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A Lógica Inexplicável Da Minha Vida: uma delicada oração sobre origens e perdas

Imagem: Anny Oliveira Mais um da categoria Young Adult (Jovem Adulto). Mais um sobre a transição entre a adolescência e a vida adulta — subgênero conhecido como Coming of Age. Foi o que pensei ao ler a sinopse pela primeira vez. E foi por gostar muito desse tipo de história que eu dei uma chance a Benjamin Sáenz …

A Lógica Inexplicável Da Minha Vida: uma delicada oração sobre origens e perdas Leia mais »

Imagem: Anny Oliveira

Mais um da categoria Young Adult (Jovem Adulto). Mais um sobre a transição entre a adolescência e a vida adulta — subgênero conhecido como Coming of Age. Foi o que pensei ao ler a sinopse pela primeira vez. E foi por gostar muito desse tipo de história que eu dei uma chance a Benjamin Sáenz e A Lógica Inexplicável Da Minha Vida (Companhia das Letras, 2017). Esperei ser surpreendida durante todo o processo de leitura enquanto me irritava com o personagem principal, até chegar ao final com algumas lágrimas nos olhos e a constatação de que não, não era mais um livro juvenil sobre o chegar da idade.

“Talvez eu sempre tenha tido uma ideia errada sobre quem eu realmente era”. É essa a frase que inaugura a história. O enredo gira em torno de Salvador, um menino de 17 anos acostumado a uma vida sem complicações ao lado de seu pai adotivo e de sua melhor amiga, Sam. Quando o último ano do ensino médio chega, ele se vê obrigado a sair de sua zona de conforto e a tomar decisões importantes. A pressão faz com que o Salvador calmo e doce dê lugar a um Salvador violento e confuso. Em meio a essa crise de identidade, que o leva a questionar as próprias origens, o câncer de sua avó Mima retorna e ele tem de lidar com uma versão muito mais frágil não só de Mima, como também de seu pai e, principalmente, de si mesmo.

No começo, o protagonista é bastante intragável. Sal, como é apelidado, é certinho, extremamente positivo, mimado, imaturo e, de certa maneira, controlador. Dizer que ele é um personagem chato do tipo que ultrapassa a escala Pollyanna (PORTER, 1960) parece forte. E é. Apesar de ter um bom coração e boas intenções, suas atitudes são duvidosas e um pouco egoístas. Mas não é como se alguma crise existencial tivesse altos níveis de altruísmo. Nisso não podemos culpá-lo tanto: estar perdido é sempre sobre nós mesmos, sobre buscar uma sensação de pertencer ao mundo e de que o mundo também te pertence. Ele é o maior desafio desse livro, mas lenta e gradativamente, ele vai amadurecendo, ao passo que o leitor percebe que ele é só um adolescente perturbado e passa a ser um pouco mais tolerante.

Felizmente, a parte difícil do livro é compensada pela abordagem suave, crua e cuidadosa dada aos relacionamentos. A forma como é mostrado o vínculo entre Sal e seu pai, Vicente, é muito bonita e real. Os diálogos, embora pretensiosos em alguns momentos, levam o leitor a refletir e a admirar o que existe entre os dois. Mais do que uma relação de pai e filho, a cumplicidade presente é equivalente à de dois melhores amigos. Quase sempre muito honestos entre si, ambos passam a notar mais um ao outro. Especialmente Sal. Ele, o menino que, segundo Sam, enxerga as pessoas de verdade, nunca enxergou seu pai como o homem solitário e emocionalmente fechado que era. Juntos em uma era nebulosa, encontram abrigo na pequena, modesta e adorável família que construíram.

A amizade entre Sam e Sally, como ela o chama, é outro ponto forte. Conforme é apontado por ele nas primeiras páginas, ela pode ser tanto um “furacão” quanto uma “vela suave iluminando um quarto escuro”. Instável, intensa, entregue: Sam é o tipo de pessoa que gosta de estar “incrivelmente viva”. Ela é o oposto de Sally, que sempre viveu conforme as regras, sob controle de si mesmo. Quando ele percebe que esse controle não passava de uma ilusão, a presença de Sam é essencial para lembrá-lo de que tudo bem não estar bem e de que isso não mudava quem ele realmente era. Ao longo da narrativa, acontece uma troca muito generosa de energia e personalidade entre os dois e a fraternidade se consolida. Aliás, é muito interessante e diferente o fato de que, em momento algum, o autor tenha recorrido ao teor sexual ou amoroso na relação de Sam e Sal. Eles são irmãos e ponto.

Outro personagem fundamental na jornada de Salvador é Fito. Apesar de viver em um lar extremamente problemático e negligente, com uma mãe viciada em drogas, ele não sucumbe. Por ter vivido com amostras tão deturpadas e falhas de amor, é um garoto arisco e demora a aceitar seus talentos e sua capacidade de cativar pessoas, mas sua força e determinação são extraordinárias. Isso parece um recado a Salvador de que não estamos fadados a um destino cruel devido às nossas circunstâncias. Não importava se seu pai biológico havia sido um homem bruto. Se Fito não era como a mãe que o criou, ele não seria como alguém que nem havia conhecido.

Não precisamos ser como nossos pais. Mas podemos. Como nossos pais, como nossos avós. Caso eles sejam amáveis como Vicente e Mima, podemos. Esta, por sua vez, transmite a maior lição a respeito de perdas, gentileza e, sobretudo, amor. Com suas deliciosas tortilhas e suas palavras bondosas, a personagem é como uma brisa agradável e transformadora na vida de todos. Diria que, graças a ela, um drama que poderia ser pesado, parece mais uma oração cheia de ternura. A maior mensagem deixada por ela e pelo autor é a de que nós todos merecemos ser amados. Só precisamos nos permitir. Déjate querer.
A Lógica Inexplicável Da Minha Vida é uma história construída com naturalidade e honestidade. Capítulos curtos, leitura fluida, personagens amáveis (ou quase, no caso de Salvador). Não é apenas mais um livro juvenil.

Por Anny Oliveira
acoliveiramartins@usp.br

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