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Na pele, ciclista

Por Luísa Amorim (luamorcor@gmail.com) Um intenso debate na mídia e nas redes sociais quanto ao benefício trazido pela implantação de ciclovias na cidade de São Paulo foi o bastante para aguçar a minha curiosidade sobre o tema. Mesmo antes, quando não havia propaganda por parte da prefeitura a favor do uso da bicicleta, eu me …

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Por Luísa Amorim (luamorcor@gmail.com)

Um intenso debate na mídia e nas redes sociais quanto ao benefício trazido pela implantação de ciclovias na cidade de São Paulo foi o bastante para aguçar a minha curiosidade sobre o tema. Mesmo antes, quando não havia propaganda por parte da prefeitura a favor do uso da bicicleta, eu me interessava pela possibilidade de utilizá-la para me locomover dentro de um espaço onde os engarrafamentos, diariamente, arrancam horas das vidas dos cidadãos. No entanto, foi com a discussão sobre a construção da ciclovia da avenida Paulista, inaugurada no dia 28 de junho, que um simples interesse desenvolveu-se em direção a uma experiência: a favor ou contra as ciclovias? Só testando para ver!

A preparação é o primeiro desafio

A última vez em que eu havia encostado numa bicicleta fora aos doze anos de idade e, em consequência, o modelo que eu tinha era infantil. Foi necessário pedir a bicicleta de minha tia, uma Caloi Urbe, daquelas dobráveis de rodas pequenas em que se fica ereto para pedalar, emprestada para realizar a experiência de ser uma ciclista por alguns dias. Logo após apanhá-la em seu local de origem, nos Jardins, veio a primeira surpresa: a inflexibilidade do transporte público.

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Ciclovia da Avenida Paulista, cuja inauguração engatilhou uma série de discussões acerca da importância do meio de transporte alternativo para a manutenção do trânsito da cidade de São Paulo. (Foto: Luísa Amorim/Jornalismo Júnior)

A distância que eu deveria percorrer em seguida seria de, aproximadamente, 9 quilômetros, e – sendo extremamente desaconselhável pedalar por ruas e avenidas após sete anos sem subir em uma bicicleta – foi necessário pegar ônibus (que não aceita bicicletas, a não ser que elas sejam dobráveis). Da primeira vez, o veículo encontrava-se vazio, de modo que não tive nenhuma dificuldade para transportar a bike. Mas da segunda, peguei o ônibus cheíssimo e houve uma variedade incrível nas reações das pessoas ao me verem carregando aquele trambolho: desde caras feias, até reclamações como “Não acredito, uma bicicleta!”, até as boas almas que me ajudaram a colocar minha carga em um cantinho e tiveram paciência quando eu precisei sair pela porta da frente.

Com a bicicleta já no bicicletário de meu prédio, a próxima etapa para me tornar uma ciclista seria voltar a andar fluentemente. Os longos anos sem tocar em uma bike fizeram uma enorme diferença: pode até ser verdade que, ao aprendermos a andar de bicicleta, nunca mais esqueceremos como fazê-lo; porém, com certeza, a prática perde-se completamente! Ao subir no veículo, a insegurança de minhas mãos no guidão foi responsável por uma queda logo após o primeiro impulso nos pedais. Sendo assim, eu notei que precisaria de treino – muito treino – para poder andar sem pender para os lados, e, além disso, ser capaz de pedalar pelas ruas, o que requer muito mais atenção do que um simples passeio pelo parque.

Como uma cidadã-padrão, que alterna entre o transporte público e o privado, e que não costuma sair de bike para passear, posso afirmar que os primeiros momentos são os mais difíceis. A primeira coisa que fiz para voltar a andar de bicicleta satisfatoriamente foi alugar uma no parque Ibirapuera por uma hora para pegar a manha novamente. O maior erro! Era um domingo, o parque estava lotado; era impossível andar devagar, pois assim eu perdia o equilíbrio, mas também era impossível andar rápido, pois eu não tinha coordenação para desviar dos pedestres. Ou seja, meu passeio pelo parque resumiu-se a  um movimento lento e entrecortado por quedas frequentes, apenas comprovando ainda mais o meu despreparo.

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A Caloi Urbe, munida de uma cesta para guardar objetos durante o passeio, utilizada para o mês de ciclista em São Paulo. (Foto: Oscar Segovia)

Para virar ciclista digna de andar nas ruas da caótica cidade da garoa, seria necessário adotar outro método; entendi que a melhor das opções seria fugir de parques lotados e começar em ruas vazias, até garantir minha habilidade para circular por avenidas em segurança. Um bairro que cumpriria a tarefa seria a Chácara Santo Antônio, próxima ao parque Severo Gomes. Ruas de um asfalto de qualidade mediana, planas, e pelas quais passam carros a cada 15 minutos! Algumas horas de treino ao lado de uma pessoa experiente, que forneceu dicas simples e importantes, foram o bastante para que eu conseguisse o equilíbrio e um pouco mais de jogo de cintura por trás do guidão de uma bicicleta. Apenas uma queda – a queda que, por acaso, ocorreu bem no meio da rua – marcou meu corpo com um ralado na mão esquerda. Com ela, ficou claro que quem deseja ser ciclista não pode ter pressa. Imaginei que se um carro estivesse próximo quando eu caí, com certeza teria sido atropelada. A conclusão que saiu da experiência consistiu em elevar a cautela à prioridade máxima quando se anda de bicicleta.

Pedalando de fato

Tendo pegado a prática, resolvi partir para o uso em pequenas viagens, como ir ao supermercado, à sorveteria, distâncias em torno de 1 km. A lição que eu levei depois de algumas tentativas foi de que é necessária uma aptidão física que eu não possuo para subir uma ladeira de bike: no meu bairro, repleto  de morros, é improvável sair de casa e não passar por uma subida desafiadora para qualquer pulmão de um ser humano normal que resolveu tirar a bike da garagem. Posso afirmar que, na última semana, os porteiros de todos os condomínios das ruas próximas estranharam várias vezes uma pessoa vermelha, sem fôlego e suada carregando uma bicicleta pelas subidas do bairro (na realidade, ver uma bicicleta por lá é, por si só, um acontecimento raríssimo; eu entendi por quê). Entretanto, é questão de tempo: aos poucos, fui obtendo força nas pernas para pedalar por caminhos cada vez mais íngremes, e a sensação de triunfo ao chegar no topo de uma ladeira é inigualável. Uma das graças de andar de bicicleta é justamente isso: é sempre possível se superar e ganhar de si mesmo.

Chegou, então, a hora de ir de bicicleta para a faculdade. Calhou para mim que a única ciclovia que passa perto de casa vai parar bem na frente de lá, então fui abençoada por uma segurança que nem todos possuem para se locomover para os lugares. Ela começa ao lado da via para os automóveis, muda para o canteiro central de uma avenida, e, chegando perto do meu destino, volta para o canto direito da rua. Da primeira vez que fiz o trajeto, levei uma hora para pedalar os 10km que separam casa e faculdade, mas o tempo diminuiu para 50 minutos a partir da segunda vez.

Passando pelo primeiro trecho, antes de chegar ao do canteiro central, sofri com imprevistos. Não esperava uma via tão inutilizada e desrespeitada. Inúmeros carros – não é coisa de um ou dois – estacionados em cima da ciclovia, terra e areia em trechos do espaço reservado para bicicletas (de modo que eu escorreguei e caí). A via, em si, não se encontrava em más condições, porém o tratamento dado a ela pelos cidadãos demonstrava um desinteresse extremo.

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Ciclista desviando dos buracos e imperfeições da ciclovia da rua Gáspar Moreira. A pista mais próxima da calçada possui uma rachadura que impede a circulação, forçando a contramão para quem segue no seu sentido. (Foto: Luísa Amorim/Jornalismo Júnior)

Por outro lado, ao entrar no trecho que fica em um canteiro central, devo dizer que fiquei maravilhada com o vento no rosto. Ao ver o trânsito dos carros que iam para o mesmo lugar que eu, cujos motoristas chegariam menos suados, porém mais estressados e, quem sabe, até mais atrasados em seus destinos, senti que era bom ter outra alternativa. Surpreendi-me com a qualidade da ciclovia, que fica no canteiro central da avenida: faróis para os ciclistas, qualidade boa do concreto, segurança das curvas e relevo plano. Há, ao seu lado, um espaço de gramado, no qual pedestres  podem caminhar – no entanto, a maioria utiliza o espaço reservado para os ciclistas.

Perto da faculdade, onde a ciclovia desvia para o canto direito da rua, o cenário fica diferente: o asfalto completamente desigual e cheio de buracos dificulta a passagem de bicicletas (não é à toa que se vê mais ciclistas na rua do que na ciclovia). É simplesmente impossível andar por lá sem ter de parar e desviar de rombos no chão que podem gerar acidentes. Eu quase despenquei  da bicicleta ao cair num buraco e, ainda, ao atravessar a rua numa faixa de pedestres (segurando a bike ao meu lado), quase fui atropelada por um motorista que dirigia um furgão e avançou sobre mim, o que nunca acontecera antes de eu sair de casa com a bicicleta.

Mesmo assim, duas situações adoráveis marcaram minha experiência entre casa e faculdade: da primeira vez em que voltava do trajeto, um homem visivelmente experiente passou por mim e percebeu que eu não pedalava há muito tempo. Ele, um indivíduo que não tinha a menor necessidade de me auxiliar, perguntou se eu queria ajuda, me deu dicas para chegar aonde eu queria e até me acompanhou além do destino dele para o lugar menos movimentado do caminho, numa generosidade que me cativou. A segunda experiência que me cativou consistiu em uma queda que eu sofri – uma das poucas -, quando dois jovens pararam para perguntar se eu estava bem e me encorajaram: “Isso acontece, faz parte”. Achei incrível tal humanidade entre os ciclistas, o que não encontrara nunca entre pedestres ou motoristas.

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Ciclovia da rua Gáspar Moreira, próxima ao portão principal da Cidade Universitária. Seus buracos e rachaduras desencorajam os ciclistas – que, em sua maioria, utilizam o espaço para automóveis. (Foto: Luísa Amorim/Jornalismo Júnior)

O que ficou da experiência

Repeti diversas vezes o mesmo caminho, pois andar de bicicleta me conquistou. Parece que o fato de não estar separado do resto do mundo por uma carcaça de metal faz diferença: é possível enxergar as outras pessoas. Muitas vezes troquei palavras com outros ciclistas e pedestres enquanto pedalava e não senti vontade de xingar ninguém em trânsito! O olhar de um ciclista sobre a cidade é diferente, mais interligado com o ambiente. Até para uma pessoa que mora relativamente longe de tudo, é possível a locomoção de bike. Confirmo, no entanto, que há, sim, ciclovias em péssimas condições; do mesmo modo que há ciclovias perfeitas. São Paulo é tão grande que o sistema de transporte é insuficiente para os motoristas e para os pedestres também. Mas o maior  problema em andar de bicicleta por aqui é sofrer com a intolerância dos motoristas de automóveis, muitas vezes agressivos.

Concluí, portanto, em um mês com uma bicicleta, que qualquer pessoa pode ser ciclista. Não pela comodidade, mas pelo sentimento que pedalar traz: é uma sensação que motiva o iniciante a continuar. Aprender, ganhar experiência, alcançar um físico adequado – são barreiras facilmente transponíveis. Em um mês, fui capaz de percebê-lo. O único problema grande com o qual sofri foi insegurança que significa andar de bicicleta em São Paulo – motivo que impede inúmeras pessoas de testar tal meio de transporte. Mesmo assim, ela está diminuindo à medida que ciclovias são implantadas na capital, encorajando o aumento dos ciclistas e, quem sabe, o decréscimo  de carros.

Ao fim deste último mês, decidi que vou comprar uma bicicleta para percorrer pequenas e médias distâncias. Duvido que eu seja a única a fazer essa escolha, agora que é possível andar de bike de modo mais seguro do que um ou dois anos atrás.

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