Jornalismo Júnior

logo da Jornalismo Júnior
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

“As intermitências da morte”: resenha à Saramago

Imagem de destaque: Luis Eduardo Nogueira/Comunicação Visual – Jornalismo Júnior No dia seguinte ninguém morreu. Sendo uma linha de chegada da sinuosa pista, utilizando a noção de percurso que muito se atribui à vida, sobre a qual disputam os mortais o sítio de mais acertada posição, desatentos ao fato de que concorrem em direção à mesma …

“As intermitências da morte”: resenha à Saramago Leia mais »

Imagem de destaque: Luis Eduardo Nogueira/Comunicação Visual – Jornalismo Júnior

No dia seguinte ninguém morreu. Sendo uma linha de chegada da sinuosa pista, utilizando a noção de percurso que muito se atribui à vida, sobre a qual disputam os mortais o sítio de mais acertada posição, desatentos ao fato de que concorrem em direção à mesma marca final, ao fôlego último da breve corrida, a morte nunca havia feito menção de deixar passar os competidores sem que os pusesse antes no derradeiro pódio, que alguns associam à inanição completa, ao não ser simplesmente, e outros à abertura de uma realidade metafísica sempiterna, à extensão da consciência, mas do qual buscam fugir todos apesar dos potenciais benefícios da cruzada, a saber, a indiferença eterna aos pesos do mundo ou indefinido encontro etéreo com uma superioridade regente. D’onde podemos inferir prontamente não ser fundamentada em episódio histórico, isto é, sem marca na literatura de registro do planeta, mas sim no deleite pelas conjecturas, a narrativa desvelada de saramago em que a morte decide pôr fim ao exercício que a si lhe coube já no primeiro indício de humanos neste país inventado, o de manter sobre a terra sustentável número de pessoas e arrebatar os excedentes, podar os exageros, de modo a não haver as complicações morais, filosóficas, políticas, econômicas pintadas nas intermitências da morte, acima das quais paira como prioritária consternação a ação da máfia responsável pelo deslocamento de moribundos, desses com o pé mais lá do que cá, que em condições normais de temperatura e pressão já teriam concluído sua participação na existência. Desde o local em que a força da vida supera a da morte, mesmo com o organismo apresentando claros sinais de perda total, até ao passar das linhas imaginárias de delimitação das nações, que, por sua vez, representam igualmente a diferença entre ser capaz de morrer ou não, operam as organizações criminosas do vantajoso capital do sepulcro ilegítimo, levando às famílias o suspiro aliviado de quem se livra de um fardo pesado em demasia junto com a arfada irrevogável de quem encerra o compromisso com a vitalidade. A este ponto das derivações da eternidade saramago dedica volumosa parte do enredo, mais especificamente no trato das instituições, sobretudo nas políticas encarregadas de fazer parecer o poderio do banditismo menos do que é e ainda impedir um surto geral que conduza a uma guerra internacional, também em especial a derrocada das economias diretamente ligadas aos assuntos do falecimento e, last but not least, a crise da casa religiosa de maior prestígio, como a provar a tese de que é a morte a mantenedora da ordem na vida e que sem a sinistra ceifadora as coisas andariam a desabar. Tal demonstração seria aceita com rigor acadêmico do lado de cá da literatura, ou seja, no que chamamos de realidade, em nome da qual se fariam simpósios, debates nas universidades e reuniões com representantes de cada região do planeta a fim de prevenir a sucessão de eventos previstos pelo escritor português, uma delas a ser presidida pelos estados unidos com sede em new york onde o secretário geral então diria, Boas tardes, senhores, é de muita urgência que tratemos desta pendência alarmante, visto que são claros e devastadores os efeitos do cessar da morte, após o que se decorreriam alguns segundos para a tradução até que o nomeado da Rússia irromperia, E o que propõe, senhor secretário geral, quer por acaso que façamos um acordo com a embarcadora para que ela continue a despachar as abundâncias, É preciso mantê-la sob cortejos e feliz com o papel que desempenha, responderia o anfitrião, E como pretende, É fácil, precisamos somente passar a cultuá-la como um deus, o que decerto é, se pode causar tantos transtornos no firmamento, de modo que faremos templos de adoração, construiremos imagens a sua semelhança e levaremos a sua consideração importantes preces, É provável que o intento não pegue, teme-se a morte mais que o diabo teme a cruz, E qual deus não é temido. As medidas seriam por término consenso e então haveria no mundo um novo credo com a finalidade de apaziguar os ímpetos de ócio da parca. Se isso não ocorreu até os dias em que fazemos esta resenha da monografia saramaguiana é porque o empreendimento argumentativo das intermitências é comum também a outra obra chamada ensaio sobre a cegueira, em que a perenidade é substituída pela total ausência da visão enquanto estímulo do caos na sociedade. Como bem temos ciência dos dez anos que separam este livro daquele, sabemos que não há possibilidades de instalar-se o branco completo na retina dos povos, como sugere o ensaio, pois que contra isso providências já foram tomadas pouco depois do lançamento. Procedimentos dispensados na ocasião das intermitências da morte porque o secretário geral não pensou que valesse a pena livrar a humanidade de toda calamidade provável, Sempre há de ter entre os homens algo para colocá-los em condições trágicas, a morte pode bem fazer o que lhe aprouver, confidenciou ele aos aliados políticos. Disso o desfecho é termos uma ideia de como se efetuaram as gêneses desses dois engenhos de saramago, sendo razoável presumirmos o seguinte raciocínio em seu gênio, O que poderia eu levar ao extremo de tal jeito que pudesse evidenciar toda fragilidade das relações humanas, dos sistemas, dos estatutos, das entidades, em suma, um aspecto elevado ao ponto máximo capaz de trazer à tona a degradação enrustida, dissimulada, à espera de um estopim, que ronda todo indivíduo resignado e todo coletivo supostamente sólido. Assim nasceram as revelações d’As intermitências da morte. Quanto à personagem central da trama, a dama da foice, deve-se ter em mente a injustiça do cargo imposto antes de a botarmos pra cristo. É preciso entendê-la a si e suas razões para não só compreendermos o rompimento dos óbitos mas também as atitudes adjacentes que se seguem, como exemplo o contato mais próximo que passa a ter com as vítimas do retorno da durabilidade sem que isso inspire necessariamente simpatia pelos efêmeros, enfim, o que queremos dizer com isso é que o livro tem muito bem resolvidos os trajetos inescapáveis da vida, tanto no plano material quanto no incorpóreo, quando no dia seguinte ninguém morre.

Por Wagner Nascimento
wagneriano7@gmail.com

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima