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‘Urubus’ – Uma imersão na arte periférica de São Paulo

TENSÃO, AMOR, DRAMA E REVOLUÇÃO SE MISTURAM EM FILME QUE QUESTIONA OS LIMITES DA ARTE E DÁ VOZ AOS MARGINALIZADOS

Qualquer pessoa que resida no estado de São Paulo – especialmente no centro da região – ou já tenha visitado bairros como a República, o Anhangabaú e a Sé, deve ter reparado nas diversas escritas nos muros e prédios: a pichação. Dividindo opiniões, a prática está, para muitos, no limiar entre uma manifestação artística e o vandalismo. Urubus (2023), dirigido por Claudio Borrelli e baseado em fatos reais, adentra o universo da cultura periférica e suburbana da pichação e a busca dos jovens marginalizados por seus lugares no mundo.

O filme tem como plano de fundo principal a trajetória de Trinchas (Gustavo Garcez), um jovem da periferia de São Paulo que vê na pichação uma forma de questionar o sistema que o oprime. Junto a ele, unem-se outros personagens que formam o grupo Urubus e percorrem a cidade para impor sua tag, assinatura de cada indivíduo ou coletivo que os identifica no submundo dos pichadores.

Nas cenas iniciais, o espectador é introduzido à adrenalina de um ato que mistura rebeldia e tensão quando os Urubus escalam o topo de um prédio e se penduram em sua beirada para pichar a tag com um rolo de pintura, sem qualquer mecanismo de proteção ou segurança. Durante o ato, eles são interrompidos pela presença do porteiro do edifício, que os ameaça com uma arma fictícia. Rapidamente, o grupo desmascara o trabalhador e avança de maneira violenta sobre ele. Cabe destacar que o momento em questão – e o filme como um todo – reproduz alguns dos estereótipos atrelados aos pichadores, vistos como vândalos e violentos pela sociedade tradicional brasileira, característica frequentemente atrelada aos indivíduos que, de alguma maneira, se opõem ao sistema.

No desenrolar da história, a obra percorre a narrativa individual dos personagens, ainda que de forma implícita, como na precária condição de moradia dos jovens e suas dificuldades financeiras. Além de mergulhar nessa questão, o longa também explora a narrativa coletiva por meio da busca do grupo pelo seu lugar no mundo e da luta pela transformação do quadro social de miséria e violência, além da mudança na consciência da sociedade em relação ao que é considerado arte ou não.

Baseada em fatos reais

A obra de Borrelli pauta-se em um acontecimento real na história brasileira, que ocorreu em meados de 2008. A Bienal de São Paulo, que ocorre desde 1951 no Parque Ibirapuera, é um dos principais pilares da corrente artística nacional e determina-se como um importante evento internacional de promoção da arte. 

Na sua edição de 2008, uma das instalações artísticas, que ocupou um andar inteiro da exposição, foi o “vazio”. Tal como descrito pela palavra, o andar não tinha nada além de suas paredes brancas e intactas, com o objetivo de simbolizar a crise que a Fundação Bienal de São Paulo enfrentava. No entanto, esse cenário limpo logo mudou quando alguns jovens invadiram a Bienal e deixaram suas marcas em todos os vãos, paredes e vidros no andar vazio da instalação. Após o tumulto gerado, a maior parte do grupo conseguiu fugir, exceto uma garota, que foi detida e levada pela polícia. O fato foi retratado no filme pela atriz Bella Camero, como a personagem Valéria.

Reprodução de estereótipos 

Ainda que o filme tenha sua estética de rebeldia e revolução, certas cenas e personagens da trama mais reproduzem os estereótipos atrelados aos jovens, pichadores e periféricos, do que se esforçam para quebrá-los. Com um vocabulário que tenta parecer excessivamente com uma realidade fictícia dos indivíduos que vivem em favelas por meio do uso frequente de gírias e palavrões, a atuação torna-se um tanto quanto cômica, já que nem todas as pessoas que vivem e crescem nesses locais se comunicam dessa maneira. Além disso, a obra atrela a pichação, em todos seus momentos, com o mundo do crime, o uso de drogas, o roubo e o tráfico, como uma descrição caricata dos estereótipos de pichadores.

“Arte como crime; crime como arte”

Com uma frase do historiador norte-americano de pseudônimo Hakim Bey, influente em diversas correntes anarquistas, a obra cinematográfica Urubus traz consigo um debate atual e necessário em relação ao conceito de arte e o quão elitizada ela pode ser. 

No Brasil, de acordo com a Lei 9.605/98, artigo 65, a pichação é considerada crime, com pena que varia de três meses a um ano ou multa em dinheiro, fato que explica a rotina caótica e, muitas vezes, perigosa dos pichadores por toda a cidade. 

Contudo, assim como no filme, a pichação é indissociavelmente atrelada ao indivíduo marginalizado e anti-sistêmico, que se utiliza de mecanismos para protestar contra uma sociedade regida pela burguesia. Essa classe, que tem a palavra final na escolha do que deve ser considerado arte ou não, está escondida nos grandes prédios pichados e, tal como na melodia do grande Cazuza, “assiste a tudo em cima do muro”, em sua posição de privilégio. Dessa maneira, torna-se fácil argumentar e perpetuar que essas escritas nos muros e edifícios nada mais são do que atos de vandalismo, realizados por pessoas que buscam instaurar o caos e sujar os espaços públicos e privados. 

Reprodução da tag do grupo de pichadores em Urubus
 Reprodução da tag do grupo de pichadores em Urubus [Imagem: Divulgação/O2 Play]

Uma obra interessante e dramática, Urubus instiga o espectador a questionar vários de seus preconceitos e visões, além de levantar debates que vão muito além das telas de cinema. Qualquer morador que já tenha andado pelo centro de sua cidade e se deparado com as pichações, vale tirar um tempo de seu dia para assistir ao filme e refletir sobre a arte, a cidade e a cultura periférica.

O filme já está em cartaz nos cinemas. Confira o trailer:

*Imagem de capa: Divulgação/O2 Play

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