Na quinta-feira, a 3° Semana da Jornalismo Júnior discutiu a atuação e a representação de minorias no jornalismo. Para tanto, a mesa recebeu a jornalista Valéria Almeida como mediadora, e os palestrantes Diego Iraheta, Maria Rita Casagrande e Jessica Tauane.
Para começar as discussões, Valéria Almeida revelou que cursou jornalismo já pensando em mostrar histórias de pessoas que muitas vezes não recebem voz na mídia. A jornalista é integrante do programa Profissão Repórter, onde desenvolve um trabalho focado, principalmente, em questões socioculturais. Valéria mostrou que os grupos considerados “minorias” representam grandes números da população, mas são oprimidos pela pequena parcela que detêm o poder dentro da sociedade. Nesse sentido, a comunicação social, deve agir para representar quem é invisibilizado pela mídia e é necessário ocupar os espaços de fala e criar novos canais de informação para mudar esse formato.
Em continuidade, Maria Rita Casagrande, que além de coordenadora, desenvolvedora e produtora do Blogueiras Negras, é blogueira desde 1998, disse que está redescobrindo o que é comunicação na própria vida. Maria questionou o uso do termo “Jornalismo Negro”, como um nicho de mercado. Ainda afirmou que não deixa de ser racismo, pela separação do resto do jornalismo, que é desvalorizado pelas partes opressoras da sociedade. A feminista afirmou que não tem como desatrelar a sua negritude da escrita, por conta da própria vivência e mesmo assim, é como qualquer outra mídia e deve ser interpretada como tal. A mídia predominante atualmente é branca e elitista e se o mercado absorvesse a demanda de toda a sociedade, não precisaria de uma mídia direcionada para certos grupos invisibilizados.
A Youtuber dos canais “Gorda de Boa” e “Canal das Bee”, Jessica Tauane, começou falando um pouco sobre a sua adolescência e como era difícil aceitar o fato de ser lésbica, por não ver representações na TV ou qualquer outra mídia. Jessica comentou que no caso da população LGBT, muitas vezes, as pessoas se sentem solitárias, pois não podem conversar nem mesmo com a família sobre o que acontece em suas vidas, por conta da possibilidade de rejeição. A Youtuber comentou sobre o canal “Dedilhadas”, feito por uma mulher bissexual e por uma lésbica, o que ajudou muito na sua própria aceitação e reconhecimento. Quando o canal parou de postar vídeos, Jessica acreditou que poderia começar um conteúdo para o público LGBT também e começou a montar o “Canal das Bee”. Desde a sua criação, já receberam diversos relatos de diversas partes do país e assim, perceberam como realizam um acolhimentos dessas pessoas que ficam tão solitárias e esquecidas na sociedade.
Para finalizar as primeiras falas, foi a vez do editor-chefe do HuffPost Brasil, Diego Iraheta, que foi responsável por dar sotaque brasileiro ao The Huffington Post, maior site de notícias dos Estados Unidos e criar as seções Mulheres, Vozes da Rua, LGBT e Equilíbrio. Diego contou como vê uma evolução na mídia brasileira na questão de representatividade desde que começou a trabalhar na área. O jornalista ainda falou de como é interessante ver um meio que fala desses grupos invisibilizados, como o HuffPost Brasil, em uma editora grande como a Abril e isso é importante para a ocupação de cada vez mais espaços.
A mediadora contou então, sobre como ainda há poucos negros em diversos espaços e já passou por diversas situações de racismo em outros trabalhos. E ressaltou que cada um possui uma experiência de vida e terá uma visão da sociedade baseada naquilo. Assim, perguntou à Maria Rita, como foi o começo do Blogueiras Negras.
Em um grupo de internet, houve uma tentativa de chamar uma blogagem coletiva para falar sobre o Dia Internacional da Mulher Negra, dia 25 de julho, no entanto, apenas matérias escritas por pessoas brancas saíram sobre o tema. Maria contou que muitas vezes, os conteúdos produzidos sobre a população negra, é por outros, e o espaço na internet possibilitou que essas mulheres fossem o sujeito da própria história. Maria também falou que cada vez mais os negros estão conseguindo ocupar espaços na mídia tradicional, mas ainda há muito preconceito nesses lugares. E as histórias produzidas, como em novelas, não representam essas populações.
Jéssica Tauane foi perguntada sobre como conseguia lidar de forma humorada com coisas sérias e dramáticas que ocorreram em sua vida. A YouTuber respondeu que isso só é possível, pois ainda é muito privilegiada e se ela tem acesso a tantas coisas, como universidade e a própria internet, é porque muitos ainda não têm.
Diego Iraheta foi perguntado sobre como foi o começo das matérias do HuffPost Brasil sobre as “minorias”. O editor-chefe contou que nos Estados Unidos já havia matérias sobre inspiração e empoderamento e no Brasil, Diego percebeu que os textos sobre desigualdade eram o carro-chefe do site. Assim, pensaram em reformulações, como colocar a editoria “Mulher”, ao lado da “País” e também tratar das notícias da África, que muitas vezes, não são abordadas pela mídia. Assim, o site já criou um público que procura essas informações por lá.
Valéria ressaltou como devemos estar sempre atentos ao que está acontecendo ao redor do mundo, e que pode virar notícia, mas é invisibilizado, e isso depende dos comunicadores. Diego comentou, então, uma matéria publicada no HuffPost Brasil sobre a travesti Amanda Palha, que foi aprovada em primeiro lugar em uma universidade federal. A matéria foi muito bem recebida por um grande público e foi motivo de anúncios da marca Avon.
Maria Rita interferiu nesse momento para contar que conhece a Amanda e a mesma escreve para outros sites, mas nunca teve a mesma aprovação da matéria do HuffPost. A matéria só foi lida, por que era escrita por outra pessoa e estava em um site já conceituado. É necessário que o texto seja respaldado por alguém considerado dentro dos padrões, para ter aprovação do público. Maria ainda complementou que já está cansada de matérias baseadas em estereótipos de negros que tiveram histórias vitoriosas, quando a realidade é bem diferente. Histórias de tragédias dessa população não vendem da mesma maneira, e há sempre um recorte feito pelos que dominam os grandes meios da mídia.
A mesa foi então aberta para perguntas. A primeira a fazer foi a Patrícia, que contou um pouco sobre como as pessoas com deficiência também sofrem a margem da sociedade. Ela disse que sofreu com preconceitos, como ser rejeitadas em muitas escolas e se sentir diferente do resto das pessoas, mas ninguém no debate havia tratado sobre isso. As representações na mídia de pessoas com deficiência é basicamente, de histórias de superação e não há uma verdadeira integração dessas pessoas na sociedade. As redações também não contratam pessoas com deficiências e a mediadora Valéria disse que poderia até mesmo redigir uma matéria sobre o tema, mas nunca teria a vivência necessária, para escrever com propriedade.
Em seguida, a estudante de jornalismo, Sheila, contou que vinha de uma família simples e lutou para começar seu curso, mas queria ter uma visão de mundo diferente da que viu na escola e via como era necessário evoluir o modo como as minorias são tratadas na mídia.
Nas considerações finais, Maria Rita Casagrande disse que era feliz por não conviver dentro da USP e que o pouco que ficou já viu como deveria ser um ambiente extremamente racista. Ainda disse para as pessoas escreverem e darem oportunidade de fala para que outros escrevam também e ganhem sua própria voz. Jessica Tauane lembrou que os discursos na internet ainda não chegavam para toda a população e que são poucos que possuem acesso, por isso essas discussões também devem ocupar outros espaços. Valéria Almeida falou de como é importante pararmos de reproduzir os mesmos discursos na mídia e exercitarmos a capacidade de reflexão, antes de propagar as informações. Diego Iraheta finalizou contando que achou o debate enriquecedor e que recebeu o feedback de que era necessário contar mais histórias de dificuldades da população e em primeira pessoa, dando voz a essa população.
Ainda foi sorteado um ano de assinatura grátis da revista TPM e um par de convites para a Trip Transformadores 2016, da editora Trip! E a Semana da Jornalismo Júnior ainda não acabou. Na sexta-feira ocorrerá o último debate, com o tema “Novos Formatos”.
Por Lucas Almeida
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