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“KOD”: J. Cole advoga contra as drogas em novo álbum

Imagem: Capa do álbum / Reprodução O rapper americano J. Cole está de volta com seu quinto álbum, o mais conceitual até o momento em sua carreira. Seguindo o LP de 2016 “4 Your Eyez Only”, “KOD” apresenta uma mensagem sólida e bem consolidada já na capa do álbum. Segundo Cole, o título do disco …

“KOD”: J. Cole advoga contra as drogas em novo álbum Leia mais »

Imagem: Capa do álbum / Reprodução

O rapper americano J. Cole está de volta com seu quinto álbum, o mais conceitual até o momento em sua carreira. Seguindo o LP de 2016 “4 Your Eyez Only”, “KOD” apresenta uma mensagem sólida e bem consolidada já na capa do álbum. Segundo Cole, o título do disco é uma sigla para três nomes diferentes: “Kidz On Drugs” (“Crianças drogadas”), “King Overdoz” (“Rei Overdose”) e “Kill Our Demonz” (“Matando nossos demônios”). Estes três nomes representam os três conceitos principais apresentados por Jermaine ao longo do álbum, com cada música abrangendo em níveis diferentes cada um destes. “KOD” alcançou número 1 nas paradas Billboard e levou Cole ao topo, também, como artista mais vendido (maio 2018).

A capa do álbum, como citado, é fundamental para o estabelecimento do conceito e estética do disco. Nela, o próprio Cole é representado como o personagem “King Overdoz” e, sob seu manto, estão as crianças usando drogas. Acima do plano de fundo colorido e psicodélico, está a frase (em inglês) “Este álbum não tem como intenção, de maneira alguma, glorificar vícios”. Toda essa construção estabelece a mensagem principal do disco, que fala sobre como a sociedade atual e o próprio mundo do hip-hop têm levado à glorificação das drogas e ao dinheiro e a influência desse fato nos jovens e crianças, levando-os a viver dedicados à perseguição aos bens materiais regada com vício nas substâncias.

Capa de “KOD”, representando J. Cole na figura de “Rei Overdose” e as “crianças drogadas”. (Imagem: Reprodução)

Cole abre o disco com uma introdução suave, fazendo uso de samples de jazz unidos a versos em spoken word (falados ao invés de cantados). Estes são declamados por uma voz feminina e narram as respostas primárias de uma criança após o nascimento: o riso e o choro. Esta narrativa é usada para introduzir o tema que liga os três conceitos que Jermaine tenta abordar: como lidamos com as dores da vida. A voz, ao final da fala, avisa: “Há muitas maneiras de lidar com a dor: escolha sabiamente.”. Este último conselho se repete vertiginosamente, com uma parada abrupta na música que nos leva à faixa título.

Em KOD, o rapper fala sobre o cotidiano caótico na vida como vendedor de drogas, descrevendo como viu sua primeira morte precocemente, amigos serem hospitalizados, tentou sanar a dor com Actavis (principal ingrediente no “lean”, bebida a base de xaropes que contêm codeína, popular na cena rap norte-americana) e como sua vida era uma busca enlouquecida por dinheiro. A faixa título abre formalmente o álbum com uma batida pesada e contagiante, com uma performance energética de Cole que prepara o ouvinte para o resto do álbum. A canção, porém, sofre com uma escolha pobre de Jermaine pelo bloco de rimas que abre o rap. Neste, Cole fala sobre como seu trabalho é autossuficiente e não precisa de colaborações (o rapper sempre foi constantemente cobrado para que as usasse mais frequentemente, ao ponto de ser criticado pela falta delas). Esta fala, porém, não adiciona ao tema da música e distrai o ouvinte do tema real da letra. Ao fim da canção, a voz feminina retorna, e cita diversos nomes de drogas populares nos EUA, como Xanax, maconha e o já citado lean. Estes são unidos a possessões terrenas que são consideradas perigosas no contexto do álbum, como a fama, o poder e o dinheiro, destacando aquilo que ela nomeia a pior droga de todas: o amor, antecipando o tema da próxima faixa.

Photograph é a visão de Cole sobre aquilo que, há apenas alguns anos, seria considerado coisa de “esquisitão”, mas atualmente se tornou comum, e quase natural: se apaixonar pela internet. Pela letra, pode-se entender que o rapper se refere principalmente ao Instagram. A canção descreve a sensação e situação de se apaixonar por uma fotografia na internet, de alguém que nunca se viu na vida real. Jermaine rima sobre como ao invés dessa situação levar a uma relação normal entre duas pessoas, o personagem narrador congela ao pensar no que dizer para estabelecer contato e se vê preso admirando secretamente a foto de uma desconhecida.

Em The Cut Off, Cole nos introduz a seu alter-ego kiLL edward, seu único feature no álbum. Edward, na verdade, é o próprio Cole através de alterações de áudio, e o personagem representa uma versão alternativa do rapper, que escolheu as piores maneiras de lidar com as dores da vida. Na canção, edward, por não saber como superar os desafios a ele impostos, pede por diferentes tipos de drogas em um refrão alucinado, e termina o mesmo dizendo “se eu morrer, eu sei lá, eu sei lá…”. Em suas rimas, Cole fala sobre como teve de cortar relações com aqueles que dele abusaram, emocional e financeiramente. O rapper conta sobre seus desejos de fazer justiça com as próprias mãos e como resiste a estes, mantendo sua sanidade. Contando também uma linha vocal de kiLL edward que diz “o tempo me mostrará quem está ao meu lado”, a música fala sobre como Cole tenta perdoar aqueles que o usam como muleta para sobreviver.

O single de destaque do álbum, a canção ATM (sigla para as máquinas de caixa eletrônico em inglês, mas que Cole revelou como acrônimo para “addicted to money”/“viciado em dinheiro”) ganhou seu vídeo no mesmo dia do lançamento do álbum, e definiu a estética geral do novo projeto de Jermaine. Com uma batida energética mas suave ao mesmo tempo, a atenção é dirigida às rimas, que falam justamente sobre a volatilidade do dinheiro e seu valor superestimado em nossa vida, como mostrado nos versos “você não pode levar quando morrer, mas não consegue viver sem ele”. Jermaine rima do ponto de vista de um viciado em dinheiro, dizendo como este pode resolver todos seus problemas e que a própria vida se resume numa busca desesperada por ele. A canção, apesar de simples e minimalista em sua construção, carrega muito peso em sua mensagem. Esta é com certeza uma música em que Cole acerta em cheio em sua crítica e liricismo.

“KOD” levou J. Cole ao topo das paradas Billboard. Na foto: Cole apresenta show em Nova York em agosto de 2017. (Foto: Nicholas Hunt/Getty Images)

Motiv8, por mais interessante que seja sua batida, é uma canção perdida e sem força no meio do álbum. Não se compreende exatamente o que Cole quer dizer com a letra, mas o mais provável é que nela, descreve como tudo e todos na vida podem ser motivados pelo dinheiro. As rimas são escassas, mas criam um contraste com os versos de kiLL edward, que falam sobre “engolir o orgulho” e como este sorri, mas está morrendo por dentro. Este contraste demonstra mais claramente o objetivo da letra de mostrar que o dinheiro pode motivar, mas não traz satisfação pessoal.

Em Kevin’s Heart, Cole usa como base a história do comediante Kevin Hart – que se tornou alvo das fofocas públicas após um escândalo de infidelidade – para comentar sobre o desejo e traição amorosa. Jermaine também apresenta as relações extra-matrimoniais como uma maneira irresponsável de lidar com as dores da vida, e comenta sobre como aqueles que traem seus parceiros carregam a culpa e a vergonha pelos seus atos. Para intensificar a descrição da sensação de erro, o rapper fala sobre como se trai para correr da dor, e une as imagens de desejo sexual ao vício em antidepressivos, nesse caso, o mais famoso deles nos EUA: o Xanax (ou Xanny para os íntimos). Cole, rimando do ponto de vista de um homem que trai (talvez o próprio Hart), traz à letra um tom extremamente auto-depreciativo quando, no que pode se chamar da parte mais dramática da canção, repete o verso “eu sou um cara falso e isso nunca esteve mais claro/Não me vejo quando olho no espelho”. Kevin’s Heart ganhou um vídeo quatro dias após o lançamento do disco, e tem como protagonista o próprio comediante. O clipe adiciona uma nova camada à música, visto que inclui a cena onde Kevin é aconselhado a aprender com seus erros, pois é apenas humano.

Adentrando a reta final do álbum, BRACKETS é parte das quatro músicas mais detalhadas e profundas que fecham o álbum. Na canção, Cole fala sobre como os cidadãos que pagam impostos precisam de mais autonomia e conhecimento sobre como estes são usados. A letra abrange a questão sociopolítica falando sobre como o dinheiro pago pela população americana ao governo vai para as mãos de “deputados que eu nunca vi” e “alimentam as empresas gananciosas que fazem as armas que circulam pelo país”. A letra também abrange a questão educacional, falando sobre como nas escolas americanas, crianças negras aprendem sobre “heróis da mais branca das peles”, sendo educados por professores “que não se parecem com eles”.

Em sequência vem o interlúdio Once An Addict, que se abre com o retorno da voz narradora, que discorre sobre como a dor “é apenas falta de compreensão”. A letra é intensa e pessoal, com Cole falando de sua perspectiva sobre sua mãe, que sofria de alcoolismo. Na canção, Jermaine conta como ele mesmo sofria com a tristeza dela, que fora traída pelo marido e usava a bebida para lidar com a dor, e como ainda carrega arrependimento por não ter feito mais por ela, ao invés de fugir dos problemas de casa se isolando na faculdade. A atmosfera nesta última seção do álbum é pesada e densa, com um foco diferente nas letras, que agora remetem muito mais ao conceito do título “Kill our demonz” apresentado por Cole, já que este comenta sobre os tormentos de sua própria vida.

A terceira música do quarteto, FRIENDS é um apelo de Cole aos seus amigos para repensarem suas vidas e abandonarem as drogas. O rapper cita diretamente nomes de pessoas próximas, mas estes são invertidos e difíceis de decifrar. Nas rimas, Jermaine analisa a situação das drogas com a população afro-americana nos EUA, e lista os possíveis culpados, como o sistema, a polícia, problemas pessoais, a administração de Donald Trump e a de Bill Clinton, a música trap, mas resume ao dizer que para listar todos os culpados “precisaria de 20 CD’s”. Cole prossegue dizendo que a culpa da situação vai muito mais além, mas o motivo dos jovens negros se drogarem é pelos traumas que a vida apresenta e como as drogas se mostram como a única maneira de lidar com estes.Jermaine fecha seu verso com uma mensagem positiva, mas entregue de uma maneira um tanto enfadonha, dizendo que a solução não é medicar, mas meditar.

Contracapa de “KOD”, que segue a estética surreal da capa, novamente representando crianças junto às drogas (Imagem: Reprodução)

Window Pain (Outro), faixa que supostamente deveria encerrar o álbum – perdendo esta função para “1985” – abre com a fala de uma garotinha, que conta sobre o assassinato de seu primo. Na introdução cantada, Cole agradece a Deus pelos seus entes queridos e reflete sobre onde chegou na vida: no começo, ia atrás de fama e dinheiro e agora, quer voltar a ver sua avó “do outro lado” e proteger aqueles a quem ama. Nas rimas, o rapper fala sobre a violência dentro das comunidades negras americanas, refletindo sobre a vida que aqueles próximos a ele tiveram e agradecendo por sua própria vida. A canção se encerra novamente com a fala da garotinha, agora respondendo uma pergunta feita por Cole: “por que você acha que o mundo não pode ser apenas felicidade?”, ao que esta responde que “Deus está tentando nos ensinar uma lição, e nos avisando que Ele voltará. E quando o fizer, nós iremos viver com Ele como seus filhos, e Ele vai recomeçar o mundo”.

Apesar de Window Pain levar o rótulo de “outro” (faixa que fecha o álbum), a última música do disco é, na verdade, 1985, canção que atraiu maus olhares de rappers mais jovens perante Cole. Nas rimas, Jermaine reflete sobre o rap de hoje em dia, com as batidas trap e letras sobre dinheiro, festas, drogas e sexo e levanta críticas e elogios, apesar das primeiras serem mais intensas. Cole diz que já teve a idade dos rappers famosos de hoje e entende de onde vêm e o que querem, porém espera que, ao crescer, adotem um estilo de vida mais responsável e que aprendam com os erros da juventude. O rapper segue dizendo que as músicas de hoje não o impressionam, que não agregam à cena do hip-hop, mas que fica alegre ao ver a juventude negra enriquecendo. Em cima disso, acusa o rap atual de fortalecer estereótipo da cena e da comunidade negra, com rappers que se tornam apenas personagens inconsequentes e que glorificam as drogas. Alguns rappers levaram a letra da música com uma crítica direta, o principal deles sendo Lil’ Pump, que postou um vídeo de uma música em que este diz repetidamente “fuck J. Cole”, além de um vídeo falando diretamente a Jermaine e ironizando sua atitude na canção. Cole não respondeu às retaliações e, em um de seus seus shows, quando a platéia começou a gritar “fuck Lil’ Pump” durante a música, o rapper pediu: “não façam isso”. Um aspecto interessante sobre “1985” é o motivo pelo qual a canção encerra o álbum. Levando em seu título o anexo Intro to The Fall Off, 1985 foi revelada por Cole como a faixa de abertura de seu próximo álbum que, segundo ele,já está sendo trabalhado e leva o título de, como enunciado em KOD,  The Fall Off.

O quinto álbum de J. Cole se mostra profundo e excêntrico, além de bem sucedido comercialmente. Cole se apresenta novamente um liricista inteligente e uma figura influente na cena do rap. Resta agora esperar para conferir seu próximo álbum e se este seguirá o sucesso e qualidade de “KOD”.

 

 

Por Marcus De Rosa
mesderosa@usp.com

 

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