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‘The Mastermind’: o assalto de arte mais ordinário do cinema

Ladrão amador tem como plano de fundo um Estados Unidos de conflitos políticos e mudanças sociais, em um filme inovador para o gênero
Por Clara Hanek (clarahanek@usp.br)

Expectativas frustradas, ações impulsivas, personagens egoístas e confusão: estreia nesta quinta-feira, 16 de outubro, o novo longa da cineasta estadunidense Kelly Reichardt, The Mastermind (2025), exibido pela primeira vez no Festival de Cinema de Cannes deste ano. A diretora, conhecida pela cinematografia independente e pelos cenários pacatos e minimalistas, se reafirma como uma roteirista indie que usa o silêncio como ferramenta, concentrada mais nos personagens do que no plot ou no ritmo do filme.  

Com 1h50 de duração, a narrativa parte da vida perdida do protagonista, um carpinteiro desempregado que vive à sombra do pai, um juiz bem-sucedido, que questiona por que o filho não conseguiu se dar bem na vida como os amigos dele. O longa é classificado como drama criminal, mas, muitas vezes, invade a comédia pela ridicularidade do próprio assalto.

Josh O’Connor, mais conhecido por seus papéis em The Crown (2016-2023) e Rivais (Challengers, 2024), interpreta o tal carpinteiro, J.B. Mooney. O ator trabalha de forma que o espectador acredita na mediocridade de seu personagem. Com uma performance convincente em sua totalidade, O’Connor se solidifica como um dos grandes nomes da atualidade na indústria.

O peso do fracasso e de ser um pai de família sem renda acarreta uma tentativa desesperada e um pouco estúpida de ganhar dinheiro. Mooney orquestra um assalto audacioso e mal planejado a quatro obras de arte do fictício Framingham Museum of Art. Com comparsas pouquíssimo confiáveis, o carpinteiro rouba pinturas do artista Arthur Dove, modernista estadunidense conhecido por sua arte abstrata, à luz do dia. 

A história do filme foi inspirada no assalto ao Museu de Arte de Worcester, em Massachusetts, em 1972 [Imagem: Reprodução/Youtube/MUBI]

A escolha dessas obras específicas por Reichardt faz sentido para a construção do personagem. Willow Tree (1937), Yellow Blue Green Brown (1941), Tree Forms (1932) e Tanks & Snowbanks (1938) foram selecionadas por Mooney porque um dia foram expostas nas paredes de seu antigo professor de artes. Obras mais caras e de artistas mais reconhecidos são ignoradas, o que indica a natureza privilegiada e um tanto fútil do protagonista. Ele teve uma vida afortunada e divergiu do futuro ambicioso planejado pelos seus pais, mas não tem ideais ou motivações políticas, para além de sua rebeldia vazia.

A história se passa em uma cidade suburbana de Massachusetts nos anos 1970 e a boa adequação à época é um dos pontos mais atrativos do filme, bem situado no seu tempo e na estética setentista. Além do figurino e da ambientação do século passado, as situações sociais são coerentes. O movimento hippie protesta nas ruas com pedidos de paz, a pauta do noticiário é a Guerra do Vietnã, e os cartazes do Tio Sam escritos “I want you for U.S. army” (“Eu te quero para o exército dos Estados Unidos”, em tradução livre do inglês) estão espalhados pelas paredes.

O filme é dividido nos três atos clássicos de um assalto, que acompanham a jornada decadente do protagonista: o fraco planejamento, o durante e o depois. O momento mais cômico é o caos. O próprio roubo e tudo que deu errado e foi improvisado nele. Os dois colaboradores de Mooney pegam os quadros com meias-calças na cabeça e não são vistos pelo segurança que dormia, nem pelo policial que tinha parado na frente do museu para comer dentro do carro. São pegos no flagra, no entanto, por uma menina em idade escolar (Margot Anderson-Song) que recitava uma peça em francês. Apesar de estar na mira de uma arma, cuja presença também não estava no plano, a garota trata a situação com uma leveza engraçada. 

O filme, indicado à Palma de Ouro, foi produzido pela Filmscience e financiado e distribuído pela MUBI [Imagem: Reprodução/Youtube/MUBI]

Mooney é um personagem claramente egoísta. Não só por sua relação desigual com sua esposa Terri (Alana Haim), que trabalha e carrega as responsabilidades domésticas e parentais apesar de ele estar desempregado, ou pelos empréstimos imprudentes pedidos aos pais, mas também pelo pós-roubo. Depois que percebe que manter os quadros, e monetizá-los, era mais difícil do que de fato tirá-los do museu, ele relega sua família à casa de seus pais. Sai, então, na estrada, com a intenção de pular entre as casas dos amigos, sem se preocupar com as possíveis consequências que eles enfrentariam se fossem pegos abrigando um homem procurado pela polícia.

A cinematografia é bela e enevoada, mas, apesar das confusões, o filme é lento e, depois do assalto, se arrasta. Até a execução do crime a narrativa flui bem, apesar dos takes longos, mas parece que a última parte perde o rumo, assim como Mooney. O plano de fundo se mescla com a história do roubo, especialmente na última cena do filme. Embora o final abrupto colabore para a certa comicidade empregada no absurdo silencioso de toda a narrativa e tenha provocado risos na plateia, não é dele que o espectador precisava para sentir que a história ficou bem amarrada.

Fica a impressão do inacabado, que deixa uma pulga atrás da orelha de quem assiste, mas talvez tenha sido a exata intenção da diretora. Teria sido interessante explorar mais a reação dos pais, Bill (Bill Camp), que já estava decepcionado, e Sarah Mooney (Hope Davis), que financiou o assalto sem saber. Eles comentam sobre o crime durante o jantar com a família, e o pai até ridiculariza a escolha das obras a serem roubadas, mas não se sabe como reagiram após descobrirem a verdade.

O longa passa a impressão de ser inovador no gênero do heist movie porque foca no declínio do personagem de O’Connor, ao invés de focar em um plano genial, em uma boa execução ou no suspense que faz o público torcer pelos ladrões. O título do filme contém o humor inevitavelmente irônico pelo qual Reichardt já é conhecida. Mais de uma vez o personagem é dito no longa como o “cabeça” ou o “cérebro” da operação, mas o espectador sabe que nada naquele plano havia sido pensado de fato. Não há nenhuma pessoa mastermind envolvida no assalto.

The Mastermind já está em cartaz nos cinemas brasileiros. Confira o trailer:

*Imagem de capa: Acervo Pessoal/Clara Hanek

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