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‘Devassos no Paraíso’ escancara o mundo LGBTQIA+ dentro da história brasileira

A escrita reflete, origina ou intensifica importância? Essa é a exploração no epicentro de Devassos no Paraíso (2018, Editora Objetiva), livro em que João Silvério Trevisan situa-se em cordas-bambas — entre transgressão e visibilidade; integração e destruição; amor e ódio. A narração de diversas expressões de vivências e movimentação LGBTQIA+ recapitula a silenciada e violentada …

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A escrita reflete, origina ou intensifica importância? Essa é a exploração no epicentro de Devassos no Paraíso (2018, Editora Objetiva), livro em que João Silvério Trevisan situa-se em cordas-bambas — entre transgressão e visibilidade; integração e destruição; amor e ódio. A narração de diversas expressões de vivências e movimentação LGBTQIA+ recapitula a silenciada e violentada história da comunidade a fim de tornar inegável sua imponência, que se funde com a história do próprio Brasil. 

Ao longo do pouco mais de 500 páginas, João apresenta um universo ilustrado pela sucessão de histórias individuais que culmina na coletividade plural de um movimento, ou na intenção de um. A obra se pauta não só na liberação sexual, mas também na revisão das estruturas de uma sociedade erguida sobre padrões de consumo e poder do fundamentalismo religioso e da heterocisnormatividade. 

Se o comum é ouvir relatos que afirmam a inexistência da “sodomia” em épocas passadas, João não só esmaga tal argumento como renega a construção de qualquer senso de normalidade. Dos relatos acerca de indígenas cudinas, um dos primeiros indícios de transgeneridade que se tem registro no país, até fenômenos da contemporaneidade como Pabllo Vittar, o autor escancara um mundo que há décadas transbordou dos guetos aos quais era condicionado e se recusou a parar. 

João Silvério Trevisan na Parada do Orgulho LGBT de São Paulo (2004) [Imagem: Reprodução/CPFL Cultura]
João Silvério Trevisan na Parada do Orgulho LGBT de São Paulo (2004) [Imagem: Reprodução/CPFL Cultura]
O mais adequado, então, seria dizer que nos tempos passados se escondia (ou prendia, assassinava, internava e silenciava) a transgressão muito bem, mas não bem o suficiente para suprimir pela eternidade existências que por si só constituem clamores. 

Trevisan escreve que “quanto mais escuridão dos opressores, maior será a luz emitida pela purpurina dos oprimidos”, e Devassos no Paraíso não poderia comprovar tal tese de melhor modo. A escrita fluída, cativante e tremendamente sensibilizada do autor navega pelo riso, revolta e melancolia com a destreza necessária a uma história protagonizada pelo entrelace do prazer e da reivindicação político-social. 

Sobretudo, o livro em si incorpora o caráter metamórfico do ativismo LGBTQIA+, que em essência se posiciona avesso à qualquer conservadorismo e ao estabelecimento da norma. Lançada originalmente em 1986, a obra, agora em sua 4ª edição, revista e ampliada, destrincha não só a diversidade de expressões antigas como a evolução da causa nos últimos 30 anos. É como se João propusesse uma nova onda da organização queer no Brasil, a fim de manter constante a atualização dessa história e garantir espaço para o protagonismo da comunidade, para além de sua contribuição.

Manifestação do Grupo Somos. [Imagem: DR / Acervo J. S. Trevisan. Reprodução de Marcos Vilas Boas.]
Manifestação do Grupo Somos. [Imagem: DR / Acervo J. S. Trevisan. Reprodução de Marcos Vilas Boas]
O conhecimento sobre o passado, que catalisa ações, é intensamente privado daqueles que divergem do padrão europeu patriarcal dominante na historiografia, e assim são contidas exigências, debates e o senso de união. Sem esses caracteres, o melhor que se pode esperar é a incorporação parcial de uma sociedade opressora, que às vezes permite um beijo gay na novela das nove, mas lincha mulheres como Dandara; que aceita consumismo, mas não protesto. Trevisan elimina ilusões, denuncia injustiças e renega a persuasão da política que usa a causa como moeda de troca quando lhe convém, ao armar seus leitores com a bagagem coletada com apreço e experiência.

João, afinal, estava lá quando o grupo Somos — um dos maiores coletivos na história do movimento — foi fundado em 1978, assim como fez parte da concepção do jornal Lampião da Esquina, uma das publicações mais cruciais ao debate acerca da homoafetividade na mídia. O escritor sofreu em primeira mão os rebotes da imprensa, do mundo literário e das organizações políticas que condenavam sua “pederastia”, ou a aceitavam sob condições. 

Devassos no Paraíso (4ª edição, revista e ampliada) é um presente necessário a todos, que luta pelo preenchimento de uma lacuna de nossa história que mais se assemelha a uma ferida aberta. Em sua revigorante mescla de jornalismo narrativo e gracejos poéticos, o autor consegue o que parece impossível em tempos de ódio incessante e entorpecente: nos mover, seja qual for o significado atribuído ao verbo.

 

Imagem de capa: Thiago Gelli/Jornalismo Júnior

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