Jornalismo Júnior

logo da Jornalismo Júnior
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

A menina sem palavra: Mia Couto em forma de conto

Imagem: Sofia Aguiar/ Jornalismo Júnior Por Sofia Aguiar (sofia.aguiar@usp.br) Reunindo 17 contos, o livro alude a um cenário especialmente mágico. Indo de encontro com retrato de Moçambique como uma caldeira de guerra, miséria e desprezo social, a obra aborda a riqueza infantil do país. E o que mais relacionado à infância do que  mágica e ingenuidade? …

A menina sem palavra: Mia Couto em forma de conto Leia mais »

Imagem: Sofia Aguiar/ Jornalismo Júnior

Por Sofia Aguiar (sofia.aguiar@usp.br)

Reunindo 17 contos, o livro alude a um cenário especialmente mágico. Indo de encontro com retrato de Moçambique como uma caldeira de guerra, miséria e desprezo social, a obra aborda a riqueza infantil do país. E o que mais relacionado à infância do que  mágica e ingenuidade?

Matrizes africanas não são apenas permeadas por violências, mas são, primordialmente, costumes. Na seleção dos contos, o que permeia no imaginário do leitor é a natureza moçambicana, tão instigante e única. A rotina familiar mostra-se de forma muito intensa, em uma complexidade de relacionamentos que a complementa. Mães, pais, avós, filhos e agregados montam histórias simples, instigantes e, se o leitor permitir, ferramentas para uma comprovação de pensamentos coutianos. É um livro simples e fantástico, mas não permite se limitar a um povo idealizado.

As críticas sociais e políticas ficam em segundo plano na obra. Fácil de ler, é possível que tais temáticas passem batidas e que a fantasia e as relações pessoais construídas nos contos sobreponham àideia de uma conjuntura nacional. Mas a seleção e a disponibilidade das histórias não fogem de tal crítica.

Já no primeiro conto, “O dia em que explodiu Mabata-bata”, o autor relata a história de uma criança que, vivendo em uma fazenda, cuidava de bois. A construção lúdica leva ao fechamento do conto, quando ocorre a explosão de um boi. Estranho porém, sem fantasia, não seria Mia Couto. Mas, desde o início, percebe-se o único desejo do menino: ir à escola. E justamente por tal desejo, não compreendido por seus tios, é que se desenrola o conto. Até que, no fim, seu desejo não é cumprido – apesar da promessa feita pelo tio – e encontra-se em uma reprodutibilidade de trabalho infantil.

Na história “O apocalipse privado do Tio Geguê”, um dos maiores contos da obra, é também o de maiores críticas. Narrada por uma criança órfão de pai e mãe queive com seu tio, uma pessoa solitária e calada. Sem saber a quem contar, o menino guarda suas angústias, como os sonhos que têm com sua mãe, quem não conhecera, e observa a ascensão de seu tio como milícia.

A reprodutibilidade da maldade é alvo do conto. A ascensão do tio como milícia faz com que ele obrigue o menino a cometer crimes para, então, poder exercer seu poder, como ilustrado em uma frase do tio Geguê: “Você pensa um milícia existe enquanto há paz?”. E o gosto por fazer maldade acendia no menino que, sem arrependimento, ouvia os ensinamentos de seu tio: “Não há bons nesse mundo. Há são maldosos com preguiça”. E retoma com a ideia de que amores enfraquecem o homem.

Na imagem de Zabelani, órfã de pais por conta da guerra, o conto alude a maldade e morte. Finalizando, traduz-se o semblante nacional: “A morte se tornara tão frequente que só a vida fazia espanto”.

 “O embondeiro que sonhava pássaros” é a representação do conflito entre colonos e nativos. O preconceito permeia o conto e representa a relutância de um bairro de colonos contra um vendedor de pássaros, tão belos e coloridos, pelas ruas. A presença do africano incomodava, “afinal, os pássaros desauteciam os residentes, estrangeirando-lhes? Ou culpado seria aquele negro, sacana, que se arrogava a existir, ignorante dos seus deveres de raça?”. E, em um toque mágico de Mia Couto, o vendedor vira flor e entende-se: “Ele é que era natural, rebento daquela terra.”

E a surpresa das críticas só cresce. “As baleias de Quissico” relata a confiança de um povo pautada em mitos. Não se trata sobre uma crítica à ignorância, ou tendo ela vista como nacional, mas sobre os costumes e os hábitos de crença de uma nação. O hábito da pesca em família é relatada em “Nas águas do tempo” e transparece uma tradição moçambicana: “A água e o tempo são irmãos gêmeos, nascidos do mesmo ventre.”

Ser criança requer pais. O abandono e a pressão familiar inundam as páginas da obra. “A filha da solidão” e “O rio das Quatro Luzes” mostram um ambiente familiar e como a criação é um fator determinante no desenvolvimento da criança. Entre depósito da ascensão familiar na filha e o descaso dos próprios pais, a temática é muito abordada.

O último conto é “Inundações” e alude à necessidade moçambicana de uma inundação para reencontrar seu passado mas construir seu futuro, de forma desapegada e mais inteligente. É uma inundação de memórias, vivências, mas que, pelo futuro balizado nas crianças, é possível germinar uma nação nos solos moçambicanos, mesmo com uma terra antiga de preconceito, desigualdade e miséria.

O conto que dá título ao livro, “A menina sem palavras”, é a representação nacional. Moçambique não consegue falar, sua voz é abafada e ninguém escuta mas, assim como no conto que originou o nome da obra, basta dar uma chance de Moçambique renascer e ressurgir de seus males. No conto, esse ápice vocal ocorre quando a menina vislumbra a lua. Que tipo de lua Moçambique precisa ver para poder, finalmente, falar?

Mia Couto faz com que tenhamos vontade de conhecer essa voz, pequena se comparada a tantas vozes africanas ainda caladas. Apesar das inúmeras críticas sociais, esse não é o intuito do livro. A obra é leve e seu objetivo é mostrar os costumes de uma nação. No entanto, pela longa duração, as desigualdades, desprezo, descaso e exploração estão tão impregnadas nos costumes e hábitos que faz com que eles apareçam na obra. A intenção de Mia Couto não era montar um país utópico.

    Leve, com contos rápidos e que instigam a curiosidade, a leitura rende com uma admiração pela facilidade que o autor teve ao construir os contos para os leitores. Eles querem saber mais mas, na medida certa, Mia Couto junta a ingenuidade da criança com um teor social. Tão resguardado e, ao mesmo tempo, gritante.

1 comentário em “A menina sem palavra: Mia Couto em forma de conto”

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima