terão essa sorte. Algumas ficarão perdidas para sempre, presas em sua tristeza. O jogador tem o poder de decidir se quer salvá-las, e elas próprias têm o livre arbítrio de escolher se querem ou não serem salvas. O jogo então nos ensina sobre perda e desapego, sem nem esperarmos.
A jogabilidade (Gameplay)
The Last Campfire começa de vez com pequenos puzzles (quebra-cabeças) para resolver, os quais estão presentes durante todo o game. Apesar de não seguirem necessariamente uma progressão no nível de dificuldade, cada um se difere do outro e alguns exigem mais raciocínio para serem vencidos. Os temas dos quebra-cabeças são singulares e refletem os problemas das lamúrias. É divertido passar por eles, e é gratificante ver as almas sendo, enfim, libertadas.
A repetição de puzzles pode parecer repetitiva após certo progresso dentro do jogo, mas The Last Campfire vai muito além disso. O cenário é rico em interatividade e os personagens secundários também possuem histórias interessantes o que torna a prolixidade superável. Podemos interagir com eles e ajudá-los em pequenas tarefas que, da mesma forma, nos ajudarão ao decorrer do game.
Toda a gameplay é uma experiência para lidar com enigmas e enxergar os objetos dispostos para além do concreto, brincando com eles. O objetivo é explorar tudo o que for possível e descobrir o que o mundo do jogo esconde. Há até mesmo o modo “explorador”, o qual permite passear pelo cenário sem o comprometimento em desvendar os puzzles — outro modo que vale o tempo.
E como não é possível deixar de lado sua parte visual e sonora, The Last Campfire não decepciona ao entregar lindos gráficos e músicas comoventes, juntos à voz narrativa suave que se assemelha aos contos de fábula. Dessa forma, a combinação certa da história com a trilha sonora pode estimular as lágrimas seguradas desde o início do jogo, e isso The Last Campfire faz muito bem.
E então, vale a pena?
The Last Campfire é divertido, sensível, cheio de simbologias e fácil de jogar. É o tipo de jogo que você termina em uma tarde e ainda se lembra dele com carinho, por mais que a experiência seja breve. Além disso, ele está disponível nas plataformas IOS, Windows, PlayStation 4, Xbox One e Nintendo Switch, para todos aqueles que desejam se aventurar e acender as chamas de sua última fogueira.
Imagem de capa: [Divulgação/The Last Campfire]