Por Natália Belizario Silva
Na largada, eu já senti que estava no lugar errado. Sem a meia de compressão, marcador cardíaco, tênis fluorescente. Natália, faz a atleta. Alonga aí. “Ayrton Senna Racing Day”: palavras do maior ídolo que esse país já teve ecoavam pelo autódromo de Interlagos. Ele descrevia o percurso que fez com carro, com uma marcha só. Contagem regressiva, vai Natália, corre. Eu era Fernanda na corrida; na hora da inscrição, minha irmã colocou o nome dela primeiro, mas quem abriria o revezamento era eu. Vai, Fernanda. Corre.
O primeiro quilômetro foi ok, aquecendo. Vi o S do Senna, vi a galera que sabia o que estava fazendo lááá na frente. Comecei a sentir a perna que eu tinha machucado no final de semana jogando basquete, meu esporte do coração. Correr nunca foi minha praia, mas minha irmã fez a inscrição e eu não gosto de desistir das coisas. Acordei 4h da manhã pra chegar aqui, agora eu vou terminar esse negócio. Quando vi a placa do segundo quilômetro, com o corpo já quente, minha perna parou de doer. Eu vi uma dupla correndo, ela em pé, ele numa cadeira especial para corridas. Arrepiei até a alma, sim. Pelo companheirismo de correr junto, de empurrar uma cadeira pesada e carregar o próprio corpo. Eu só carregava o meu corpo, bem mais leve do que de muitos que me ultrapassaram, mas ofegante. Reduzi, andei, tomei água e voltei a correr.
Na primeira subida, com uma curva no meio, comecei a ver pedaços de pneu. Lembrei do nome da corrida, de Ayrton descrevendo o percurso. No terceiro quilômetro, o movimento de corrida ficou mais instintivo, com “I am mine”, do Pearl Jam, tocando bem alto na minha cabeça. Entre uma música e outra, ouvia meu pé no chão e minha respiração forte, mas não ofegante como no final do jogo de basquete. O quilômetro quatro parecia longe demais. Marcaram essa distância errado, não é possível.
Comecei a prestar atenção nas pessoas que corriam por perto. Pouca gente da minha idade. Senhoras. Senhores. Um moço de macacão e capacete me ultrapassando. Natália… que vergonha. Gente que corria diferente. Resolvi testar outros jeitos de correr, o mesmo movimento já estava entediante. Vou igual ao moço do tênis legal ali, na ponta do pé. Dói. Deve ser o tênis. Quantas tatuagens de corrida… keep running, Natália. Caraca, que cara rápido. Que passada larga e leve. Parece bem mais fácil do que correr assim, que nem eu. Vou tentar. 30 segundos. Meu… que que é isso que tá doendo? Nunca senti.
A subida antes de chegar na largada e correr a segunda parte da prova. Vou correr a subida. Tá difícil. Vai só até a linha ali, Natália. Ok, deu. Agora o fotógrafo. Mais um pouco. Pronto, metade já foi.
A outra metade foi mais do mesmo, mais cansada. A subida antes do final pareceu mais longa. Não para não, Natália. Chega correndo. Antes de enxergar a largada, vi um caminhão das Paralimpíadas, avisando que o movimento estava chegando. Por motivos pessoais, abri um sorriso enorme. Passar na chegada foi bom e talvez seja esse o sentimento que as pessoas experientes em corrida, da meia de compressão e marcador cardíaco, procurem quando saem de casa antes do sol aparecer. Entreguei a pulseira do revezamento pro meu cunhado e chega de relato por aqui. Meu fôlego de escrever acaba junto com os 10km feitos.