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Florence And The Machine mais intimista e se acertando com o passado

 Estampando a capa de sua nova era e utilizando uma roupa simples de tecidos transparentes, Florence Welch está de volta com sua Machine. No 4º álbum da banda inglesa, intitulado de “High as Hope”, apresenta uma fase mais madura da vocalista, com versos mais íntimos sobre o que ela já vivenciou, suas dores, angústias e …

Florence And The Machine mais intimista e se acertando com o passado Leia mais »

 Estampando a capa de sua nova era e utilizando uma roupa simples de tecidos transparentes, Florence Welch está de volta com sua Machine. No 4º álbum da banda inglesa, intitulado deHigh as Hope”, apresenta uma fase mais madura da vocalista, com versos mais íntimos sobre o que ela já vivenciou, suas dores, angústias e reflexões e mostrando superação  seus pesos e vícios.

 Sendo o primeiro álbum da banda em que Florence é a co-produtora, há ainda, a participação nos efeitos sonoros de Emile Haynie (produtor do álbum Born to Die, de Lana Del Rey), arranjos de Kamasi Washington (já teve parcerias com Kendrick Lamar), composições de Tobias Jesso Jr (colaborou com outras cantoras como Adele e Sia) e ainda, Jamie XX e Kelsey Lu.

O nome do “High As Hope” é uma referência a um poema que Florence escreveu quando estava em Nova York para começar as gravações. Em relação aos seus antecessores Lungs (2009), Ceremonials (2012) e  How Big, How Blue, How Beautiful (2015), “High As Hope” apresenta um tom mais vocal do que sonoro, mais fluido e calmo, representando a sobriedade de Florence e seu maior valor sincero. Sua voz está muito bem inserida nos arranjos e nas letras profundas. Outro destaque muito merecido são os performáticos clipes das músicas Sky Full of Song, Hunger e Big God, que dão aquele toque especial típico das músicas da banda e te dão muita vontade de sair dançando por aí sem rumo. Ao final deste conjunto, é possível empatizar-se com Florence, sentir-se tocado ou até mesmo com uma vontade enorme de abraçá-la dizendo “Vai ficar tudo bem, o pior já passou”.

 A abertura do álbum inicia-se em June, com um desenvolvimento sonoro que ocorre em quase todas músicas: começa de forma lenta e com poucos instrumentos, mas  vai ganhando expansão até o refrão. Acompanhada de um piano e da voz inicialmente suave de Florence, e em seguida, de mais potente junto à orquestra. Nos primeiros versos até o refrão, acabam cercados de especulações sobre seu significado geral: enquanto alguns fãs acreditam ter sido apenas sobre sua última turnê em Chicago, outros acreditam ter um significado mais engajado, relacionado sobre o massacre ocorrido na casa noturna Pulse, em Orlando, quando a banda estava se apresentando em Chicago. Os versos In those heavy days in June (Nos dias mais difíceis de junho) / When love became an act of defiance (Quando o amor se tornou um ato de desafio) reforçam a última hipótese, além do refrão que suplica por resistência: Hold on to each other! (Ajudem uns aos outros).

Em seguida, vem Hunger, lançada como um single junto com o anúncio do novo álbum, possui um ritmo mais agitado e dançante, já conhecidos. Em seu Instagram, Florence disse inicialmente que não seria uma música e sim um poema: ”Essa música nunca foi feita para ser uma música. Era um poema, escrito em um esforço para entender as maneiras pelas quais eu procurava amor em coisas que não eram amor. Eu nunca pensei que seria uma música, mas talvez seja esse o ponto. E cantando em voz alta, juntos nos tornamos coro, um coro, mais alto do que a dor, mais alto que a solidão.” A letra aborda questões como buscar amor naquilo que não te faz bem, como a bebida e as drogas, além dos transtornos alimentares sofridos em sua adolescência. Usando-se de metáforas e referências, vai tentando criar um encorajamento àqueles que também precisam “matar essa fome”.

O clipe tem como cenário principal um museu, onde uma estátua está sob os holofotes do público que apesar de ser admirada e fascinada,  possui um vazio por dentro. Por mais que tentem restaurá-la, o vazio interior ainda continua, sendo acompanhado por passagens de Florence performatizando em um cenário alternado e até mesmo, sendo uma das admiradoras. Ao final, esse vazio começa a ser preenchido pelo nascimento de plantas, finalizando com a frase que tem tudo a ver com a letra: “How many have to die so that you can feel loved.” (Quantos morreram para que você se sinta amado?).

Em South London Forever, Florence relembra sua juventude no sul de Londres, onde acreditava possuir a total liberdade e o auge de sua existência ao namorar, beber e usar drogas; confrontando o seu passado com o presente, mostrando seu amadurecimento pessoal. O ritmo da música traz esse sentimento nostálgico, acompanhado de uma típica orquestra até o final.

Big God vem trazendo de volta um tom mais místico da banda. Com  som mais grave e moderado, em tom mais sombrio e acompanhada de um coro e saxofone de Kamasi Washington. Florence traz um questão da vida moderna de estarmos dependentes da tecnologia para preenchermos o nosso vazio, apesar de parecer ter uma mensagem totalmente religiosa sobre possuir um Deus para entregar nosso vazio e  sentimentos incontroláveis. A explicação do significado foi dado por ela em entrevista ao New York Times como “Obviamente, um buraco inutilizável na alma, mas principalmente sobre alguém que não está respondendo ao meu texto”, em alusão ao fenômeno conhecido como ghosting.

O clipe, um dos últimos da nova era da banda, é totalmente performático no melhor estilo de dança contemporânea. Florence está acompanhada de bailarinas cobertas em tule, dançando sobre um espelho d’água, numa coreografia feita em parceria com o coreógrafo Akram Khan, com direito à levitação das personagens em cena, conseguindo deixar o espectador impactado.

Sky Full of Song foi lançada antes do anúncio oficial do álbum, criando grande expectativa do que estava por vir. Apresenta grande qualidade vocal sem muita ornamentação instrumental, como uma poesia sendo recitada. Escrita em um quarto de hotel durante a última turnê da banda, “Esta foi uma música que acabou de cair do céu totalmente formada. Às vezes, quando você está se apresentando, você fica tão alto que é difícil saber como descer. Há essa sensação de estar rachada, correndo sem parar para fora e para cima, e querendo que alguém te segure ainda, te traga de volta para si mesmo. É um sentimento incrível, celestial, mas de alguma forma solitário’’ disse Florence, em entrevista dada ao site NME.

Já apresenta nos primeiros versos alguém (no caso, Florence) deitada no chão após ter voado muito tempo procurando descanso, querendo consertar as preocupações que causou nas pessoas, sem rumo, perdida e se desentendendo com seu pai. No pré-refrão há referências da mitologia grega, comparando o rumo da sua vida ao mito de Ícaro e Dédalo  Grab me by my ankles, I’ve been flying for too long (Agarre-me pelos tornozelos, tenho voado por tempo demais) / I couldn’t hide from the thunder in a sky full of song (Não pude me esconder da tempestade em um céu cheio de música) / And I want you so badly, but you could be anyone (E eu quero tanto você, mas você poderia ser qualquer um) / I couldn’t hide from the thunder in a sky full of song (Não pude me esconder da tempestade em um céu cheio de som. Outra referência mitológica usada foi a do mito de Eros e Psiqué no refrão, Hold me down, I’m so tired now (Segure-me, eu estou tão cansada agora) / Aim your arrow at the sky (Aponte a sua flecha para o céu) / Take me down, I’m too tired now (Acerte-me, estou cansada demais agora) / Leave me where I lie” (Deixe-me onde eu cair). Assim, compara sua vida à dos personagens mitológicos, que se encantam com a música e com o céu, em oposição às ordens do pai, como Ícaro teve com Dédalo e o desejo de amar os outros, de enfrentar a tempestade ou submundos, aceitar o repouso que antecipa a entrega por completo ao céu cheio de som e paz.

Seu clipe é totalmente em preto e branco, com um cenário super simples e nenhuma dança, apenas a vocalista deitada no chão cercada de flores nascendo na poeira e lavando as mãos em uma bacia, como uma metáfora de renovação.

Em tons mais lentos e carregados de muita emoção, Grace e Patricia são músicas sobre pessoas importantes na vida da cantora. Grace é a irmã mais nova de Florence, enquanto Patricia refere-se à Patti Smith.

Grace é um pedido de desculpa à sua irmã mais nova, que sempre a cuidou e se preocupou, enquanto ela foi imprudente. Logo de início, ela relembra alguns erros cometidos, mas ao mesmo tempo, mostra o porto seguro que encontra na figura de sua irmã, na tentativa de corresponder esse amor, visto no refrão Grace: I know you carry us (Grace, eu sei que você nos carrega) / Grace, and it was such a mess (Grace, e isso foi uma bagunça) / Grace, I don’t say it enough (Grace, eu não digo o suficiente) / Grace, you are so loved (Grace, você é tão amada).

Já a música Patricia foi feita em homenagem à Patti Smith, artista estadunidense que tanto admira e a considera com sua Estrela do Norte, isto é, sua guia. Leitora voraz de seus livros, Florence sente sua essência de apreciar os pequenos momentos da vida, como tomar café e enxergar a beleza em um mundo frio, além do prazer de viver e viver o momento.

100 Years utiliza algumas referências mitológicas e históricas, retomando aos relacionamentos abusivos, mas dessa vez como forma de pedir o empoderamento feminino (quase nunca citado em sua música) e protestar contra esse problema. A questão do relacionamento abusivo é trazida através de um exemplo vivido pela cantora: ela se sentia machucada e cansada, insegura e instável, mas ao mesmo tempo tentava manter a relação por estar com alguém, criando um ciclo vicioso de idas e vindas onde ela buscava uma salvação sem reagir fortemente.

Alguns fãs acreditam que o tema do ciclo vicioso é uma metáfora ao mito de Prometeu (que tinha seu fígado devorado por uma águia todos os dias), fazendo conexão à estátua do clipe de Hunger e a localização de suas rachaduras. A volta da harpa, sumida desde o último álbum, junto da melodia e das batidas retomam agitação e velocidade da música após seu início, ganhando força até chegarem aos versos: Funerals were held all over the city (Funerais foram realizados em toda a cidade) /The youth bleed in the square (Os jovens sangram na praça) / And women raged as old men fumbled and cried (E as mulheres se enfureceram quando os velhos se atrapalharam e choraram) / “We’re sorry, we thought you didn’t care, oh.” (“Nós sentimos muito, nós pensamos que você não se importava, oh.”) / And how does it feel now you’ve scratched that itch? (E como se sente agora que você coçou essa coceira?) / How does it feel? (Como é?) / And pulled out all your stitches (E tirou todos os seus pontos) / Hubris is a bitch  (Hubris é uma vadia) / A hundred arms, a hundred years. A hundred arms, a hundred years (Cem braços, cem anos. Cem braços, cem anos). Já nas últimas estrofes, ocorre uma reação de protesto e confronto com a situação, e referências ao movimento sufragista inglês (iniciado 100 anos atrás) e ao movimento #MeToo, iniciado ano passado após várias mulheres denunciarem o produtor hollywoodiano Harvey Weinstein.

Foto: Florence and The Machine em apresentação no programa estadunidense Colbert Late Show / Reprodução / Scott K Photography

The End of the Love seria, a primeira vista, o nome do álbum, mas foi trocado porque Florence achou que tivesse algo negativo no nome e acabou transformado em música. Tendo o piano e a sobreposição vocal como plano, há um volta de questões familiares delicadas, como o suicídio de sua avó (quando tinha nove anos), trazendo de volta um sentimento muito semelhante de Only If For A Night, do álbum “Ceremonials” (2012). Também cita formas diferentes de lidar com o amor através de uma curiosa história sobre um ancestral de Florence que era capitão-do-mar e tinha uma técnica de quebrar as tábuas do assoalho de um barco para evitar uma inundação e proteger sua família, e ainda, um romance que teve com um cara chamado Joshua, comparando-o com a história bíblica dos Dez Mandamentos, com um tablet no lugar da famosa tábua. Essa explicação foi dada pela cantora quando deu entrevista ao Belfast Guardian e consegue ser facilmente visualizada nos versos que antecedem o refrão. (We’re a family pulled from the flood I (Somos uma família tirada da enchente) / You tore the floorboards up (Você rasgou as tábuas do assoalho) / And let the river rush in (E deixe o rio correr) / Not wash away, wash away (Não lave, lave) e nas estrofes finais, And Joshua came down from the mountain (E Joshua desceu da montanha) / With a tablet in his hands (Com um tablet em suas mãos) / Told me that he loved me, yeah (Me disse que ele me amava) , com uma retomada da questão sobre ghosting, iniciada em Big God: And then ghosted me again (E me deixou “fantasmada” de novo).

Para fechar, No Choir é a música de menor duração do álbum, com dois minutos e meio . Apesar de pequena, é uma reflexão sobre sua carreira musical até esse momento, como um posfácio cantado. Acompanhado de um violino e um piano, em tom bem calmo e sem crescimentos sonoros, Florence vai jogando toda as verdades sobre uma carreira musical, como uso de temas clichês de sua parte, a efemeridade da fama e a inspiração que a tristeza e a melancolia dá aos artistas. Junto com essa rapidez, que começa ou termina a fama, existe um contraponto explorado entre egocentrismo e cumplicidade na relação com seus fãs.

O egocentrismo de sua parte está relacionado ao fato de transformar suas experiências e angústias em músicas para prender seus fãs à si e sentir-se melhor e amada, mas à medida que vai envelhecendo e sentindo os rumos da fama, percebeu que não é só ela. A paz e a comunhão criada na relação com seus fãs durante os shows criou um compartilhamento desse sentimento e conforto, antes retido e agora espalhado, que lhe faz bem quando em sintonia com eles (como exemplo, a mudança de sujeito no desenvolvimento da letra – “eu” para “nós”). Mas ela não vive só da grandiosidade de seus shows, porque a felicidade e o bem-estar não se resume apenas nos grandes momentos, mas também nos pequenos da vida fora da agitação.

Por fim, podemos dizer que essa é uma das obras mais sinceras e intencionalmente simples (se comparado aos outros trabalhos da banda) que refletem o amadurecimento pessoal de sua vocalista. A total conexão entre cada letra cria uma reconciliação e conserto dos erros cometidos, com a atual Florence fazendo uma análise honesta de tudo que já fez e passou, mostrando que conseguiu dar a volta por cima. Há poucas mudanças significativas na melodia, em relação aos outros álbuns, podendo deixar aqueles que esperam um ritmo agitado ou grandes hinos que ocupam o topo das paradas como Dog Days Are Over’, Cosmic Love ou “Shake It Out”, um pouquinho decepcionados por estar mais direito e intimista. Não conseguimos chegar a uma  conclusão: se sua fome foi totalmente saciada ou se algo a mais está por vir, mas sabemos que ainda sim, Florence consegue neste álbum engrandecer sua arte e manter o seu status de diva da música e de maior banda indie, também.

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